Um Brasil que poucos conhecem
Agricultura familiar africana com jeito brasileiro
A cooperação para o desenvolvimento de uma economia
rural sustentável vem sendo a ponta de lança do apoio que o
Brasil leva à África, no âmbito de um ambicioso projeto de governo que mistura
influências geopolíticas, interesses comerciais e ajuda humanitária. Com a
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) presente no continente há
cerca de 10 anos, os projetos nas chamadas “áreas de risco” se multiplicaram.
© Embrapa
Enquanto a empresa pública –
considerada centro de excelência em praticamente todas as variantes do
agronegócio – empresta suas experiências a mais de 10 países, com Moçambique e
Mali à frente em termos de projetos mais abrangentes (ver box abaixo),
no Brasil vários profissionais se movimentam tentando também uma conexão
africana.
Independente, contudo, de que as
expectativas também visam a busca de oportunidades de trabalho – ou, como no
caso da Embrapa, a abertura de oportunidades comerciais para o Brasil em outros
campos – a verdade é que o espírito de solidariedade prevalece.
Mederson Janer, professor da
Universidade de Cuiabá (Mato Grosso) é um engenheiro agrônomo acostumado a
percorrer o Norte do Brasil, prestando assistência a agricultores familiares,
geralmente em situações de risco social, através de vários órgãos públicos. E
ele vê grandes semelhanças e possibilidades de ampliação da cooperação com as
nações africanas.
“Ainda que a diferença cultural seja enorme
e o desenvolvimento da África em geral esteja atrasadíssimo, o Brasil ainda
possui muitas comunidades em situação de vulnerabilidade e, com a rede de
assistência criada e as experiências vitoriosas conquistadas, podemos muito bem
atender as necessidades daqueles povos”, explica Janer, consultor de Ministério
do Desenvolvimento Agrário, entre outros órgãos.
Ainda que a Embrapa atue naquele
continente igualmente em atividades de capacitação técnica de baixa
complexidade, a rede de agentes que se espalha pelo Brasil através de outras
agências, esta mais próxima das necessidades básicas do cotidiano dos mais
simples homens do campo.
Glaucinei Brissow, por exemplo, é
especialista em “tecnologias sociais”. Engenheiro agrônomo, consultor do Sebrae
(serviço de apoio às micro e pequenas empresas) também do Mato Grosso, visita
rotineiramente várias pequenas cidades e comunidades rurais, várias das quais
de assentados dos programas de reforma agrária.
Ele ensina a montagem de sistemas de
irrigação simples para pequenas áreas; fabricação de repelentes naturais contra
moscas que infestam os animais e contra insetos que atacam as lavouras; iscas
para insetos e pequenos roedores que invadem as hortas; dispersores de
sementes; bebedouros para animais. Exemplos de uma lista de mais de 200
soluções práticas, de simples aplicação e de baixo custo, “ou custo quase
zero”, explica o jovem profissional.
“O importante é que usamos o que pode
ser encontrado na propriedade, desde plantas nativas até elementos mais
urbanos, mas que hoje são comuns em qualquer lugar, tais como pneus, garrafas
pets, canos e um sem número de materiais descartados”. E ele completa: “Como no
Brasil, onde cada região exige uma adaptação de acordo com os tipos de
problemas mais comuns e de acordo com o que podemos encontrar na natureza,
certamente podemos fazer o mesmo nos vários países da África”.
Brissow diz estar mantendo contatos com
a Direcção Nacional de Extensão Agrária, de Moçambique, e com a Direcção
Nacional de Engenharia Rural e Hidráulica Agrícola, de Angola, a fim de tentar
a sorte na África.
Apenas nas áreas que ele presta
assistência, no norte do Mato Grosso, vasta região de fronteira com o Amazonas,
na qual se misturam grandes latifúndios rurais em projetos de exportação decommodities,
florestas e terras indígenas, mais de 400 famílias (aproximadamente 1,6 mil
pessoas) se beneficiam destes projetos.
E são muito receptivas, pois reconhecem
que não possuem meios e recursos para aquisição de equipamentos modernos e
precisam se fixar na terra, a fim de sustentar suas famílias e não serem
obrigadas a vendê-las a qualquer preço por pressão dos fazendeiros, geralmente
voltando a viver à margem da sociedade.
Para Mederson Janer, o professor que se
diz “apaixonado” pelo trabalho de assistência aos povos carentes, e com “várias
malárias já contraídas de tanto rodar pelo Mato Grosso, Amazonas, Rondônia,
Acre e Amapá”, o importante é incentivar os governos africanos a procurar mais
cooperação com o Brasil.
“A Embrapa abriu as portas e tem um
trabalho excelente em várias direções, mas ela sozinha não pode tudo, tamanha
as carências e necessidades dos povos africanos”, finaliza.
Embrapa África: do
simples ao mais complexo
Moçambique, Mali, Chade, Burkina Fasso,
Quênia, República Democrática do Congo, Malawi, Burundi, Costa do Marfim, Cabo
Verde, Benin, Tanzânia, Senegal, Etiópia, Gabão, Eritréia, Guiné Bissau,
Marrocos, Sudão, Zimbábue. A Embrapa ou está em atividade constante, em
projetos estruturantes, ou esteve, em projetos de ciclo mais curtos.
Em vários deles, em cooperação com
outros organismos internacionais. A Agência de Cooperação Internacional do
Japão (Jica, da sigla em inglês) é um deles.
Apoio técnico, pesquisa de novos
cultivos, transferência de tecnologia, armazenagem e transporte, mecanização,
segurança alimentar, capacitação de técnicos, para ficarmos em alguns das
atividades. O leque é amplo.
Em Moçambique se encontra a presença
mais marcante da empresa pública brasileira. Entre os projetos, está o
Pró-Savana, no Corredor de Narcala, entre os paralelos 13 e 17, os mesmo nos
quais se concentra boa parte do Cerrado Brasileiro. Arroz, feijão, milho,
trigo, algodão e hortaliças são algumas das culturas que se pretende
desenvolver em uma região com quase 6 milhões de hectares, a partir de pesquisas
com sementes e plantas melhor adaptáveis.
Outro dos grandes projetos da Embrapa
África é no Mali, especialmente na área de algodão. O Projeto Cotton, já em
fase bastante avançada, já está sendo espalhado para outros países, a partir
das pesquisas em laboratórios e nos campos experimentais fixados naquele país.
por Giovanni Lorenzon 24.04.2013, 17:07, hora de Moscou