Leonardo Boff |
Para uma definição do terrorismo
As manifestações massivas de
junho/julho de 2013, em grande parte pacíficas e as outras havidas neste ano de
2014 que mostraram a atuação violenta dos black blocs que, mascarados, quebram
agências de bancos, vitrines de lojas e depredam edifícios públicos, atacam
violentamente policiais, culminando com a morte do cinegrafista Santiago
Andrade, suscitaram o tema do terrorismo.
É importante que se entenda que o
terrorismo não é um fenômeno da guerra, mas da política. O terrorismo irrompe
no seio de grupos insatisfeitos com os rumos da política do país ou da economia
e que já não acreditam nas instituições, nem no diálogo e muito menos em
mudanças sociais significativas. Pode até ocorrer que se opõem de tal maneira
ao sistema mundial e nacional vigente, o capitalismo neoliberal, que investem
contra seus símbolos, danificando-os. Ilusoriamente pensam que destruindo-os
atingem o coração do sistema. Esse não se muda pela violência pontual, mas por
um processo histórico-político, por mais prolongado que seja. Tais grupos vêm
carregados de ressentimento, de amargura e de raiva. Dão vasão a este estado de
ânimo através de ações destrutivas.
Paradigmático foi o atentado
terrorista de 11 de setembro de 2001 contra os Estados Unidos. Num lapso de uma
hora, os símbolos maiores da ordem capitalista no nível econômico as duas
Torres Gêmeas em Nova Iorque, no nível militar o Pentágono e no nível político
a Casa Branca (o avião destinado a ela foi derrubado antes) foram diretamente
golpeados.
A partir de então se instalou o
medo em todo o país. E o medo produz fantasmas que desestabilizam as pessoas e
a ordem vigente. Assim, por exemplo, um árabe, em Nova York, pede uma
informação a um policial e este o prende, imaginando ser um terrorista. Depois
se verifica ser um simples cidadão inocente. Com frequência o Governo
norte-americano, especialmente, sob o Presidente Bush, assustava a nação
inteira, anunciando a iminência de atentados. Embora não tenham acontecido até
agora, acabam alimentando a paranóia generalizada.
Esta fenomenologia mostra a
singularidade do terrorismo: a ocupação das mentes. Nas guerras e nas
guerrilhas como na Colômbia precisa-se ocupar o espaço físico para efetivamente
se impor. Assim foi no Afeganistão e no Iraque. No terror não. Basta ocupar as
mentes e ativar o imaginário através da ameaça de novos atentados e do medo que
então se internaliza nas pessoas e nas instituições.
Os norte-americanos ocuparam
fisicamente o Afeganistão dos talibãs e o Iraque de Saddan Hussein. Mas a Al
Qaeda que perpetrou os atentados, ocupou psicologicamente as mentes dos
norte-americanos. Fizeram dos EUA uma nação refém do medo, do Governo ao
simples cidadão.
A profecia do autor intelectual
dos atentados de 11 de setembro, o então ainda vivo Osama Bin Laden, feita no
dia 8 de outubro de 2001, infelizmente, se realizou: "Os EUA nunca mais
terão segurança, nunca mais terão paz”. Ocupar as mentes das pessoas, mantê-las
desestabilizadas emocionalmente, obrigá-las a desconfiar de qualquer gestou ou
de pessoas estranhas, eis o que o terrorismo almeja e nisso reside sua
essência.
Para alcançar seu objetivo de
dominação das mentes, o terrorismo segue a seguinte estratégia:
(1) os atos têm de ser
espetaculares, caso contrário, não causam comoção generalizada;
(2) os atos, apesar de odiados,
devem provocar admiração pela sagacidade empregada;
(3) os atos devem sugerir que
foram minuciosamente preparados;
(4) os atos devem ser imprevistos
para darem a impressão de serem incontroláveis;
(5) os atos devem ficar no
anonimato dos autores (usar máscaras) porque quanto mais suspeitos, maior o
medo;
(6) os atos devem provocar
permanente medo;
(7) os atos devem distorcer a
percepção da realidade: qualquer coisa diferente pode configurar o terror.
Basta ver alguém das comunidades pobres da periferia, ou os rolezinhos entrando
nos shoppings e já se projeta a imagem de um assaltante potencial.
Formalizemos uma compreensão sucinta
do terrorismo: é toda violência espetacular, praticada com o propósito de
ocupar as mentes com medo e pavor.
O importante não é a violência em
si, mas seu caráter espetacular, capaz de dominar as mentes de todos.
Um dos efeitos mais lamentáveis
do terrorismo foi ter suscitado o Estado terrorista como os EUA. Criou-se uma
legislação que fere os direitos humanos, impõe vigilância sobre toda a
população, criou o organismo de segurança nacional com altas verbas para sua
implantação em todo o pais, projetou a "guerra infinita” contra o
terrorismo em qualquer parte do mundo com a ameaça de utilização de qualquer
tipo de arma, não excluídas as armas nucleares. E organizou uma rede de
espionagem eletrônica global que tudo e a todos controla.
Está em debate no Ministério da
Justiça, nos órgãos de segurança do Estado e no Parlamento uma legislação
visando tipificar os atos destrutivos dos black bocs de terrorismo. Sem dúvida,
os atos obedecem à lógica terrorista, mas não significa ainda um terrorismo
articulado e organizado. Há o risco, já advertido pelo Ministro da Justiça
Eduardo Cardoso, de não instaurarmos o medo na sociedade que acaba inibindo as
manifestações populares, legítimas no regime democrático. O próprio povo com
medo acaba se retraindo e terá dificuldade em apoiar estas manifestações
legítimas.
Mais importante em saber quem
cometeu e comete atos de terrorismo é saber o porquê se recorre a ele. Ai a
importância do acompanhamento dos órgãos de informação, do diálogo aberto com
todos os estratos da sociedade, especialmente, com aqueles mais penalizados
pelo tipo de sociedade que temos, altamente desigual e discriminatória.
Difundir mais e mais a educação e infundir confiança, amor às pessoas e cuidado
de uns para com os outros como o disse, exemplarmente, a esposa do cinegrafista
Sebastião Andrade e o enfatizou recentemente a ministra Maria do Rosário da
Secretaria Nacional de Direitos Humanos num encontro na OAB do Rio a propósito
da Comissão da Verdade.
São caminhos de outro tipo de
estratégia política, certamente mais eficazes que a pura e simples repressão
policial que ataca os efeitos mas não atinge o coração do problema deste
terrorismo ainda inicial.