Por Rui
Peralta, Luanda
Publicada
por PÁGINA
GLOBAL
Terça-feira,
9 de dezembro de 2014
Integra do
Texto
I - Uma das
características do comportamento elitista consiste em assumir os seus
interesses como "interesses nacionais".
O seu poder é em função do
"interesse de Estado", os seus negócios são "negócios de
Estado", a sua segurança é "de Estado" e a privacidade das suas
actividades são "segredos de Estado". Inclusive os seus lucros,
benefícios e benesses são em "benefício e interesse da Nação". Esta
extrapolação é extensível á Ética e á Cultura, gerando sucessivas distorções da
realidade, como o "pensamento único", o "fim da História"
(uma marca de Hollywood, alicerçada no "final feliz", logo seguido da
histórica - anterior ao histórico leão da METRO - legenda "The End").
Claro que este
discurso do "nacional" tem uma função bem determinada: pôr "o
boi a dormir e a vaca a pastar". Desta forma a pluridimensionalidade da
vida é transformada numa distorcida realidade unidimensional, um universo
concentracionário onde a existência do Homem é uma incessante competição,
conduzindo-o á sua alienação como Ser, Individuo, Pessoa e Cidadão. O objectivo
de cada um dos habitantes da "Casa Comum" é simples: dinheiro,
riqueza, bens...Como é que as elites o impedem, mantendo, assim o seu estatuto
e o seu Poder? Através da macroeconomia da alienação total.
Neste cenário o
mercado ampliou descontroladamente as suas funções, perdeu a sua identidade e
transformou-se, também ele, numa esfera única. Deixou de ser a esfera da vida
onde o Eu se relacionava com os Outros (a Ágora, da Grécia Antiga), destruindo
a esfera da vida privada, do Eu (a Oikos dos antigos gregos) e a esfera da vida
pública, do Nós (a Eclésia dos atenienses, a assembleia). O mercado tornou-se
omnipotente, omnisciente e omnipresente, disputando com Deus estas três
características (que só a Ele O identificavam, o que levou Bakunine a constatar
que se tal Ser existisse, o Homem viveria sob a Tirania, pelo que seria dever
da Humanidade, destruir essa identidade para que todos os Homens fossem
livres).
As elites
dominantes do presente dispõem de mais poder que quaisquer uma das suas
antecessoras. Recorrem não só às velhas ferramentas de domínio adaptando-as às
novas especificidades criadas pela sua dinâmica representativa (a religião, por
exemplo, é apresentada num "pacote descartável" que transforma Deus
num produto similar aos produtos financeiros tóxicos, um Deus-prateleira de
bens e de riquezas, representado por um sacerdócio que apela ao consumo e ao
dinheiro que o crente tem no bolso. Valha-nos - a todos, crentes e ateus - a
seriedade teológica e a consciência social que prevalecem na maioria das altas
esferas eclesiásticas e nas bases das igrejas, que impede a progressão deste
lamentável espetáculo circense), como utilizam novas ferramentas colocadas ao
seu dispor e que permitem a prática e a divulgação da imbecilidade e da
frivolidade: as redes sociais e as novas máquinas propagandísticas em que os
novos conceitos de comunicação social transformaram a grande maioria dos
respectivos órgãos.
É assim que os
três principais inimigos deste sistema tornam-se ausentes da realidade social e
do Individuo: a meditação, a reflexão e o pensamento critica (que implica a
atitude critica e autocritica). No lugar destas surgem a frivolidade, a
leviandade e o condicionamento pelo supérfluo.
II - A aliança
entre elites económicas e Estado assume diversas formas, conforme a localização
a Oriente ou a Ocidente, consoante o nível de desenvolvimento, dependendo se
estamos a referenciar economias autocentradas ou periféricas, ou atendendo aos
níveis institucionais e de representação ou participação democrática ou, ainda,
aos diferentes níveis de autonomia social ou o seu inverso, a hegemonia do
Estado (através da burocracia civil ou militar). Para todas elas encontraremos
áreas cinzentas, obscuras, de relacionamento entre Estado e elites económicas,
através de intermediários (lúmpen-elites, em alguns casos, provenientes do
lúmpen-proletariado). Estas relações estabelecem-se para a realização de
negócios ou acções não assumidas pelo Estado nem pelas elites económicas, mas
necessárias ao prosseguimento das dinâmicas do Poder.
Este papel
efectuado pelas lúmpen-elites (e também por organizações, clãs e famílias -
caso da MAFIA, Tríades, Yakuza ou, por exemplo, os clãs drusos no vale de
Behkha, a norte do Líbano - divergindo em função dos factores de organização
social ou dos fenómenos culturais) não é apenas um fenómeno inerente às
dinâmicas internas (a nível nacional) mas também extensível ao nível das
dinâmicas externas. Por exemplo a MAFIA desempenhou diversos papéis através dos
tempos, mas a sua importância reside nos factores de ligação entre as elites
económicas (nas quais a organização até pode nem se inserir) e o Estado, sendo
muita da sua actuação relevante nos factores externos.
Esta estrutura
foi determinante na Reconquista Cristã e no combate às invasões islâmicas.
Séculos depois surge ligada aos Aliados, durante a II Guerra Mundial, no
combate ao fascismo italiano (após as famílias terem apreciado a situação
consideraram vantajoso romperem com Mussolini e, através das ramificações nos
USA, disponibilizarem-se a auxiliar as forças aliadas na sua progressão em
Itália). Durante a Guerra Fria foram determinantes no "combate ao
comunismo" em Itália, aparecendo como apoio á democracia-cristã, já para
não falar nos USA, no inicio do século XX, onde a MAFIA foi utilizada para
neutralizar os sindicatos norte-americanos ou para impedir o desenvolvimento de
negócios que não fossem controlados pela organização ou pelos interesses por
ela representados.
III - A linha
separadora do acto legal do ilegal é ténue, variável e de grande mobilidade. Se
observarmos os bandos de narcotráfico concluiremos que desempenham o mesmo tipo
de funções da MAFIA, embora mais especializados no narcotráfico, mas com menos
meios de infiltração e sem a autonomia financeira e respectivos mecanismos
financeiros. Os narco-operadores podem ser uma elite no Extremo-Oriente (com
fortes estruturas organizacionais) ou no Médio Oriente (através de complexas
redes de clãs), mas na América Latina ainda são, maioritariamente, lúmpen. No
entanto as suas actividades são exploradas da mesma forma, no plano das
dinâmicas externas.
Durante a guerra
na Indochina os USA utilizaram o narcotráfico em grande escala em todo a região
(chegando ao ponto de financiar operações militares e de inteligência, ou de
custear os serviços de informação local. A CIA utilizou habilmente os clãs do
ópio e introduziu-os nas cadeias de comercialização) e no mesmo período o governo
norte-americano aplicou esta experiencia ao nível interno, no combate aos
Panteras Negras.
O aprofundamento
da estratégia de utilização do narcotráfico ocorreu na Colômbia, principalmente
nas técnicas de combate ao movimento popular e á guerrilha no país. Um
relatório da Américas Watch, na década de 90, refere que o "Cartel de
Medellín" atacava sistematicamente sindicalistas, militantes de
organizações de esquerda e defensores dos Direitos Humanos. Por sua vez os
narcotraficantes converteram-se em latifundiários, partilhando os interesses
dos latifundiários tradicionais. Dessa aliança entre novos e velhos
latifundiários surgem os grupos paramilitares da extrema-direita colombiana,
ligados á oligarquia agrária e ao narcotráfico. A confluência de interesses dos
dois sectores permite um maior enriquecimento, diminuição de custos, aumento da
capacidade logística e expansão da quota de Poder.
A
"experiencia" colombiana é aproveitada no México e no Guatemala,
encontrando-se disponível a ser adaptada a qualquer ponto do globo. O
narcotráfico é, também, um factor da acumulação, que funciona como qualquer
outra actividade económica lucrativa e não apresenta (como aparenta) mais
violência que outros negócios aparentemente normais e legais (como o da banana,
também na Colômbia, composto por inúmeros episódios violentos. Por exemplo, em
1928, no Norte da Colômbia, foram assassinados mil e oitocentos trabalhadores
da United Fruits, que entraram em greve), como o petróleo, diamantes, ouro,
prata, agronegócio, etc..
Por fim, o
narcotráfico apresenta a vantagem de entrecruzar com a vertente financeira da
economia-mundo. Este entrecruzamento permite a lavagem dos activos e a
exportação ilegal de capitais, mas comporta também uma parcela importante da
"toxicidade financeira" em termos de produtos e serviços. A sua
relevância cada vez maior no sector financeiro pode ser observável em
particulares momentos de crise e de pânico institucional bancário. Aliás, em
2008, foi o capital do narcotráfico que manteve a fluidez do sistema financeiro
evitando o colapso do sistema bancário internacional...
IV - Um exemplo
actual do papel das lúmpen-elites nas dinâmicas externas é o Califado, ou
Estado Islâmico do Levante (ISIL). Observe-se os raids aéreos norte-americanos:
o "objectivo" dos USA é o de reduzir as actividades do ISIL,
asfixiando-o através da destruição dos fluxos logísticos e financeiros da
organização. O resultado é o oposto. O ISIL incrementou as suas actividades,
continuou a avançar no terreno e os recrutamentos continuam a aumentar,
engrossando a fileira de combatentes. O que efectivamente é destruído e
degradado com os bombardeamentos são as infraestruturas sírias.
James Comey,
director do FBI, afirmou, em meados de Setembro, no Congresso norte-americano,
que "o apoio ao Estado Islâmico aumentou após o início dos ataques aéreos
no Iraque" (Comey fez estas afirmações uma semana antes do inicio dos
ataques aéreos na Síria). Por sua vez o Observatório Sírio para os Direitos
Humanos (SOHR) - localizado em Birmingham, Reino Unido, apoiado e financiado
pela NATO - refere que foram recrutados pelo ISIL, no período entre o início
dos ataques aéreos na Síria (23 de Setembro) e início de Novembro, cerca de
6500 novos combatentes.
Os USA iniciaram
os ataques aéreos no Iraque a 8 de Agosto e na Síria a 23 de Setembro. Em ambos
os casos o ISIL beneficiou com a acção norte-americana. Na Síria os USA cumprem
o seu objectivo real: a desestabilização do país, através da destruição e
degradação das infraestruturas, sob o pretexto de estarem ocupadas, ou
eventualmente ocupadas, ou porque poderão vir a estar ocupadas, pelo ISIL.
Desta forma são destruídos campos de petróleo, refinarias, estradas e
instalações industriais, destruindo o Estado Sírio e desagregando o país. Por
detrás destas acções, aguardando pelos resultados, estão as grandes companhias
petrolíferas norte-americanas, britânicas e francesas, que pretendem controlar
os campos petrolíferos e as refinarias sírias, os monopólios da construção para
iniciarem a reconstrução e os grandes bancos internacionais, que irão controlar
as grandes massas de capital disponibilizadas para recompor os despojos.
Em
contrapartida, no Iraque, os ataques aéreos não afectam as infraestruturas nem
o aparelho produtivo. Aqui o problema é outro: os Curdos. As comunidades curdas
habitam sobre as grandes jazidas de gás e em áreas de importantes reservas
petrolíferas e minerais. São eles que assumem a vanguarda no combate ao ISIL,
obrigando a administração Obama e a NATO a uma encenação demonstrativa da sua
cumplicidade face ao ISIL.
Enquanto as
infraestruturas sírias são destruídas e as iraquianas (na posse dos monopólios
globalizadores) não sofrem um arranhão, o ISIL vende o seu petróleo na Turquia,
atravessando o produto pela fronteira, em camiões, o que torna ridículas as
simulações de Obama e da sua administração ao anunciarem que vão destruir os
oleodutos...sírios! Com uma produção estimada em 800 milhões de USD/ano, o
Califado continua a vender o petróleo na Turquia a um preço médio que oscila entre
os 25 e os 40 USD por barril. Mas a quem? Adivinhem...a embaixadora da UE no
Iraque, Jane Hybaskova, afirmou, no Parlamento Europeu, à Comissão Parlamentar
de Negócios Estrangeiros, que "alguns Estados da UE" adquirem
petróleo ao Califado. Quais? Se a embaixadora revelou a Comissão escondeu, se a
embaixadora não revelou, é um segredo diplomático bem guardado em Bagdade e que
apenas em Istambul poderá ser decifrado...
V - Nos últimos
tempos assistimos a uma vaga de notícias sobre a corrupção empresarial,
financeira e politica. É uma corrupção sempre presente, normalmente oculta, mas
visível (a visibilidade do icebergue) em períodos de crise (não devido á crise,
mas em função da sua gestão. Os mecanismos de mobilidade social são alterados,
assim como os processos de renovação das elites. Por outro lado é necessário
fazer operações de propaganda no seio das largas camadas das populações
afectadas pela crise - desempregados, trabalhadores, estudantes, pequenos
empresários, camponeses, intelectuais - de forma a acalma-las, controlá-las,
evitando graves explosões sociais, seja através da persuasão propagandística,
seja pela dissuasão "musculada"). Também as lutas internas entre as
facções das elites assumem uma particular relevância nos períodos de crise.
Estas
escaramuças podem provocar crises sectoriais e reflectirem-se no agravamento do
desequilíbrio institucional, ou das relações institucionais. A crise
(económica, financeira, social e politica mas, também, cultural) agrava os
casos de corrupção mas não os da "alta-corrupção", pois esses são um
mecanismo da acumulação (e da reprodução) de Capital, estão sempre presentes
(são omnipresentes), embora ocultos, no corpo social. O que aumenta com a crise
é a "baixa corrupção", a corrupção (activa ou passiva) das classes
médias, do funcionário publico, que arrasa com o funcionamento dos sistemas
institucionais e das culturas organizacionais (e que nas economias periféricas
é um processo de reprodução do domínio neocolonial).
O papel do Poder
Judicial assume nestes períodos de crise uma relevância particular, não porque
o Poder Judicial constitua a "arma derradeira" na luta contra a
corrupção, mas pelas formas que revestem a sua participação neste processo. Uma
característica da actuação da Justiça, nos últimos anos, é a forma aparatosa
como os casos em averiguação e investigação, ou os processos judiciais são
tratados, com a cúmplice cobertura dos órgãos de propaganda, camuflados de
comunicação social. Milhares de processos judiciais são abertos, milhares são
arquivados e muito poucos são condenados. Quanto á devolução dos valores que
foram roubados dos cofres do erário pública, zero, o nada absoluto...
VI - Tal como
acontece com o "combate ao terrorismo", que é aproveitado pelo Estado
(e por facções industriais e financeiros, o sector da "industria de
segurança"), para espezinhar direitos básicos, individuais e sociais
(construídos e/ou conquistados através dos séculos), também a corrupção segue
os desígnios da "tentação totalitária". No "combate ao
terrorismo" a "Super- Segurança" complementa os objectivos do
terrorismo e no "combate á corrupção" os "super- juízes"
criam o ambiente concentracionário das escutas telefónicas, das prisões
preventivas, da asfixia á privacidade, do fim do segredo bancário e tudo o que
implique a destruição do Individuo, para condicionar o conceito de Pessoa e
desvirtuar a Cidadania, substituindo o Homem pela massa, pela multidão anónima,
um sonho de todos os totalitarismos (á Direita e á Esquerda) e um pesadelo da
Humanidade.
O Justicialismo,
um mito ideológico das elites de togados, está para a Justiça, como o
neoliberalismo está para o mercado: desvirtua, desintegra e desagrega.
Desequilibra o frágil mecanismo institucional democrático da relação entre
poderes, para melhor chegar á visão apresentada pela banda desenhada do Juiz
Dread, que nos descreve um universo unidimensional e concentracionário, o
fascismo.
Super Segurança
implica Juízes Policias, para manter os orçamentos austeros. A imagem tenebrosa
e simultaneamente patética de uma Justiça atafulhada em rituais feudais (o
Meritíssimo, as togas, o martelo, o sentar e levantar á passagem do Juiz e
restante protocolo ritual praticado nos tribunais) e em artifícios burgueses
entrelaça-se com os mecanismos da acumulação (como a corrupção), infecta
o relacionamento institucional, vicia e falseia as estruturas
democráticas e impede o aprofundamento da democracia, destruindo a autonomia e
a participação cidadã, ao mesmo tempo que arruína o erário público através do
financiamento camuflado aos interesses privados, beneficiando os
"empresários do Estado", essa escória parasitária que vive dos
"negócios do partido", do complexo militar-policial ou das Parcerias
Publico Privadas...
VII - Não será
que ao vendarem os olhos da Justiça impediram-na de ver os quão desnivelados
estão os pratos da balança que transporta? Ou será que a cegueira da Justiça
não passa de uma técnica para apurar o olfato? Será esse um mecanismo de
apartheid social que condena os que apenas podem comprar água-de-colónia barata
(ou nada podem comprar, ficando com o odor da transpiração) e protege aqueles
cuja carteira recheada permite odores requintados? E como será nas vastas
regiões do globo em que o Poder Judicial é quase inexistente, ou apenas formal
e serviçal? Que cheiro emana daa elites, nesses países? O cheiro da morte, do
sangue derramado pelas vítimas e o odor da impunidade...
Paira uma espada
de Démocles sob a Humanidade: o Capital monopolizado. Mas que mão a segura?
Será a mão invisível? Não! A mão do Capital monopolizado é o Estado...e o que
resulta desta combinação? O Fascismo...
Fontes
Silva, R. Ética del capitalismo
globalizado http://www.rebelion.org
Zibechi, R. Narco, Burguesia y
Elites La Jornada, 14/11/2014
Reports from Underground US doesn't
want to stop ISIL http://www.lewrockwell.com
Richart, J. España: la corrupcion
estructural y el papel de la Justicia http://www.rebelion.org
Americas Watch La guerra contra las
drogas en Colombia A.W. , Bogotá, 1990
Krauthausen, C. y Sarmiento, F.L.
Cocaina & Co. Ed. Tercer Mundo, Bogotá, 1991