Global Research, The 4th Media, RINF,
Countercurrents e outros, qualquer página ou blog em que você esteja
lendo este artigo, será necessariamente veículo do que se chama “mídia
independente” ou “mídia alternativa”. Muitas dessas páginas não publicam
publicidade paga e vivem de doações de leitores. Muitos dos autores publicados nessas
páginas escrevem sem nenhuma ou com mínima remuneração.
Compare-se essa situação com a chamada “mídia-empresa
dominante”, quase sempre impressa ou de televisão, mas também por rádio.
A mídia-empresa dominante, com seus jornalistas pagos
(nem sempre bem pagos e muitas vezes miseravelmente mal pagos) e cuja
propriedade vai-se tornando cada vez mais concentrada, vive sob a direção, de
fato, dos anunciantes que a sustentam. Quase sempre pertence a empresários
privados, e os proprietários e acionistas têm declarado interesse em manter o
sistema econômico vigente, baseado na propriedade privada; e em construir o
consenso necessário para manter aquele sistema.
Além disso, esses veículos atualmente são cada dia
mais parte de conglomerados maiores, que podem incluir vários tipos de
indústrias – de armamento, de banking, etc. – e de interesses
financeiros e econômicos. Nessas circunstâncias já nem se pode sequer cogitar
de os veículos adotarem posição que prestigie mais o interesse do leitor/
radiouvinte/ telespectador, do que da própria organização na qual se insere a
dita mídia-empresa.
Ao longo dos últimos 15 anos, surgiram muitas páginas
noticiosas alternativas, que desafiam esses pressupostos da mídia-empresa
velha, e a ideia de que os cidadãos eleitores devam ser consumidores passivos
de uma agenda pré-fabricada de eventos. Há hoje dúzias de agências
distribuidoras de notícias que informam sobre longa lista de questões que a
velha mídia-empresa deliberadamente excluiu da pauta de notícias consideradas
‘importantes’ e sobre as quais ou nada se diz, ou só se ‘noticiam’ mentiras. E
criaram-se também, em todo o mundo, muitas páginas de pesquisa, com alcance
global, criadas especificamente para examinar os fatos em diferentes setores da
vida, para fiscalizar as práticas corporativas (por exemplo, GMWatch, Corporate Europe Observatory, Food & Water Watch, Campaign Against the Arms Trade,
etc.) e, assim, para expor, desmentir e contra-argumentar inúmeros campos da
ainda chamada “informação”, mas que hoje já não passa de publicidade
& marketing, quando não é pura propaganda a favor do capital e
dos ricos.
A existência de páginas independentes de informação,
já levou a União Europeia a manifestar preocupações sobre os “efeitos daninhos”
de as pessoas terem acesso a essas fontes de informação alternativa. A União
Europeia reclama que o consenso societal está sendo erodido, porque as pessoas
estão sendo “desviadas” por vozes dissidentes que se distribuem, sobretudo,
pela internet.
No relatório “A free and pluralistic media to sustain European democracy”
[Uma mídia livre e pluralista para dar
sustentação à democracia europeia], a UE alerta para o que considera o risco de
as pessoas, mal informadas ou submetidas a informação distorcida, estarem tendendo
cada vez mais ao radicalismo. E defende que a União Europeia ajude a financiar
um jornalismo “responsável”, que leve o ponto de vista da União Europeia a
todos os cidadãos, com regularidade e principalmente pela imprensa, e que
imponha controles sobre a internet. Para a União Europeia, isso se chamaria
“pluralismo”.
O que é “jornalismo responsável”?
Em seu artigo “A hora mais escura”,
ou “Como os norte-americanos perderam a própria humanidade”, de 13/1/2013,
Annie Day sugere que, como resultado dos muitos atos de invasão, intervenção,
desestabilização de outros países, golpes, bombardeios em massa e ação de seus
esquadrões da morte, os militares norte-americanos e a CIA tornaram-se
responsáveis por cerca de 10 milhões de mortos, desde 1945. Mesmo assim, a
mídia-empresa jamais se refere a essa tragédia como uma espécie de prática de
terrorismo em massa. Tendo já sequestrado cinicamente o próprio conceito de
“terror”, os EUA agora se dedicam a justificar a própria tirania sem fronteiras
discursando sobre uma “guerra ao terror”, sempre ricamente fotografada ou
televisionada. Esse é o serviço jamais questionado e não raras vezes muito elogiado
ao qual se dedica, em tempo integral a mídia-empresa dominante.
A Ucrânia é o mais recente exemplo de campanha de
terror apoiada pelos EUA, que a mídia-empresa absolutamente jamais questionou.
Com o mundo andando a passos rápidos na direção de uma guerra
nuclear, a mídia-empresa capitalista só faz repetir, como papagaio, a
mentira oficial produzida em Washington, segundo a qual a situação presente
seria consequência de uma “agressão russa”.
A isso se podem acrescentar aqueles 10 milhões mais
incontáveis mortos, cuja vida foi sacrificada no altar do lucro das empresas
que não confiam só nos militares para bombardear países e povos até que se
ajoelhem ante o que lhes ordenem IMF, World Bank and WTO. Quantas vidas foram ceifadas
em todo o mundo, por causa da violência estrutural, ou da silenciosa matança
diária, indispensável para manter operante o capitalismo de predação?
A apropriação ensandecida de toda a riqueza, mediante
um sistema que afunila de baixo para cima – o sistema de acumulação por roubo –
é celebrada pela mídia-empresa como se fosse crescimento, prosperidade e
liberdade de escolha, apesar de todas as provas do contrário que nos vêm de
Grécia, Espanha e outros países, de que a realidade, para a maior parte da
população tem sido salários que encolhem, pobreza galopante, nenhuma
possibilidade de escolher livremente coisa alguma e miséria.
Assim sendo, onde está(ria) o “jornalismo
responsável” que a União Europeia está convocando?
Estará, talvez, naqueles jornalistas profissionais
que operam a mídia-empresa, e que só fazem oferecer, como garantia de
respeitabilidade, o próprio profissionalismo, a transparência do próprio
trabalho, a própria objetividade, tudo sempre autoproclamado?
Se alguém aceitar que profissionalismo, transparência
e objetividade se demonstrariam na fidelidade ao patrão, nos números da folha
de pagamento (e respectivos “por fora”) e se concentrariam em proibir qualquer
arranhão, leve que seja, aos interesses dos anunciantes, do poder (onde esteja)
e do próprio patrão, então, sim: os jornalistas como os conhecemos são
exemplares a serem copiados, de perfeita responsabilidade social.
Repetindo suas futilidades e mentiras bem
remuneradas, até hoje nem jornais, nem jornalistas, nem redes de TV nem rádios
comerciais, jamais se expuseram a qualquer genuíno controle público. Cada vez
que dirigem seus talentos “investigativos” para “procedimentos parlamentares”,
personalidades, qualquer “política” e as insensatas maquinações dos partidos do
capital, esses jornais e jornalistas só servem para perpetuar o status
quo e manter o público na mais impenetrável ignorância de tudo que
tenha a ver com a militância do poder para se autopreservar e assegurar salvo
conduto para o que quer que façam o Big Petróleo, a Big Finança,
a Big Farma, o Big Agro-businesses e
o resto deles, graças ao trabalho de think-tanks e
universidades, além de iniciativas políticas pensadas para nos fazerem sangrar
até morrer.
Mas esse é o serviço da mídia-empresa: ajudar a
reforçar e a reproduzir as condições materiais de um sistema de divisão social,
operando todos os dias, 24h/24h. Há quem chame essa mídia-empresa de “mídia sem
dentes”, mídia serviçal do poder. É a mídia-empresa que se apresenta como se
fosse elemento vitalmente importante da “democracia liberal”.
Mas a verdade é que, nesse tipo de “democracia
liberal”, nenhuma mídia-empresa jamais expõe os malfeitos das elites
político–empresariais–acadêmicas: quem faz esse serviço é gente como Edward
Snowden ou Julian Assange; e, esses, são caçados como criminosos.
Foi George Orwell quem disse que jornalismo é
imprimir o que ninguém quer ver impresso; e que o resto é relações públicas. Na
mesma linha, o ex-chefe da CIA, general Petraeus, disse em 2006 que
sua estratégia era fazer uma guerra de percepções conduzida ininterruptamente pelas
empresas de noticiário, e John Pilger observa que o papel do jornalismo “respeitável” nos crimes de estado no
Ocidente – do Iraque ao Irã, do Afeganistão à Líbia – sempre foi e
continua a ser absoluto tabu: o papel desse jornalismo “respeitável” é dançar
como macaco de circo e distrair as massas, enquanto as empurra para guerras
ilegais.
Agências de inteligência garantem subserviência da
“mídia”
Claro que há alguns jornalistas bons, a serviço
também da mídia-empresa dominante. Mas você erra, se já resolveu que esse
artigo é apenas mais um ataque enviesado contra a “liberdade” da mídia-empresa
ainda dominante.
Muitos leitores alemães com certeza lembrarão a história recente do ex-editor do Frankfurter
Allgemeine Zeitung, um dos maiores jornais alemães, que confessou que
aceitava matérias redigidas e entregues a ele pela CIA, e que as
publicava como se fossem de sua autoria.
Para muitos, foi um choque. Mas não deveria chocar
mais ninguém; por exemplo na Grã-Bretanha, onde se sabe que a inteligência
britânica, associada à CIA, há décadas opera para assegurar-se de
que a mídia–empresa de veículos impressos e das redes de TV nunca entrassem em
rota de colisão com os interesses do establishment. Além disso,
para garantir que a esquerda britânica seria mantida sob fogo intenso e ininterrupto,
que seria subvertida, infiltrada e esterilizada, também a esquerda foi
“modelada” pelas agências de inteligência para só repetir como papagaio os
pontos de vista e os objetivos do establishment.
Como
isso foi feito está contado no artigo “The Psyops War: British Intelligence
and the Covert Propaganda Front and the CIA's Interference in British Politics”. Esse artigo revela a estreita
relação que sempre houve entre jornalistas seniores na Inglaterra e o MI5:
O MI5 escolhia
jornalistas que cobrissem questões trabalhistas nos dois jornais e redes de TV
e rádio, e desde os anos 80s; eram recrutados em levas, por seus contatos com
grande número de funcionários dos sindicatos e militantes e por se conhecerem
entre eles. Segundo Peter Wright, o MI5 sempre teve cerca de 20 jornalistas
seniores influentes trabalhando para eles na imprensa nacional. “Nós não os empregávamos
diretamente, mas os considerávamos como agentes, porque eles ficavam muito
felizes por trabalharem conosco”.
A BBC, como serviço nacional público de
divulgação de informações, recebia atenção especial:
Na BBC, o brigadeiro
Ronald Stonham fazia a ligação com o MI5 e o Ramo Especial, e aconselhava a
corporação sobre quem contratar e quem não contratar. Nomes de aspirantes a
empregos nos setores editoriais da BBC também eram sujeitos ao “veto” do MI5.
Daquele artigo depreende-se facilmente onde, na
avaliação das elites, os jornalistas deveriam aplicar sua “lealdade”:
Há momentos em que o
jornalista, depois de examinar todos os fatos e confirmar o que lhe digam suas
fontes, deve pôr-se ao lado do estado, da ordem estabelecida e do establishment como um todo.(Diretor
da Autoridade do Rádio).
A classe trabalhadora, sobretudo, tinha de saber
exatamente qual o seu lugar (Toxteth, no fragmento abaixo, é um distrito
urbano, usado ali como caso exemplar da agitação social que tomava conta de
várias cidades britânicas no início da década dos 80s):
Estamos num período de
considerável mudança social. Talvez haja agitação social, e nós podemos lidar
com os Toxteths (…). Mas se tivermos população bem educada e ociosa, podemos,
possivelmente, antecipar conflitos mais sérios. As pessoas têm de ser educadas
para, mais uma vez, saberem qual é o lugar delas. [De relatório secreto do Departamento
de Educação].
O artigo deixa bem claro quem o establishment britânico
vê como “o inimigo interno” e qual o papel que caberia à muito elogiada
“imprensa livre” (elogiada mais sempre pelo próprio pessoal que ganha dinheiro
dentro da dita “imprensa livre”).
Com a diminuição acentuada no número de leitores,
porém, a empresa de imprensa impressa parece já ter entrado em queda terminal.
O controle férreo que o establishment sempre teve sobre a
informação já começa a escapar-lhe e deslizamos todos para um quadro em que a
internet tornou-se o maior veículo para distribuição de informação.
A elite financeira–empresarial encastelada no estado
reinou por muito tempo sobre a mídia-empresa que sempre lhe foi subordinada.
Agora, a mesma elite dedica-se a uma estratégia de vigilância global massiva e a tentar capar a
liberdade da internet, em muitos casos propondo medidas de censura, sob o
pretexto de que assim se impediriam crimes de pedofilia (como se viu no Brasil e na
Inglaterra, por exemplo).
O objetivo daquelas elites é,
outra vez, estabelecer seu total controle também sobre a internet, e assim
reproduzir a “livre imprensa” que tão bons serviços sempre prestou ao establishment
financeiro–empresarial que se infiltrou no estado.
Sexta-feira, 10 de
abril de 2015
Traduzido pelo
pessoal da Vila Vudu
[*] Colin Todhunter é originário do Reino
Unido e passou muitos anos na Índia. Atualmente mantém residência em ambos os
países. Foi pesquisador de Política Social. Especializou-se também no estudo de
Mídias e na análise dos malefícios dos produtos transgênicos. Seus artigos tem
sido publicados em uma ampla gama de jornais e revistas. Publicou igualmente
dezenas de resenhas de livros em inúmeros sites de destaque.