Enquanto o Presidente da Ucrânia, Petro
Poroshenko, acaba de propor um acordo com os líderes da República Popular de
Donbas, Andrew Korybko discorre sobre as razões para a revolta: não é
simplesmente uma questão de se recusar a reconhecer o governo do golpe de
estado em Kiev, mas uma tentativa de afastar um projeto oficial, que implica a
limpeza étnica das populações de língua russa.
Durante a Primeira
Guerra Mundial, o imperador da Áustria-Hungria aprisionou mais 20.000 rusyns e
lemkos [rusyns: refere-se a um grupo étnico moderno da Europa, conhecido também
como rutenos, cárpato-russos ou russianos; falam a língua rutena e descendem dos
russianos que, no século XIX, não se tornaram ucranianos; lemkos: refere-se a
um grupo étnico estreitamente relacionado aos rusyns - NT], principalmente
intelectuais, em Talerhoff. Não foi propriamente um campo de concentração, mas
um terreno baldio onde prisioneiros dormiam no chão em todos os tipos de
condições climáticas severas.
REDE VOLTAIRE
27 DE JUNHO DE 2014
por Andrew
Korybko
No aniversário do centenário dos indivíduos "russofílicos"
(rusyns) da moderna Ucrânia que foram enviados para campos de concentração, a
história parece estar a repetir-se mais uma vez. O Ministro da Defesa ucraniano
manifestou publicamente o seu plano para encurralar os cidadãos de Donbas em
campos especiais de "filtração", antes de forçosamente reinstalá-los
em diferentes partes da Ucrânia.
Alguns dias depois, o Primeiro-Ministro ucraniano Yatsenyuk declarou que
os pro-federalistas no Oriente eram "sub-humanos".
Fonte: Embaixada da Ucrânia, nos Estados Unidos, 15 de junho de 2014. |
Esta escolha de palavras não apenas não foi condenada pelos patronos
americana de Kiev, mas na verdade foi defendida pela porta-voz do Departamento
de Estado Jen Psaki, que estranhamente disse que Yatsenyuk "tem estado
consistentemente a apoiar uma resolução pacífica" [1].
Levantando preocupações ainda mais sérias de que uma limpeza completa está
sendo planejada, a agência de terras da Ucrânia disse que estará dando
"terra de graça", no leste, para os militares, pessoal do Ministério
do Interior e tropas dos Serviços Especiais que estão lutando contra os
federalistas [2].
Com a Ucrânia prestes a ter uma limpeza étnica e cultural em grande escala,
pode-se imaginar às custas de quem será dada essa Lebensraum [Lebensraum: palavra
alemã que significa espaço vital (tamanho físico) e populacional possuidor de
vastos recursos naturais necessários para que um Estado-nação possa ser uma
potência - NT] como "terra livre".
Pelo menos mil prisioneiros morreram durante seu confinamento no campo de Telerhoff, Áustria. |
A primeira vez que pessoas de uma suposta afiliação pró-russa foram
reunidas e enviadas a campos de concentração foi em 1914. Os austríacos
prenderam rutenos e lemkos em Thalerhof porque sua auto-identificação foi vista
como traição. Da mesma forma, a auto-identificação dos povos de Donbas está
também a ser vista agora como traição, pelo menos de acordo com o Ministro da
Defesa da Ucrânia, Mikhail Koval. Ele foi nomeado para sua posição após a
demissão do seu antecessor, após a reunificação da Rússia e da Criméia [3].
A declaração extrema de Koval sobre sua intenção para com o povo de Donbass
também valida prévias preocupações da Rússia, em março, elaboradas no Livro
Branco sobre as Violações dos Direitos Humanos na Ucrânia [4],
de que a Criméia estava enfrentando uma iminente crise humanitária antes da
reunificação. Se Criméia não tivesse se defendido e reunificado com a Rússia,
agora que os planos de ’resolução’ pós-crise do Ministério da Defesa ucraniano
se tornaram públicos, é muito provável que seus cidadãos já estariam presos em
um acampamento especial de "filtração" de alguns tipo e forçosamente
removidos de sua região de origem (se sobrevivessem à provação).
O que Koval propôs fazer aos cidadãos de Donbas é completamente ilegal
sob a lei internacional e caracterizado como crime contra a humanidade.
Deportação forçada e transferência de uma população, aprisionar sem outra razão
senão seu endereço, e, especificamente, alvejar um grupo étnico e cultural são
explicitamente proibidos conforme o artigo 7. º do Estatuto de Roma. Talvez
porque Yatsenyuk e outros em sua administração acreditem que os manifestantes
no leste são "sub-humanos", eles não sentem que "direitos
humanos" se aplicam a eles. Por conseguinte, esses "sub-humanos"
não terão direito à sua antiga propriedade também (devido a reinstalação
forçada); então, é provável que suas casas e negócios serão a "terra
livre" que Kiev prometeu a seus capangas militantes implantados no leste.
De acordo com o governo russo, centenas de milhares de ucranianos
buscaram asilo na Rússia desde o início da crise. Eles são hospedados por suas
famílias e amigos. No entanto, as autoridades ocidentais refutam esse número
porque eles não são agrupados em campos de refugiados.
Essa flagrante violação dos direitos humanos fundamentais é absolutamente
ignorada pelos governos ocidentais, que geralmente são os primeiros a
prematuramente denunciar qualquer violação suspeita dos direitos humanos e a
ameaçar de intervenção militar. Agora, vê-se que a retórica e os slogans da
Intervenção Humana/Responsabilidade de Proteger (HI/R2P - ’Human Intervention/Responsibility
to Protec’) são nada mais do que charadas para perseguir fins geopolíticos
ulteriores. Na verdade, ao contrário de suas estabelecidas
"credenciais" de HI/R2P, o Ocidente, particularmente os EUA, está na
verdade ajudando e é cúmplice com o regime de Kiev que planeja realizar a
limpeza [5].
Conselheiros militares, milhões em fundos e apoio da CIA e do FBI têm inundado
na Ucrânia desde o golpe de estado, e, mais do que provável, serão todos
dirigidos para o leste para reprimir violentamente os manifestantes
federalistas [6].
Desta forma, os EUA são diretamente cúmplices em todos e quaisquer crimes de
guerra que as forças convencionais ou mercenárias de Kiev realizem, até e
incluindo os planos de limpeza étnica e cultural de Koval. Assim, o povo de 6
milhões de Donbas depara-se com o mesmo tipo de catástrofe humanitária que
acreditava-se ter sido para sempre derrotado da Europa há quase 70 anos.
Tradução
Marisa Choguill
Marisa Choguill
Fonte
Oriental Review
Oriental Review
[1] « Daily Press Briefing », State Department, Jun 16, 2014.
[2] "Ukraine’s Land Agency give
land to soldiers in the east for free ", Interfax Ukraine, 16 juin 2014.
[3] « Ukraine fires defense minister
who lost Crimea to Russia», par Kathy Lally, The Washington Post, 25 mars 2014.
[4] "The White Book on Violations of Human Rights and the
Rule of Law in Ukraine ", Voltaire Network, 5 May 2014.
[5] "Russia’s investigators pledge to prosecute those guilty in
civilians’ deaths in Ukraine", Itar-Tass, 30 mai 2014.
[6] "Russia urges US to stop
involvement of mercenaries in conflict in Ukraine ", by
Natalia Kovalenko, The Voice of
Russia, June 6, 2014.