Entreouvido no Beco da Xaxará na Vila Vudu: Uma coisa é certa: as eleições no
Brasil têm importância CRUCIAL em todo esse processo que aí se comenta. A prova
de que as eleições no Brasil têm importância crucial nesse processo que aí se
comenta é que absolutamente NINGUÉM FALA desse processo na imprensa-empresa
“especializada” (só rindo!) de Economia & Finanças, no Brasil.
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Por 70 anos, um dos pilares mais criticamente determinantes do poder
norte-americano tem sido a posição do dólar como mais importante moeda do
mundo. Nos últimos 40 anos, um dos pilares do primado do dólar tem sido o papel
dominante das notas verdes nos mercados internacionais de energia. Hoje, a
China está alavancando seu crescimento como potência econômica, e como o mais
importante mercado em desenvolvimento para exportadores de hidrocarboneto no
Golfo Persa e na ex-URSS, para circunscrever a dominação do dólar na energia
global – com ramificações potencialmente profundas para a posição estratégica
dos EUA.
Desde a IIª Guerra Mundial, a supremacia geopolítica dos EUA repousa não
só na força militar, mas também na posição do dólar como principal moeda de
negócios e de reserva do mundo. Economicamente, a primazia do dólar extrai
“senhoriagem” – a diferença entre o custo de imprimir dinheiro e seu valor – de
outros países e minimiza a taxa de risco cambial das empresas norte-americanas.
Mas sua real importância é estratégica: a primazia do dólar permite que os EUA
cubram seus déficits crônicos em conta corrente e fiscal, emitindo mais de sua
própria moeda – precisamente como Washington financiou a projeção de poder militar
por mais de meio século.
Desde os anos 1970s, um pilar da primazia do dólar tem sido o papel das
notas verdes como moeda dominante na qual se fazem os preços de petróleo e gás,
e na qual as vendas de hidrocarbonetos são faturadas e pagas. Isso ajuda a manter
alta a demanda mundial do dólar. Isso também alimenta a acumulação de
excedentes em dólares pelos produtores de energia, o que reforça a posição do
dólar como primeiro ativo de reserva do mundo, e que pode assim ser “reciclado”
na economia dos EUA para cobrir os déficits norte-americanos.
Muitos assumem que a proeminência do dólar nos mercados de energia deriva
de seu estado mais amplo como principal moeda de transações e de reserva do
mundo. Mas o papel do dólar nesses mercados não é natural, nem é função de sua
dominância mais ampla. Na verdade, foi concebido e construído por políticos
norte-americanos depois do colapso da ordem monetária de Bretton Woods no
início dos anos 1970s, o que pôs fim à versão inicial da primazia do dólar
(“hegemonia 1.0 do dólar”). Ligar o dólar ao mercado internacional de petróleo
foi chave para criar uma nova versão da primazia do dólar (“hegemonia 2.0 do
dólar”) – e, por extensão, para financiar mais 40 anos da hegemonia dos EUA.
Ouro e US dollar |
Ouro e hegemonia 1.0 do dólar
A primazia do dólar foi “sacramentada” pela primeira vez na conferência
de Bretton Woods de 1944, onde os aliados não comunistas dos EUA aceitaram a
proposição de Washington para uma ordem monetária internacional pós-guerra. A
delegação britânica – chefiada por Lord Keynes – e
virtualmente todos os demais países participantes, exceto os EUA, prefeririam
criam uma nova moeda multilateral através do nascente Fundo Monetário
Internacional (FMI) como principal fonte de liquidez global. Mas isso poria
abaixo as ambições norte-americanas, que queriam uma ordem monetária centrada
no dólar. Apesar de praticamente todos os participantes preferirem a opção
multilateral, o poder relativo vastamente superior dos EUA garantiu que, no
final, sua preferência predominasse. Assim, sob o padrão ouro de troca de
Bretton Woods, o dólar foi ligado ao ouro e as demais moedas foram ligadas ao
dólar, gerando a forma principal de liquidez internacional.
Havia, contudo, uma contradição fatal na visão baseada-em-dólar, de
Washington. O único modo pelo qual os EUA podiam distribuir dólares suficientes
para atender à liquidez em todo o mundo era manter déficits em conta corrente
sempre abertos. Com a Europa Ocidental e o Japão recuperados e reconquistando
competitividade, aqueles déficits cresceram. Lançado na própria sempre
crescente demanda por dólares nos EUA – para financiar o consumo crescente, a
expansão do estado de bem-estar e a projeção global do próprio poder – e a
oferta de dinheiro dos EUA rapidamente ultrapassou as reservas em ouro dos EUA.
A partir dos anos 1950s, Washington trabalhava para persuadir ou coagir
possuidores estrangeiros de dólares a não trocar as notas por ouro. Mas a
insolvência só poderia ser mantida semiocultado por pouco tempo: em agosto de
1971, o presidente Nixon suspendeu a convertibilidade dólar-ouro, pondo fim ao
fim ao padrão ouro de troca; em 1973, as taxas fixas também se foram.
Esses eventos levantaram questões de base sobre a firmeza, no longo
prazo, de uma ordem monetária baseada no dólar. Para preservar seu papel como
provedor chefe de liquidez internacional, os EUA teriam de continuar a manter
déficits em conta corrente. Mas esses déficits cresciam como balões, porque o
movimento de Washington de abandonar Bretton Woods entrecruzara-se com dois
outros importantíssimos desenvolvimentos: os EUA tornaram-se importadores
líquidos de petróleo no início dos anos 1970s; e o acesso ao controle do
mercado de energia por membros chaves da Organização de Países Exportadores de
Petróleo (OPEP) em 1973-1974 causou aumento de 500% nos preços do petróleo, o
que aumentou muito o estresse sobre a balança de pagamentos dos EUA. Com o elo
entre o dólar e o ouro já rompido e as taxas de câmbio já não fixas, a
prospectiva de déficits cada vez maiores nos EUA agravou as preocupações sobre
o valor de longo termo do dólar.
Essas preocupações tiveram especial ressonância para os principais
produtores de petróleo. O petróleo que ia para mercados internacionais recebia
preço em dólar, pelo menos desde os anos 1920s – mas, por décadas, a libra
esterlina foi usada pelo menos tão frequentemente quanto o dólar, para
pagamentos de compras internacionais de petróleo, mesmo depois de o dólar ter
substituído a libra como principal moeda de comércio e de reservas do mundo.
Desde que a libra andasse presa ao dólar, e o dólar fosse “bom como ouro”, era
processo economicamente viável. Mas depois que Washington abandonou a
convertibilidade dólar-ouro e o mundo mudou-se de taxas fixas de câmbio, para
taxas flutuantes, o regime de moeda para o comércio do petróleo estava muito
vulnerável. Com o fim da convertibilidade dólar-ouro, os maiores aliados dos
EUA no Golfo Persa – o Xá do Irã, o Kuwait e a Arábia Saudita – passaram a
apoiar uma mudança no sistema de preços da OPEP de preços denominados em
dólares, para passar a denominá-los numa cesta de moedas.
Nesse ambiente, vários dos aliados europeus dos EUA reviveram a ideia
(introduzida por Keynes em Bretton Woods) de prover liquidez internacional na
forma de uma moeda que o FMI lançaria e que seria governada multilateralmente –
os chamados “Special
Drawing Rights” [NT](SDRs).
Special Drawing Rights |
Depois que os preços do petróleo, sempre em ascensão, estrangularam suas
contas correntes, Arábia Saudita e outros aliados árabes dos EUA no Golfo
forçaram a OPEP para que começasse a faturar em SDRs. Também
endossaram propostas europeias para reciclar os excedentes em petrodólares
através do IMF, para encorajar que crescesse e emergisse como o principal
provedor de liquidez internacional pós-Bretton Woods. Significaria que
Washington não poderia continuar a imprimir quantos dólares bem entendesse para
apoiar consumo crescente, gastos públicos sempre crescentes e projeção global
constante de poder. Para impedir que isso acontecesse, políticos
norte-americanos tiveram de encontrar meios novos para incentivar
estrangeiros a continuar mantendo excedentes cada vez maiores do que, então, já
eram dólares impressos em ar.
Ouro e hegemonia 2.0 do dólar
Para tanto, os governos dos EUA a partir de meados da década dos 1970s,
conceberam duas estratégias. Uma foi maximizar a demanda por dólares como moeda
transacional. A outra foi inverter as restrições de Bretton Woods aos fluxos de
capitais transnacionais; com a liberalização financeira, os EUA puderam
alavancar o escopo e a profundidade de seus mercados de capital, e ele pôde
cobrir seus déficits crônicos de conta corrente e fiscal, atraindo capitais
estrangeiros a custo relativamente baixo. Criar laços fortes entre as vendas de
hidrocarbonetos e o dólar provou-se crítico nos dois fronts.
Para criar tais laços, Washington efetivamente extorquiu seus aliados
árabes do Golfo, condicionando silenciosamente as garantias dos EUA à segurança
deles à disposição deles para ajudar a financiar os EUA. Traindo promessas
feitas aos seus parceiros europeus e japoneses, o governo Ford empurrou
clandestinamente a Arábia Saudita e outros produtores árabes do Golfo a
reciclar partes substanciais de seus excedentes dos petrodólares dentro da
economia dos EUA através de intermediários privados (a maioria dos quais norte-americanos), não através do FMI. O
governo Ford também reforçou o apoio do Golfo às finanças apertadas de
Washington, em vários acordos secretos com Arábia Saudita e Emirados Árabes
Unidos, pelos quais os bancos centrais desses países compravam grandes volumes
de papéis do Tesouro dos EUA
fora dos processos de leilões normais.
Letra do Tesouro dos EUA... Valia OURO |
Esses procedimentos ajudaram Washington a impedir que o FMI suplantasse
os EUA como principal provedor de liquidez internacional; também deram impulso
inicial e crucialmente importante para inflar as ambições de Washington de
conseguir financiar os déficits dos EUA reciclando os excedentes de
estrangeiros em dólares, via o mercado privado de capital e em
vendas de papéis do governo dos EUA.
Poucos anos depois, o governo Carter concluiu mais um acordo secreto com
os sauditas, pelo qual, desta vez, Riad comprometia-se a exercer sua influência
para garantir que a OPEP
continuaria a precificar o petróleo, em dólares. O compromisso da OPEP com
o dólar como moeda de faturamento das vendas internacionais de petróleo foi
chave para que o dólar se implantasse ainda mais firmemente como moeda reinante
na compra e venda no mercado internacional de petróleo. Quando o sistema de
preços administrados pela OPEP entrou em colapso em meados dos anos 1980s, o
governo Reagan encorajou a universalização do faturamento em dólares para
vendas de petróleo transfronteiras em novos negócios de petróleo em Londres e New
York. A universalização quase absoluta na precificação do petróleo – e,
depois, também do gás – sempre em dólares, reforçou a possibilidade de as
vendas de hidrocarbonetos seriam não só denominadas em dólares, mas também
pagas em dólares – gerando crescente apoio mundial à demanda por dólares.
Em resumo, essas barganhas foram instrumentais para criar a “hegemonia
2.0 do dólar”. E foram mantidas, apesar de surtos periódicos de insatisfação do
Golfo Árabe contra a política dos EUA para o Oriente Médio; apesar, mais
fundamentalmente, do distanciamento entre os EUA e outros grandes produtores do
Golfo (o Iraque de Saddam Hussein e a República Islâmica do Irã); e de um
rompante de interesse pelo “petroeuro”, no início dos anos 2000s. Os sauditas,
especialmente, defenderam vigorosamente que o petróleo continuasse a ser precificado
exclusivamente em dólares.
Letra do Tesouro dos EUA, hoje... Vale o papel? |
Enquanto Arábia Saudita e outros grandes produtores de energia aceitam
agora em outras grandes moedas o pagamento pelo petróleo que exportam, a maior
fatia das vendas mundiais de petróleo continua a ser paga em dólares o que
perpetua o status do dólar como principal moeda mundial de negócios. Arábia
Saudita e outros produtores árabes do Golfo suplementaram o apoio que dão ao
nexo petróleo-dólar, fazendo grandes compras de armamento avançado dos EUA;
muitos também ancoraram suas respectivas moedas ao dólar – compromisso que
altos funcionários sauditas descrevem como “estratégico”. Em momento em que o
volume de dólares nas reservas globais já caiu, os árabes do Golfo a reciclar
seus petrodólares ajudam a manter o mesmo dólar ainda como principal moeda de
reserva.
O desafio chinês
Seja como for, história e cautela lógica ensinam que o que hoje é prática
geral não é lei gravada em pedra. Com a ascensão do PETROYUAN, já se constata
que, sim, há movimento na direção de um regime de moeda menos dólar-cêntrico nos
mercados internacionais de energia – com implicações potencialmente muito
sérias para a posição mais ampla do dólar.
A China já emergiu como ator principal no cenário da energia global, e já
embarcou numa extensiva campanha
para internacionalizar suamoeda. Fatia crescente do
comércio exterior da China já está sendo denominado e pago em renminbi;
e cresce o lançamento de instrumentos financeiros denominados em renminbi.
A China está conduzindo um processo distendido de liberalização da “conta-capital” essencial
para a plena internacionalização do renminbi , e está
permitindo mais flexibilidade na taxa de câmbio para o yuan. O
Banco do Povo da China [orig. People’s Bank of China (PBOC)] já tem
acordos de swap com mais de 30 outros bancos centrais – o que
significa que o renminbi já funciona efetivamente como uma
moeda de reserva.
PETROYUAN |
Os políticos chineses apreciam as “vantagens da liderança” [orig. “advantages
of incumbency” (NTs)] de que o dólar goza; o objetivo deles não é querenminbis tomem
o lugar dos dólares, mas posicionar o Yuan ao lado das verdes
como moeda de negócios e de reserva. Além dos benefícios econômicos (por
exemplo, reduzir os custos cambiais das empresas chinesas), Pequim quer – por
razões estratégicas – reduzir ainda mais o crescimento de suas gigantescas
reservas em dólar. A China está vendo a tendência crescente de os EUA excluírem
países do sistema financeiro dos EUA, como ferramenta de política exterior, e
não quer ver Washington tentar ganhar alavancagem por essa via; a
internacionalização do renminbi pode mitigar essa
vulnerabilidade. Mais amplamente, Pequim compreende a importância, para o poder
dos EUA, de o dólar ser dominante; contendo a dominância do dólar, a China pode
conter o excessivo unilateralismo dos EUA.
Há muito tempo a China já incorporou instrumentos financeiros aos seus
esforços para ganhar acesso a petróleo estrangeiro. Agora, Pequim quer que os
principais produtores de energia aceitem renminbi como moeda
de negócios – inclusive no pagamento das compras chinesas de petróleo – e que
incorporem o renminbi nas reservas de seus respectivos bancos
centrais. Há boas razões para que os produtores sejam receptivos à ideia.
A China é e assim continuará, em todo um vasto futuro que se pode
antever, o principal mercado em expansão para produtores de hidrocarbonetos no
Golfo Pérsico e na ex-URSS. Expectativas muito difundidas de que o Yuan se
valorizará no longo prazo tornam a ideia de acumular reservas em renminbiideia
“óbvia”, em termos de diversificação do portfólio. E com os EUA já vistos cada
vez mais frequentemente como potência em declínio relativo, a China é vista
como principal potência em ascensão. Até para os estados árabes do Golfo, que
há tanto tempo só confiam em Washington para lhes garantir a própria segurança,
os fatos já sugerem que seja imperativo, no campo estratégico, criar laços mais
próximos com Pequim. Para a Rússia, a deterioração das relações com os EUA
obrigam a gerar cooperação mais profunda com a China, contra EUA que ambas as
capitais, Moscou e Pequim, veem potência em declínio lento, mas sempre
hiperativa e dada a reações
desproporcionais.
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Por
muitos anos, a China pagou suas importações de petróleo iraniano com renminbi; em 2012, o Banco do Povo
da China e o Banco Central dos Emirados Árabes Unidos fizeram acordo
de swap de moeda no valor de US$ 5,5 bilhões, preparando o cenário
para que as importações chinesas de petróleo possam ser pagas a Abu Dahbi em renminbi
– importante expansão do uso do petroyuan no Golfo
Pérsico. O negócio
de gás entre China e Rússia, de US$ 400 bilhões, concluído esse ano,
incluiu cláusulas bem claras de que os russos aceitarão que os chineses paguem
em renminbi pelo gás que comprarem; se o acordo for
integralmente implementado, significará que orenminbi passa a ter
papel muito considerável nas transações internacionais de gás.
Olhando à frente, o uso do renminbi para pagar por
compras internacionais de petróleo e gás com certeza aumentará, o que fará
declinar mais rapidamente a influência dos EUA em regiões chaves da produção de
energia. Marginalmente, o mesmo processo irá tornando mais difícil para
Washington financiar o que China e outras potências emergentes veem como
políticas abertamente intervencionistas – perspectiva que a classe política nos
EUA ainda sequer começou a ponderar com seriedade.
[*] Flynt Leverett e Hillary
Mann Leverett são autores de Going to
Tehran: America Must Accept the Islamic Republic of Iran (New York: Metropolitan, 2013), que acaba
de sair em brochura, com novo pósfácio. Ambos
tiveram carreiras importantes no governo dos EUA, antes de abandonarem os
cargos que tinham no Conselho de Segurança Nacional, em março de 2003, por não
concordarem com a política para o Oriente Médio e a “guerra ao terror”. Hoje,
lecionam relações internacionais, ele na Penn State University, ela na American University.
POR CASTOR FILHO