Organização francesa pretende defender a liberdade de imprensa, mas
esconde um agenda política muito precisa
Global Research, May 09, 2014
A organização francesa pretende apenas defender a liberdade de imprensa.
Na verdade, por trás da nobre fachada, se esconde um agenda política muito
precisa.
1. Fundada em 1985 por Robert Ménard, Jean-Claude Guillebaud e Rony
Brauman, a Repórteres sem Fronteiras tem como missão oficial “defender a
liberdade de imprensa no mundo, isto é, o direito de informar e ser informado,
conforme o artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos.”
2. Entretanto, apesar dessa profissão de fé oficial, a RSF tem uma face
obscura e uma agenda política muito precisa, ligada à de Washington, e arremete
particularmente contra os governos de esquerda da América Latina, preservando,
ao mesmo tempo, os países desenvolvidos.
3. Assim, a RSF tem sido financiada pelo governo dos Estados Unidos pela
National Endowment for Democracy (Fundação Nacional pela Democracia, a NED, por
sua sigla em inglês). A organização o reconhece: “Efetivamente, recebemos
dinheiro da NED. E não é nenhum problema para nós”.
Wikicommons
4. A NED foi criada pelo antigo presidente norte-americano Ronald Reagan
em 1983, em uma época na qual a violência militar tinha tomado a dianteira da
diplomacia tradicional nos assuntos internacionais. Graças à sua poderosa
capacidade de penetração financeira, a NED tem como objetivo debilitar os
governos que se oporiam à política externa de Washington.
[RSF nunca se pronunciou sobre o caso do jornalista Mumia Abu-Jamal,
que cumpre prisão perpétua nos EUA]
5. De acordo com o New York Times (em artigo de março de 1997) a NED “foi
criada há 15 anos para realizar publicamente o que a Central Intelligence
Agency (Agência Central de Inteligência, a CIA) tem feito sub-repticiamente
durante décadas. Gasta 30 milhões de dólares anuais para apoiar partidos
políticos, sindicatos, movimentos dissidentes e meios de comunicação de dezenas
de países.”
6. Em setembro de 1991, Allen Weinstein, pai da legislação que deu luz à
NED, expressou o seguinte ao Washington Post: “Muito do que fazemos hoje tem
sido feito clandestinamente pela CIA há 25 anos.”
7. Carl Gershman, primeiro presidente da NED, explicou a razão de ser da
fundação em junho de 1986: “Seria terrível para os grupos democráticos do mundo
inteiro serem vistos como subvencionados pela CIA. Vimos isso nos anos 60 e por
isso demos um fim nisso. É porque não poderíamos continuar que a fundação foi
criada.”
8. Assim, segundo o The New York Times, Allen Weinstein e Carl Gershman,
a RSF é financiada por um escritório de fachada da CIA.
9. A RSF também recebeu financiamento do Center for a Free Cuba (Centro
para uma Cuba Livre). O diretor da organização à época, Frank Calzón, foi anteriormente
um dos presidentes da Fundação Nacional Cubano-Americana (FNCA), gravemente
implicada no terrorismo contra Cuba, como foi revelado por um de seus antigos
diretores, José Antonio Llama.
10. A RSF recebeu fundos da Overbrook Foundation, entidade fundada
por Frank Altschul, promotor da Radio Free Europe, estação da CIA durante a
Guerra Fria, e colaborador próximo de William J. Donovan, chefe dos serviços
secretos estadunidenses nos anos 50 e fundador do Office of Strategic Services
(Agência de Serviços Estratégicos), predecessora da CIA.
11. No passado, a RSF se manteve em silêncio sobre as exações cometidas
pelo Exército dos Estados Unidos contra os jornalistas. Assim, a RSF somente de
lembrou tardiamente — cinco anos depois — do caso Sami Al-Haj, jornalista do
canal do Qatar Al-Jazeera, preso e torturado no Afeganistão por autoridades
norte-americanas e em seguida enviado para Guantánamo. Al-Haj foi libertado no
dia 1 de maio de 2008, depois de mais de seis anos de calvário. Ou seja, a RSF
precisou de uma investigação de 5 anos para descobrir que Al-Haj foi preso,
sequestrado e torturado apenas por ser jornalista.
12. Em um relatório de 15 de janeiro de 2004, a RSF exonerou de qualquer
envolvimento os militares norte-americanos responsáveis pelo assassinato do
jornalista espanhol José Couso e de seu colega ucraniano Taras Protsyuk no
hotel Palestina, em Bagdá. De acordo com a família de Couso, “as conclusões
desse relatório isentam de culpa os autores materiais e reconhecidos do disparo
contra o hotel Palestina baseando-se na duvidosa imparcialidade dos envolvidos
e do próprio testemunho dos autores e responsáveis pelo disparo, deslocando
essa responsabilidade para pessoas não identificadas. A realização desse
relatório foi assinada por um jornalista, Jean-Paul Mari, que tem conhecidas
relações com o coronel Philip de Camp, militar que reconheceu seu envolvimento
no ataque e nas mortes dos jornalistas do hotel Palestina e, além disso, seu
relatório se apoia no testemunho de três jornalistas das forças dos Estados
Unidos, todos eles norte-americanos, tendo alguns deles feito parte — Chris
Tomlinson — dos serviços de inteligência do Exército dos Estados Unidos durante
mais de sete anos. Nenhum dos jornalistas espanhóis que estavam no hotel foram
consultados para a elaboração desse documento”.
No dia 16 de janeiro de 2007, o
juiz madrilenho Santiago Pedraz emitiu uma ordem de prisão internacional contra
o sargento Shawn Gibson, o capitão Philip Wolford e o tenente-coronel Philip de
Camp, responsáveis pelos assassinatos de Couso e Protsyuk e absolvidos pela
RSF.
Sami Al-Haj, jornalista do canal do Qatar Al-Jazeera, preso e
torturado no Afeganistão:
http://youtu.be/_xU-J1SQEBU
13. A RSF fez apologia à invasão do Iraque em 2003 ao afirmar que “a
derrubada da ditadura de Saddam Hussein pôs fim a 30 anos de propaganda oficial
e abriu uma era de nova liberdade, cheia de esperanças e de incertezas, para os
jornalistas iraquianos. Para os meios de comunicação iraquianos, décadas de
privação total de liberdade de imprensa chegaram a seu fim com o bombardeio do
ministério de Comunicação, no dia 9 de abril em Bagdá.”
14. No dia 16 de agosto de 2007, durante o programa de rádio
“Contre-expertise”, Robert Ménard, então secretário-geral da RSF, legitimou o
uso da tortura.
Campanha contra Cuba organizada pelos RSF |
15. A RSF apoiou o golpe de Estado contra o presidente haitiano
Jean-Bertrand Aristide, que foi organizado pela França e pelos Estados Unidos,
com o matéria “A liberdade de imprensa recuperada: uma esperança a ser
mantida.”
16. Durante o golpe de Estado contra Hugo Chávez em abril de 2002,
organizado por Washington, a RSF publicou um artigo, no dia 12 de abril de
2002, que retomava sem reserva alguma a versão dos golpistas e tentava convencer
a opinião pública internacional de que Chávez tinha renunciado. “Recluso no
palácio presidencial, Hugo Chávez assinou sua renúncia durante a noite, sob
pressão do Exército. Depois foi levado para Fuerte Tiuna, a principal base
militar de Caracas, onde está detido. Imediatamente depois, Pedro Carmona, o
presidente da Fedecámaras (Federação de Câmaras e Associações de Comércio da
Venezuela), anunciou que dirigiria um novo governo de transição. Afirmou que
seu nome era fruto de um ‘consenso’ da sociedade civil venezuelana e dos
comandantes das forças armadas.”
17. A RSF sempre negou tomar nota do caso de Mumia Abu-Jamal, jornalista
negro preso nos Estados Unidos há 30 anos por denunciar em suas reportagens a
violência policial contra as minorias.
18. A RSF organiza regularmente campanhas contra Cuba, país onde nenhum
jornalista foi assassinado desde 1959. A organização está em estreita
colaboração com Washington a esse respeito. Dessa forma, em 1996, a RSF teve um
encontro em Paris com Stuart Eizenstat, embaixador especial da administração
Clinton para assuntos cubanos.
19. No dia 16 de janeiro de 2004, a RSF se reuniu com os representantes
da extrema-direita cubana da Flórida para estabelecer uma estratégia de luta
midiática contra o governo cubano.
20. A RSF lançou várias campanhas midiáticas difundindo mensagens
publicitárias nos meios de comunicação escritos, de rádio e de televisão,
destinadas a dissuadir os turistas de viajar para Cuba. É o que preconiza o
primeiro relatório da Comissão de Assistência para uma Cuba Livre, publicado
pelo presidente George W. Bush em maio de 2004 e que recrudesce as sanções
contra Cuba. Assim, esse relatório cita a RSF na página 20 como exemplo a ser
seguido.
21. A RSF afirma abertamente que somente lhe interessam os países
do Terceiro Mundo: “Decidimos denunciar os atentados contra a liberdade de
imprensa na Bósnia e no Gabão e as ambiguidades dos meios argelinos ou
tunisianos… mas não tomamos nota dos excessos franceses”. Por quê? “Porque se o
fazemos, corremos o risco de incomodar alguns jornalistas, suscitar a inimizade
dos grandes donos de imprensa e irritar o poder econômico. Agora veja, para nos
tornamos midiáticos, precisamos de cumplicidades dos jornalistas, do apoio dos
donos de imprensa e do dinheiro do poder econômico.”
22. Jean-Claude Guillebaud, co-fundador da RSF e primeiro presidente da
associação, abandonou a organização em 1993. Explicou as razões: “Eu pensava
que uma organização desse tipo poderia ser legítima se incluísse um trabalho de
crítica do funcionamento dos meios de comunicação ocidentais. Seja sobre os
desvios do trabalho jornalístico (falsas entrevistas etc.) ou fazendo um
trabalho profundo de reflexão sobra e evolução dessa profissão, suas práticas e
os possíveis ataques às liberdades nas democracias. Caso contrário, nos veriam
como neocolonialistas, como arrogantes que pretendem dar lições.
Quando se
chama a atenção dos líderes dos países do Terceiro Mundo sobre os ataques à
liberdade de imprensa em seus países, a questão que se levanta automaticamente
contra nós é saber que uso nós damos à nossa liberdade. Ainda que os objetivos
não sejam os mesmos, é uma questão essencial e eu achava que tínhamos de
dedicar a ela 50% do nosso tempo e de nossa energia (…). À medida que a
associação se desenvolvia, as operações se tornavam mais e mais espetaculares.
Foram levantadas duas questões: não havia uma contradição em denunciar certos
desvios do sistema midiático e usar os mesmos métodos nas nossas ações de
denúncia? Por sua vez, Robert Ménard achava que tinha de passar por cima de
toda a atividade crítica aos meios de comunicação para conseguir o apoio da
grande imprensa e das grandes cadeias de televisão (…). Para mim, pareciam
próximos demais da imprensa anti-Chávez na Venezuela. Não há dúvida de que era
necessário ser mais prudente. Eu acho que eles ouvem muito pouco sobre os
Estados Unidos.”
23. O diário francês Libération, fiel patrocinador da organização,
aponta que a RSF permanece em silêncio sobre os abusos dos meios de comunicação
ocidentais: “No futuro, a liberdade de imprensa será exótica ou não será.
Muitos “reprovam sua ira contra Cuba e contra a Venezuela e sua indulgência em
relação aos Estados Unidos, o que não é falso.”
24. A RSF nunca dissimulou suas relações com o mundo do poder. “Um dia
tivemos um problema de dinheiro. Eu liguei para o empresário François Pinault
pedindo que nos ajudasse (…). Ele respondeu meu pedido em seguida. E isso é a
única coisa que importa” porque “a lei da gravidade existe, queridos amigos. E
também a lei do dinheiro.”
25. Assim, apesar das reivindicações de imparcialidade e de defesa da
liberdade de imprensa, a RSF tem efetivamente uma agenda política e arremete
regularmente contra os países da nova América Latina.
Doutor em Estudos
Ibéricos e Latino-americanos, Salim Lamrani é
professor-titular da Universidade de la Reunión e jornalista, especialista nas
relações entre Cuba e Estados Unidos. Seu último livro se chama Cuba.
Les médias face au défi de l’impartialité, Paris, Editions Estrella, 2013,
com prólogo de Eduardo Galeano.
Contato: lamranisalim@yahoo.fr ; Salim.Lamrani@univ-reunion.fr
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