O G7 Os BRICS |
Os BRICS têm o dever, têm a obrigação, de viver, de sobreviver. Cada país
que se queira juntar a eles terá de provar que existe exclusivamente para
servir ao próprio povo e, sempre, à nossa grande humanidade comum!
Há crescente perigo de que os BRICS – o clube das nações que se organizam
na vanguarda, nas trincheiras, para encarar o imperialismo ocidental global –
possam ser diluídos e enfraquecidos, caso alguns dos aliados ocidentais de
direita, como Indonésia e Turquia, venham a ser admitidos ao grupo.
BRICS são o Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, e o grupo foi
pensado originalmente como simples bloco econômico, mas, em anos recentes, os
ataques do ocidente contra países com sistemas político e econômico
independentes, empurraram a maioria das nações BRICS para uma poderosa aliança
política, talvez, mesmo, um abraço.
Exceto o notório aliado dos EUA e capitalista fundamentalista – a Índia –
todos os demais países membros estão-se posicionando desafiadoramente e
orgulhosamente contra a mais recente onda de massacre neocolonialista
ocidental. Podem até ter sistemas políticos e econômicos diversos, mas o
anti-imperialismo é o denominador comum essencial entre eles.
Eles todos, mais uma vez com exceção da Índia, estão sob severo ataque de
propaganda pela imprensa-empresa de massas ocidental.
Nos últimos poucos anos, China e Rússia estão sendo militarmente
cercadas, e sempre sob ataques de declarada provocação. A África do Sul é
demonizada e ridicularizada, enquanto a América Latina é alvo de incontáveis
ataques e furiosa interferência em seus assuntos internos: governos
progressistas em Honduras e no Paraguai foram derrubados, e inúmeros
“movimentos de oposição” têm sido persistentemente fabricados e financiados
pelo norte.
Mas o bloco, que abraça quase 40% da população do planeta continua a andar
à frente, criando a tão necessária diversidade e, vale sempre repetir, um mundo
bipolar.
Dia 15/7/2014, Pepe Escobar escreveu do Brasil, para Asia Times. Os presidentes dos países BRICS lá
estavam reunidos, incorporando na reunião outros países latino-americanos.
Definiram-se grandes planos e mais uma vez ficou bem claro o quão importantes
são China e Rússia para as nações progressistas da América Latina; o quanto
todos eles estão andando depressa uns em direção aos outros, politicamente,
estrategicamente e economicamente:
A notícia do dia é que a partir de hoje, 3ª-feira (15/7/2014), em
Fortaleza, nordeste do Brasil, o grupo dos BRICS, das potências emergentes
(Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul) começa a combater a (Des)Ordem
(neoliberal) Mundial, com um novo banco de desenvolvimento e um fundo de
reserva criado para contrabalançar crises financeiras.
Foi estrada longa e sinuosa desde Yekaterinburg em 2009, na primeira
reunião de cúpula do mesmo grupo, até o contragolpe longamente aguardado, dos
BRICS contra o Consenso de Bretton Woods – do FMI e do Banco Mundial – e do
Banco Asiático de Desenvolvimento [orig. Asian Development Bank
(ADB)] dominado pelo Japão, mas sempre respondendo às prioridades dos EUA.
São grandes tempos, sem dúvida alguma.
Narendra Modi, recém eleito Primeiro Ministro da Índia |
Onde fica a Índia ainda não está claro. Visitei recentemente o país, o
segundo mais populoso do mundo, e depois de muito viajar por lá,
intensivamente, cheguei à conclusão de que aquelas elites, os quadros militares
e religiosos que governam o que o ocidente chama cinicamente de “a maior
democracia do mundo”, vivem, com certeza absoluta, muito mais perto de
Washington e dos “boys da Escola de Economia de Chicago” do que de Moscou,
Brasília, Pretoria ou Pequim.
Aprendi também, sem dúvida possível, que a imensa maioria do povo indiano
é ensinada a nada saber dos desenvolvimentos na América Latina, China e Rússia,
e que absolutamente eles não têm influência alguma nos rumos do desenvolvimento
do próprio país.
Em breve distribuirei meu trabalho sobre a Índia no contexto dos BRICS,
mas posso dizer desde já que é óbvio que esse complexo país não é, não, de modo
algum, força motriz daquela aliança.
É também claro que esse novo, poderoso e importante (para a sobrevivência
da humanidade) bloco não precisa incluir em suas fileiras mais países
“clientes”, dos que o ocidente manobra à vontade. Por essa razão, o que mais
deseja o mundo corporativo e neocolonial, que muito trabalho para obtê-la, é a
“diluição” dos países BRICS e da determinação do grupo.
Há um grupo de candidatos letais, prontos a se unirem aos BRICS a
qualquer momento, com o único objetivo de torpedear o movimento. E há vários
pacotes de ampliação sob análise, desde uma “pequena ampliação”, com acréscimo
de Indonésia e Turquia, até pacote muito maior, com acréscimo de todo um grupo
chamado abreviadamente MINT –México, Indonésia, Nigéria e Turquia.
Se essa expansão acontecer, com certeza destruirá toda a direção política
na qual os BRICS estão andando. É expansão a ser evitada a qualquer custo.
Países MINT México - Indonésia - Nigéria – Turquia |
Esses países MINT vão, de países simplesmente à direita, até países
abertamente fascistas. Todos são declaradamente pró-ocidente; todos são
governados pelas elites e as populações têm mínima influência no destino de
seus países. O México é, desses, o mais razoável e mais benigno.
Sukarno (1901 – 1970) |
A Indonésia é o “mais mortal” deles, e não é simples país, mas todo um
conceito. Em 1965, o ocidente associou-se às muito corruptas elites indonésias,
quadros militares (“comandados” por Hadji Mohamed
Suharto) e religiosos, e derrubaram o presidente Sukarno,
progressista, criador do Movimento dos Não Alinhados.
Pelo menos um milhão de indonésios, comunistas, intelectuais, líderes
sindicais, professores e membros da minoria chinesa, foram assassinados, mas o
total de mortos pode ser muito maior, pode chegar a 3 milhões. Estupros
“punitivos” em massa, e a destruição da cultura indonésia aconteceram
simultaneamente. Queimaram-se livros. Praticamente tudo foi privatizado e
entregue para ser explorado por estrangeiros.
Seguiram-se dois brutais genocídios: um contra o povo de Timor Leste e
outro, ainda em andamento, contra Papua, que é tribal e vive na miséria, mas é
riquíssima em recursos naturais. No primeiro, um terço da população local foi
dizimada; no outro, em números calculados por grupos ocidentais de direitos
humanos, morreram, pelo menos, 120 mil pessoas. Muitos mais continuam a ser
mortos, no momento em que escrevo. Nada se discute, não há “conversações” nem
protestos contra o massacre.
Esse “conceito Indonésia” (mate indiscriminadamente, espalhe o medo,
paralise a nação inteira e, na sequência, deixe que o “setor privado” passe a
mão em tudo) tem sido, na sequência, implementado noutros países, com
diferentes graus de sucesso, inclusive no Chile (o pessoal de Allende ouviu
“avisos” repetidas vezes, antes do golpe de 1973: “Tomem cuidado,
camaradas, Jacarta vem aí!”); na Rússia de Ieltsin; na República
Democrática do Congo, só para citar alguns casos.
Suharto (1921 – 2008) |
A “mudança de regime” que derrubou Sukarno, e o “retorno à democracia”,
não passaram de manobra cosmética. O capitalismo mais selvagem já metera as
garras ali, e sobreviveu. Na Indonésia, virtualmente não resta absolutamente
nenhuma instituição pública. Não há praças públicas, não há instituições
culturais públicas nem serviço público de limpeza e esgotos. Se as estatísticas
internacionais prestam, sabe-se que mais da metade da população vive na
miséria. Criatividade, praticamente apagada: a quarta mais populosa nação da
Terra não tem nada a mostrar ao mundo, nenhum cientista, nenhum artista,
praticamente nenhum pesquisador ou pesquisa. A economia cresce, porque a
exploração é severa e ainda há restos de recursos naturais que ainda alcançam
bons preços no mercado global de commodities.
Dois candidatos disputaram o cargo voto a voto, nas recentes eleições
presidenciais: um general aposentado, acusado de ser criminoso de guerra, com
um bando de asseclas; e um populista, também com seu bando de asseclas militares
a apoiá-lo.
Com toda da imprensa-empresa local controlada por interesses
empresariais, e com virtualmente todos os partidos políticos a serviço de
oligarcas locais, “democracia”, por ali, é apenas uma palavra com a qual o
ocidente tenta encobrir todos os horrores passados e presentes de um de seus
mais brutais, mais grotescos, estados-clientes.
Deve-se mencionar também que nessa “democrática” Indonésia há leis que
proíbem o comunismo e o ateísmo; que reuniões organizadas para discutir a
reintrodução de um mínimo de serviços “públicos” são brutalmente interrompidas
por fanáticos religiosos e por gangues que servem aos interesses de grandes
empresas.
Fácil imaginar o impacto que todo o grupo sofreria, se a Indonésia viesse
a ser “convidada” para participar dos BRICS!
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Países MINT – localização geográfica |
Seria ingenuidade pensar que um país como a Indonésia seria aliado
natural, por exemplo, da América Latina, só porque está localizado no “Sul”, e
porque não é geograficamente próxima do Ocidente. O rumo do “desenvolvimento”
por ali e a mentalidade dos governantes é o exato oposto do que se vê que
Venezuela, Cuba, Bolívia, mas também Brasil ou China, defendem e, hoje, lutam
para conseguir.
Países como a Indonésia não ouvem o povo, mas só a sempre mesma elite
empresarial corrupta e seus patrões ocidentais.
A Turquia é melhor, em certo sentido, mas também está implementando um
sistema de capitalismo selvagem, e se deixa usar como principal aliado do
ocidente no Oriente Médio, com bases das Forças Aéreas britânica e
norte-americana, com “campos de refugiados” nos quais são treinados os
milicianos que lutam contra o governo do presidente Bashar al-Assad, da Síria.
A Turquia é importante membro da OTAN, e muitos “intelectuais da
oposição” por ali (inclusive muitos que se apresentam como de esquerda),
sobretudo em Istambul, ainda veem a participação do próprio país em alianças
ocidentais (e na própria União Europeia) como principal objetivo nacional.
A Nigéria é, em muitos sentidos, como a Indonésia: país que devora seus
próprios cidadãos. Parece não haver qualquer ideologia ali, só o mais cru
fundamentalismo de mercado, ego-trips das elites, fundamentalismo
religioso (e o Islã absolutamente não é a única religião de excessos), obsessão
por servir a interesses estrangeiros.
E, como na Indonésia, também na Nigéria há desprezo endêmico absoluto
contra os pobres – a ampla maioria da população.
Arthur Tewungwa, figura da oposição de esquerda, em Uganda, comentou a
situação na Nigéria, para esse artigo:
Há um verniz de competência, para mascarar práticas como se fossem de
negócios normais, mas só há a mais absoluta, completa corrupção. Se o atual
governo da Nigéria é pró-EUA? Pró-ocidente? É, sim. Muito! O atual ministro das
Finanças, por exemplo, foi alto executivo do Banco Mundial. Os BRICS que tomem
muito cuidado! Há muitos “quintas-colunas”!
Enrique Peña Nieto |
O México foi país revolucionário e ainda é nação de grande cultura e
coração enorme. Mas ainda não se vê que direção o país tomará, sob o governo de
um jovem presidente, do PRI, Enrique Peña Nieto. Mas, de todos os países MINT,
o México é o que tem o sistema social mais humano, e é certo que, se for
integrado aos BRICS, não se empenhará para afastar os demais países membros do
atual rumo que escolheram para sua política exterior.
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Os BRICS estão andando avante, e o que interessa é muito mais a qualidade
dos seus projetos que o número de membros. O grupo não é nem deverá
jamais funcionar como clube comercial, que tenta constituir ampla base de
membros e sócios.
Os BRICS desenvolveram-se, evoluíram, a partir de um grupo econômico, até
serem hoje o “clube” dos países líderes de um mundo verdadeiramente livre; e
sempre junto com seus grandes aliados – Cuba, Venezuela, Equador e Bolívia.
Como já se disse várias vezes: não são perfeitos, mas são o que temos, e
estão sempre tentando melhorar.
No grupo dos BRICS, não há lugar para países que se aliem às potências
colonialistas, como não há lugar para países que sacrificam o próprio povo. Por
hora, a sigla é só abreviatura dos nomes dos países-membros.
Em breve, sabe-se lá, talvez a mesma sigla possa ser interpretada como
Broad Revolutionary Internationalist Causeway towards Socialism [Larga Trilha
Internacionalista Revolucionária Rumo ao Socialismo].
Os BRICS têm de ser muito cuidadosos, muito seletivos, com quem convidam
e com quem acolhem em suas fileiras. Os países BRICS são a vanguarda do novo
mundo. E são o que o “Velho Mundo” (ou chamem de “regime mundial”) mais quer
destruir, a todo custo.
Os BRICS têm o dever, têm a obrigação, de viver, de sobreviver.
Cada país que se queira juntar a eles terá de provar que existe
exclusivamente para servir ao próprio povo e, sempre, à nossa grande humanidade
comum!
[*] Andre Vltchek é
romancista, cineasta e repórter. Cobriu guerras e conflitos em dúzias de
países. Seu livro sobre o imperialismo ocidental no Pacífico Sul, Oceania foi
publicado pela editora Lulu (VLTCHEK, André. Oceania, 2010. Sobre o livro, que
tem prefácio de Noam Chomsky, ver em: “Oceania by Andre Vltchek – Book Review by Jim Miles”). É
autor também deIndonesia – The Archipelago of Fear (Pluto), sobre a
Indonésia pós-Suharto e o modelo de livre mercado fundamentalista. Depois de
viver e trabalhar por muitos anos na América Latina e Oceania, Vltchek vive e
trabalha atualmente no Leste da Ásia e África. Pode ser encontrado por
sua página na
Internet.
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[*] Andre Vltchek, Counterpunch“Vanguard of the New World: Do Not Dilute BRICS!”Traduzido
pelo pessoal da Vila Vudu