EUA: os donos do mundo
Igor Fuser |
Nem romanos nem britânicos. Nem persas nem egípcios. Nunca uma nação foi
tão poderosa quanto os Estados Unidos são hoje. Como e por que eles se tornaram
a maior potência de todos os tempos?
01/07/2006
Responda rápido: quem descobriu os Estados Unidos? Se você é como eu e
não sabe a resposta, não se acanhe. Os americanos também não. É que para eles,
diferentemente de nós, brasileiros, que marcamos o nascimento do Brasil na
chegada de Cabral, o evento fundador de sua nacionalidade é outro: a chegada do
advogado britânico John Winthrop a Massachusetts, em 1630. Adepto de uma seita
religiosa radical para a época, os puritanos, e descontente com o anglicanismo
– a religião oficial dos ingleses e do rei Carlos I –, Winthrop e as cerca de
700 pessoas que o acompanharam deixaram a Inglaterra para criar sua própria
sociedade, num lugar ainda intocado pelos vícios: a América. Winthrop e sua
turma adoravam a idéia de estarem chegando a uma espécie de Terra Prometida, a
ser regida pelas leis divinas e, portanto, predestinada a dar certo e a se
tornar um exemplo de virtude para o resto do mundo. Os Estados Unidos ainda
levariam 140 anos para nascer, mas a idéia do que é ser americano estava
lançada.
Para entender esses primeiros americanos, no entanto, é preciso lembrar
como era a Inglaterra e como era a vida por lá, no século 17. Sim, porque os
primeiros americanos eram britânicos e, portanto, súditos do maior império de
seu tempo.
Desde o século anterior, principalmente no reinado de Elizabeth I, os
ingleses vinham assumindo o posto de superpotência que pertencera à Espanha (e
do qual até Portugal já tirara uma casquinha). Ser uma potência, na época, era
ter navios. E a Inglaterra tinha uma grande, uma baita frota para levar seus produtos
o mais longe possível e trazer de lá matérias-primas baratinhas, quando não de
graça, para fazer mais produtos e levá-los ainda mais longe. Do ponto de vista
social, o vaivém de mercadorias havia criado nas cidades uma camada de homens
ricos, chamados burgueses, e uma grande massa de homens pobres, resultado do
êxodo rural. Winthrop fazia parte do primeiro grupo, bem como a imensa maioria
dos puritanos, que estavam preocupados com a elasticidade moral típica das
grandes cidades: ninguém mais ia à igreja, os políticos mandavam mais que os
religiosos e o dinheiro mandava ainda mais que os políticos. A colonização de
novas terras pareceu, então, uma boa idéia em todos os sentidos e, para
colocá-la em prática, a coroa inglesa chamou duas empresas: as companhias de
Londres e de Plymouth, que ficaram responsáveis por recrutar, armar e, mais
importante, financiar as viagens. É por isso que é comum dizer que a
colonização dos Estados Unidos foi feita pela iniciativa privada. Fato que se
tornou um dos pilares da civilização norte-americana, do qual eles se orgulham
tanto.
Esses seriam os fundadores dos Estados Unidos, mas é bom lembrar que eles
não eram os únicos a ocupar o território americano, no século 17. Ou seja, sua
Terra Prometida já tinha dono. Os primeiros a chegar lá foram os espanhóis, no
século 16. Mais preocupados em explorar as ilhas do Caribe e o ouro e a prata
do México, eles se aventuraram pela costa da atual Flórida, onde, quando não
estavam procurando a fonte da juventude ou sendo devorados por aligatores,
criaram meia dúzia de entrepostos comerciais. No século 17, porém, os espanhóis
já não podiam mais sustentar seus interesses imperiais na América e se
concentraram em administrar e explorar a Nova Espanha, ou México (região que
ia, além do México atual, ao Texas e à Califórnia). Havia ainda uma larga fatia
pertencente aos franceses, a chamada Louisiana, que ia do Mississípi à
fronteira com o Canadá. Além, é claro, dos índios que já estavam lá. Vinte e
cinco milhões deles.
Inimigo interno
A predominância dos colonos ingleses sobre seus vizinhos foi um longo
processo que incluiu negociações diplomáticas, algum dinheiro e muita, muita
porrada. Os primeiros a dançar, só para variar, foram os índios que ocupavam a
região litorânea onde os ingleses aportaram. Quem não fugiu morreu pela guerra
e, sobretudo, pelas doenças que os brancos espalhavam, muitas vezes, de
propósito. Em 1673, cercado no forte Pitt pelos guerreiros do chefe Pontiac, o
general inglês Jeffrey Amherst ordenou ao capitão Simon Ecuyer que enviasse aos
índios cobertores e lençóis. Mostra de boa bontade? Que nada: os cobertores
vinham direto da enfermaria, onde os soldados padeciam vítimas de uma epidemia
de sarampo. Em alguns dias, os ingleses estavam curados e os índios, milhares
deles, mortos.
O próprio John Winthrop, eleito o primeiro governador de Massachusetts,
tinha uma desculpa na ponta da língua para justificar a tomada das terras dos
índios. Ele as declarou “vácuo legal”. Os índios, dizia, não “subjugaram” a
terra e, portanto, possuíam apenas “direito natural” sobre ela, mas não
“direito civil”. E, como bom advogado que era, para ele um direito apenas
“natural” não tinha nenhum valor jurídico.
A oeste e norte dos assentamentos ingleses, colonos franceses ocupavam
regiões que, para populações dedicadas à caça e ao comércio de peles, eram de
grande importância econômica, como as terras banhadas pelos rios Ohio, Missouri
e Mississípi. As hostilidades eram constantes e, até a metade do século, em
pelo menos cinco ocasiões os vizinhos acabaram em guerra.
A animosidade entre os colonos na América era alimentada, ainda, pela
rivalidade entre Inglaterra e França na Europa, fato determinante nas relações
internacionais do século 18. Em pleno processo de desenvolvimento capitalista,
a burguesia inglesa via na França, onde a monarquia entrava em crise, um
obstáculo a sua expansão comercial, marítima e colonial. A rixa chegaria ao
ponto máximo entre 1756 e 1763, durante a Guerra dos Sete Anos, e teria impacto
decisivo sobre a vida na América. Após a guerra, com o pretexto de recuperar as
finanças do Estado, os ingleses, que já vinham adotando medidas mais rígidas em
relação ao monopólio sobre as colônias americanas (como as proibições da
fabricacão de aço, em 1750, e de tecido, em 1754), adotaram uma série de leis
para garantir as vendas (e os lucros e os impostos pagos pelos produtos de
empresas inglesas, particularmente o chá). A insatisfação nas colônias atingiu
o máximo quando os territórios da Lousiana, tomados da França, foram declarados
da coroa e os colonos, proibidos de pisar por lá. Uma senhora decepção,
principalmente para fazendeiros e criadores de gado do sul que esperavam ocupar
essas terras.
Em 1774, os americanos estavam cheios dos ingleses e para se livrar deles
foram tão, mas tão tipicamente americanos. Primeiro organizaram um boicote (um
bloqueio comercial) aos produtos da metrópole. Em seguida, formaram comitês
pró-independência que tinham duas funções: fazer propaganda antibritânica e
juntar armas e munições. No ano seguinte, a guerra começou e, em 1776, os
americanos declararam-se independentes. Para tanto, escreveram um documento
maravilhoso. A Declaração da Independência teve grande significado político não
só porque formalizou a independência das primeiras colônias na América, dando
origem à primeira nação livre do continente, mas porque trazia em seu bojo o
ideal de liberdade e de direito individual e o conceito de soberania popular,
representando uma síntese da mentalidade democrática e liberal da época.
Redigido por Thomas Jefferson, o texto, em seu trecho mais famoso, afirma:
“Todos os homens são criados iguais, dotados pelo Criador de certos direitos
inalienáveis, entre estes a vida, a liberdade e a procura da felicidade. A fim
de assegurar esses direitos, governos são instituídos entre os homens,
derivando seus justos poderes do consentimento dos governados. Sempre que
qualquer forma de governo se torne destrutiva de tais fins, cabe ao povo o
direito de alterá-la ou aboli-la e instituir novo governo, baseando-o em tais princípios
e organizando-lhe os poderes pela forma que lhe pareça mais conveniente para
realizar-lhe a segurança e a felicidade”. Isso, no fim do século 18, soou como
revolução. E era. Pela primeira vez na história uma colônia se tornava
independente por meio de uma revolução. Com essa iniciativa, os americanos se
anteciparam à Revolução Francesa e criaram o primeiro regime democrático do
planeta. E isso não era pouca coisa.
Mas os ingleses, é claro, não deram a menor bola para toda essa poesia e
enviaram tropas para tomar os principais portos e vias fluviais e isolar as
colônias. Liderados por George Washington, os americanos organizaram um
exército, formaram milícias populares e reagiram. Mas não lutaram sozinhos: a
França, eterna inimiga dos ingleses, entrou na guerra em 1778 e a Espanha, no
ano seguinte. Em 1781 as tropas coloniais e francesas derrotaram os ingleses na
decisiva Batalha de Yorktown e, em 1783, foi assinado o Tratado de Paris, no
qual a Inglaterra reconhecia a independência das 13 colônias.
Rumo oeste
Após a independência, os agora denominados Estados Unidos da América
ainda eram um paisinho nanico que se estendia verticalmente entre o Maine e a
Flórida e horizontalmente entre o Atlântico e o Mississípi. Mas isso estava
prestes a mudar. Alimentados ideologicamente pelo chamado “destino manifesto”,
que defendia a idéia de que os americanos teriam sido escolhidos por Deus para
a missão de ocupar as terras entre os oceanos Atlântico e Pacífico, os Estados
Unidos iniciaram um processo de expansão que se estenderia por mais de um
século e que, no final, lhes daria as fronteiras atuais e o posto de quarto
maior país do mundo. Primeiro eles foram às compras e, em 1803, adquiriram dos
franceses a Lousiana, por 15 milhões de dólares (ou 257 bilhões de dólares em
valores atualizados). Em seguida, em 1819, compraram a Flórida da Espanha por
apenas 5 milhões de dólares. O Oregon, na costa do Pacífico, cedido pela
Inglaterra em 1846, saiu de graça, e o Alasca, comprado da Rússia em 1867,
custou 7 milhões de dólares.
O novo país não parava de crescer e, enquanto a Europa era varrida pelas
guerras napoleônicas, os Estados Unidos tornavam-se a terra das oportunidades,
da liberdade e dos imigrantes. Atraídos pelo trabalho ou pelo ouro – descoberto
na Califórnia, em 1848 –, milhões deles chegavam da Inglaterra, Itália,
Irlanda, Espanha, Suécia, Polônia e Rússia, entre outros, no maior movimento
migratório internacional da história. A população do país saltou de 4 milhões,
em 1801, para 32 milhões em 1860.
No campo político, o expansionismo tinha um patrocinador de peso: o
presidente James Monroe, que governou entre 1817 e 1825 e foi autor da frase
“América para os americanos”. A idéia da chamada Doutrina Monroe era fazer
frente à onda recolonizadora que tomou conta da Europa, após a derrota de
Napoleão. Para o historiador americano Howard Zinn, a frase “deixou claro para
as nações imperialistas européias, como Inglaterra, Prússia e França, que os
Estados Unidos consideravam a América Latina como sua área de influência”. Na
prática, conforme os interesses territoriais dos Estados Unidos aumentaram, a
Doutrina Monroe ganharia outra definição, muito mais sarcástica: “América para
os norte-americanos”.
Dita com sarcasmo ou não, a Doutrina Monroe funcionou no caso da ocupação
dos territórios do México. Desde que se tornaram independentes da Espanha, em
1824, os mexicanos permitiram que os americanos ocupassem terras no norte do
país, exigindo em troca apenas a adoção do catolicismo nessas áreas. Envolvido
em constantes conflitos pelo poder e por ditaduras, os mexicanos nunca
consolidaram seu poder na região e, em 1845, os colonos americanos proclamaram
a independência do Texas em relação ao México, incorporando-o aos Estados
Unidos. Iniciava-se a Guerra do México. Em três anos, a ex-colônia espanhola
perdeu, além do Texas, o Novo México, a Califórnia, Utah, Nevada e partes do
Colorado e do Arizona. Ou seja, depois da guerra, cerca de metade das terras do
México incorporou-se aos Estados Unidos.
Restava a conquista das terras indígenas, conhecidas como Oeste Selvagem.
Quando os ingleses chegaram, havia mais de 25 milhões de índios na América do
Norte e cerca de 2 mil idiomas diferentes. Ao fim das chamadas “guerras
indígenas”, restavam 2 milhões, menos de 10% do total. Para o etnólogo
americano Ward Churchill, da Universidade do Colorado, esses três séculos de
extermínio e, particularmente, o ritmo com que isso ocorreu no século 19
caracterizaram-se “como um enorme genocídio, o mais prolongado que a humanidade
registra”.
Ao lado da expansão, veio a prosperidade econômica. Enquanto o norte
crescia com o comércio e a indústria cada vez mais sólida, o sul permanecia
agrícola e as novas terras do oeste eram tomadas pela pecuária e pela
mineração. Ao longo do século 19, essas diferenças se agravaram. “Os Estados
Unidos formavam um único país, mas esse país pensava, trabalhava e vivia
diferente, abrigando na realidade duas nações: o Norte-Nordeste, industrial e
abolicionista, de um lado, e o Sul-Sudeste, rural e escravista, de outro”, afirma
o historiador Phil Landon, da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos.
Segundo ele, a manutenção da escravidão no Sul, associada a outros elementos
também conflitantes, como questões alfandegárias, levaram, em 1860, as duas
metades à guerra civil, na qual morreram 620 mil americanos, ou 2% da
população.
Fronteira final
O Norte ganhou a guerra, os Estados permaneceram unidos e partiram na
direção do desenvolvimento, o que, na época, significava ir mundo afora
buscando consumidores para os produtos de sua indústria. O acesso ao Pacífico
deu às ambições americanas um caminho óbvio: a Ásia. E foi ali que os Estados
Unidos definiram as linhas mestras da sua influência internacional. Ao
contrário das potências coloniais européias, que ocupavam e mantinham o
controle político de suas colônias – caso da Inglaterra na Índia e da França na
Indochina, por exemplo –, a jovem nação americana não estava interessada em
exercer o domínio sobre outros povos. Cada país que cuidasse dos assuntos
internos à sua maneira, desde que os interesses comerciais americanos fossem
preservados. Essa estratégia levava o nome de “Portas Abertas”, ou seja, o
acesso dos produtos e dos capitais americanos a qualquer lugar do mundo.
Mas o fato é que nem sempre as portas se abriam apenas com a conversa dos
enviados de Washington. Nesses casos, era preciso um empurrãozinho. Foi o que
ocorreu com o Império Japonês, que ficou fechado, durante séculos, ao
intercâmbio com o exterior. Em 1852, depois de 15 anos de infrutíferos esforços
diplomáticos, a paciência americana acabou. Quatro navios de guerra, sob o
comando do comodoro Matthew Perry, posicionaram-se na baía de Tóquio e
apontaram seus canhões para a cidade. Um emissário foi à terra para negociar –
e ameaçar – as autoridades japonesas. Caso se recusassem a liberar os portos do
país ao comércio, seriam bombardeados. Os japoneses toparam. Acordo semelhante
foi firmado com a China, que estendeu aos americanos os privilégios concedidos
aos europeus.
No fim do século 19, o país já possuía a maior economia do planeta e uma
força naval só comparável à inglesa e à prussiana. O avanço das fronteiras
estava esgotado e todos os territórios, no leste e no oeste, colonizados. Uma
severa recessão econômica, iniciada em 1893, insuflou as tensões sociais até
então mantidas sob controle graças à permanente abertura de novas terras para a
exploração. Entre as elites econômicas, começou a prosperar a idéia de que a
única saída para a crise era a ampliação dos mercados no além-mar. Na mesma
época, um capitão da Marinha americana, Alfred Thayer Mahan, publicou seu livro
A Influência do Poder Marítimo na História. A obra, que teve entre seus
leitores mais entusiastas o futuro presidente Theodore Roosevelt, propunha a
instalação de bases navais americanas no Caribe e no Pacífico e a abertura de
uma ligação entre os oceanos pelo Panamá. Só assim seria possível sustentar o
avanço comercial dos americanos no Extremo Oriente, onde se concentrava a
competição entre as potências econômicas ocidentais. As idéias de Mahan
orientaram a decisão de anexar o Havaí, em 1897. Também influenciaram na
determinação de recorrer às armas para abiscoitar as possessões espanholas que
ainda restavam.
Fazer uma guerra contra a Espanha – e sua influência imperial – tinha
entre seus líderes, além de políticos ambiciosos como Ted Roosevelt, donos de
jornais, como William Randolph Hearst – o magnata da imprensa que inspirou o
filme Cidadão Kane, de Orson Welles. Era gente que achava que o “destino
manifesto”, ou seja, a predestinação americana para liderar os países rumo à
democracia, deveria ir além da América do Norte. “A Espanha, em plena
decadência, enfrentava rebeliões anticoloniais em Cuba e nas Filipinas, e os
partidários da guerra diziam que os Estados Unidos tinham o dever de ajudar os
rebeldes em luta pela liberdade”, diz a historiadora Sophia Rosenfeld, da
Universidade da Virgínia. O pretexto para a ação militar ocorreu depois da
explosão de um navio americano no porto de Havana, em 18 de fevereiro de 1898.
Os jornais americanos trataram o fato como um atentado arquitetado pela
Espanha. “Querendo evitar a guerra, os espanhóis chegaram a se desculpar, mas
hoje há praticamente um consenso entre os historiadores de que a explosão não
foi um ato de guerra, mas, provavelmente, acidental”, afirma Sophia.
Pressionado pela histeria belicista, em 25 de abril o presidente William
McKinley declarou guerra à Espanha.
A Espanha, totalmente despreparada, com equipamento antiquado, quase não
ofereceu resistência. Dos 200 mil espanhóis em Cuba, apenas 12 mil foram
mobilizados para defender Santiago, na maior batalha terrestre contra os
americanos. A Marinha americana arrasou os antigos navios espanhóis sem sofrer
qualquer baixa. Nas Filipinas, a situação não foi diferente. A principal
batalha naval foi travada na baía de Manila, no dia 1º de maio. Seis dos mais
modernos e bem armados navios de guerra americanos enfrentaram a esquadra
espanhola formada por sete navios. Três deles eram de madeira e um quarto
precisou ser rebocado até o local da batalha. Os canhões instalados em terra,
em Manila, não puderam ser usados, pois os comerciantes espanhóis impediram que
entrassem em combate temendo que isso provocasse disparos dos navios americanos
contra suas propriedades na orla.
Os espanhóis se renderam em menos de quatro meses, em 12 de agosto, e os
Estados Unidos emergiram, aos olhos do mundo, como uma verdadeira potência
imperial. Cuba, formalmente libertada do jugo colonial, passou a ser
administrada pelos americanos, que mantiveram os rebeldes locais à margem do
poder. Porto Rico se integrou aos Estados Unidos e as distantes ilhas Filipinas
foram anexadas, transformando-se na primeira colônia americana.
Os filipinos, frustrados por não obterem a independência, se rebelaram em
1899. Os Estados Unidos levaram três anos para esmagar a insurreição, numa
campanha em que mobilizaram 120 mil soldados. Os combates provocaram a morte de
4 mil americanos e mais de 200 mil filipinos, na maioria civis, vítimas dos
bombardeios indiscriminados e da fome, causada pela destruição das lavouras.
Foi a primeira vez que os americanos enfrentaram um povo em luta pela
libertação nacional.
Poder global
A vitória na Guerra Hispano-Americana garantiu aos americanos o controle
do Caribe e da América Central. Na gestão de Ted Roosevelt, iniciada em 1901, o
país instalou um regime de tutela política e financeira sobre a região e
despachou tropas para o México, Nicarágua, Haiti e outros países, a pretexto de
ensiná-los a “eleger os homens certos”, como diziam as propagandas americanas da
época, para os postos de governo. A velha Doutrina Monroe, de 1823, ganhou
finalmente vigência plena. Em 1904, o Congresso americano adotou como política
oficial o direito de intervir nos países latino-americanos que se mostrassem
incapazes de garantir a ordem interna ou de honrar suas dívidas com os bancos
estrangeiros. Roosevelt escreveu textualmente na sua mensagem ao Congresso, por
ocasião de sua posse, que os Estados Unidos, “embora relutantes”, estavam
prontos a “exercer seu papel de polícia internacional” na América Latina nos
casos em que se verificasse “a crônica incapacidade” (dos governantes locais)
ou “a impotência que resulte no enfraquecimento dos laços da sociedade
civilizada”.
Os Estados Unidos entraram na Primeira Guerra Mundial, em 1917, como a
única potência hegemônica em seu próprio hemisfério, e saíram dela ainda mais
fortes, como a maior força militar do planeta – afinal, foi o Tio Sam quem
desempatou o jogo nas trincheiras da Europa, selando a derrota dos impérios
alemão, austro-húngaro e turco-otomano. Começava a investida americana pela
supremacia global que, no mundo abalado pela recessão do período entre-guerras,
pela ascensão das ideologias fascistas e, por fim, pela Segunda Guerra, só se
confirmaria nas cinzas de Hiroshima, quando os Estados Unidos deram uma mostra
– talvez a maior de todas – de seu poder e determinação militar. “Depois da
guerra e diante da destruição sofrida pelos eventuais competidores, os
americanos passaram a dominar a maior parte do globo”, diz o historiador Amadeo
Giceri, da Universidade Estadual do Kansas. O vazio de poder em escala global e
o confronto com a União Soviética – um rival de segunda classe, restrito a seu
cinturão de segurança no Leste Europeu e irrelevante como potência econômica –
deram aos americanos a chance de alcançar a meta que perseguiam desde o século
19: usar seu poderio militar para abrir o mundo ao comércio e aos investimentos
das empresas americanas.
“Os Estados Unidos estenderam sua influência à Indochina e ao Oriente
Médio, diante da incapacidade de França e Inglaterra de preservar seus
interesses nas ex-colônias”, afirma Giceri. Para ele, a Guerra Fria contra os
soviéticos e a teoria da luta contra o “mal maior”, ou seja, o comunismo,
justificava a presença e a interferência americana nos assuntos internos dos
países espalhados pelo globo. Enfrentar o “mal maior” por vezes significou
patrocinar guerrilheiros e golpistas, como no Irã e na Guatemala, na década de
1950. O fim da União Soviética, em 1991, instalou confortável e definitivamente
os Estados Unidos no posto de única superpotência.
Ser ou não ser
Mas é justo, diante das guerras do Iraque e do Afeganistão, chamá-los de
“império”. Os americanos, de um modo geral, acham muito estranho, e até se
sentem ofendidos. Em 230 anos de independência, sucessivos ocupantes da Casa
Branca têm se esmerado em desmentir a intenção de dominar outras nações. O
primeiro foi McKinley, em 1898, que depois da guerra com a Espanha garantiu que
“nenhum desejo imperial se espreita na mente americana”. O último foi George W.
Bush em sua campanha à reeleição, que depois de invadir o Afeganistão disse que
“nosso país não busca a expansão do seu território, e sim a ampliação do campo
da liberdade”. Para o sociólogo americano Michael Mann, a hegemonia dos Estados
Unidos contém um paradoxo. Segundo ele, ao espalharem pelo mundo os valores
democráticos, os Estados Unidos reforçam a noção de que cada povo deve ser dono
do seu próprio nariz. “A ideologia do liberalismo e a disseminação do conceito
moderno de soberania nacional trariam embutidos os anticorpos contra qualquer
plano de dominação.” Ou seja, se os Estados Unidos são o problema, também são a
solução, pois, diferentemente de qualquer conquistador do passado, os
americanos, que carregam na bagagem o ideal da liberdade e da democracia, levam
junto os canhões e os capitais. Aí residem a força e a fraqueza do seu império.
Igor Fuser: “Eu nunca vi na Globo notícia positiva sobre a Venezuela”
Professor de Relações
Internacionais da UFABC
Uma aula de Venezuela e um pito
na Globo, em plena Globo