domingo, 29 de junho de 2014

Étnica e cultural de limpeza na Ucrânia


Enquanto o Presidente da Ucrânia, Petro Poroshenko, acaba de propor um acordo com os líderes da República Popular de Donbas, Andrew Korybko discorre sobre as razões para a revolta: não é simplesmente uma questão de se recusar a reconhecer o governo do golpe de estado em Kiev, mas uma tentativa de afastar um projeto oficial, que implica a limpeza étnica das populações de língua russa.
Durante a Primeira Guerra Mundial, o imperador da Áustria-Hungria aprisionou mais 20.000 rusyns e lemkos [rusyns: refere-se a um grupo étnico moderno da Europa, conhecido também como rutenos, cárpato-russos ou russianos; falam a língua rutena e descendem dos russianos que, no século XIX, não se tornaram ucranianos; lemkos: refere-se a um grupo étnico estreitamente relacionado aos rusyns - NT], principalmente intelectuais, em Talerhoff. Não foi propriamente um campo de concentração, mas um terreno baldio onde prisioneiros dormiam no chão em todos os tipos de condições climáticas severas.

REDE VOLTAIRE 
27 DE JUNHO DE 2014 
por Andrew Korybko

No aniversário do centenário dos indivíduos "russofílicos" (rusyns) da moderna Ucrânia que foram enviados para campos de concentração, a história parece estar a repetir-se mais uma vez. O Ministro da Defesa ucraniano manifestou publicamente o seu plano para encurralar os cidadãos de Donbas em campos especiais de "filtração", antes de forçosamente reinstalá-los em diferentes partes da Ucrânia.
Alguns dias depois, o Primeiro-Ministro ucraniano Yatsenyuk declarou que os pro-federalistas no Oriente eram "sub-humanos".
Fonte: Embaixada da Ucrânia, nos Estados Unidos, 15 de junho de 2014.


Esta escolha de palavras não apenas não foi condenada pelos patronos americana de Kiev, mas na verdade foi defendida pela porta-voz do Departamento de Estado Jen Psaki, que estranhamente disse que Yatsenyuk "tem estado consistentemente a apoiar uma resolução pacífica" [1]. Levantando preocupações ainda mais sérias de que uma limpeza completa está sendo planejada, a agência de terras da Ucrânia disse que estará dando "terra de graça", no leste, para os militares, pessoal do Ministério do Interior e tropas dos Serviços Especiais que estão lutando contra os federalistas [2]. Com a Ucrânia prestes a ter uma limpeza étnica e cultural em grande escala, pode-se imaginar às custas de quem será dada essa Lebensraum [Lebensraum: palavra alemã que significa espaço vital (tamanho físico) e populacional possuidor de vastos recursos naturais necessários para que um Estado-nação possa ser uma potência - NT] como "terra livre".
Pelo menos mil prisioneiros morreram durante seu confinamento no campo de Telerhoff, Áustria.

A primeira vez que pessoas de uma suposta afiliação pró-russa foram reunidas e enviadas a campos de concentração foi em 1914. Os austríacos prenderam rutenos e lemkos em Thalerhof porque sua auto-identificação foi vista como traição. Da mesma forma, a auto-identificação dos povos de Donbas está também a ser vista agora como traição, pelo menos de acordo com o Ministro da Defesa da Ucrânia, Mikhail Koval. Ele foi nomeado para sua posição após a demissão do seu antecessor, após a reunificação da Rússia e da Criméia [3]. A declaração extrema de Koval sobre sua intenção para com o povo de Donbass também valida prévias preocupações da Rússia, em março, elaboradas no Livro Branco sobre as Violações dos Direitos Humanos na Ucrânia [4], de que a Criméia estava enfrentando uma iminente crise humanitária antes da reunificação. Se Criméia não tivesse se defendido e reunificado com a Rússia, agora que os planos de ’resolução’ pós-crise do Ministério da Defesa ucraniano se tornaram públicos, é muito provável que seus cidadãos já estariam presos em um acampamento especial de "filtração" de alguns tipo e forçosamente removidos de sua região de origem (se sobrevivessem à provação).
O que Koval propôs fazer aos cidadãos de Donbas é completamente ilegal sob a lei internacional e caracterizado como crime contra a humanidade. Deportação forçada e transferência de uma população, aprisionar sem outra razão senão seu endereço, e, especificamente, alvejar um grupo étnico e cultural são explicitamente proibidos conforme o artigo 7. º do Estatuto de Roma. Talvez porque Yatsenyuk e outros em sua administração acreditem que os manifestantes no leste são "sub-humanos", eles não sentem que "direitos humanos" se aplicam a eles. Por conseguinte, esses "sub-humanos" não terão direito à sua antiga propriedade também (devido a reinstalação forçada); então, é provável que suas casas e negócios serão a "terra livre" que Kiev prometeu a seus capangas militantes implantados no leste.
De acordo com o governo russo, centenas de milhares de ucranianos buscaram asilo na Rússia desde o início da crise. Eles são hospedados por suas famílias e amigos. No entanto, as autoridades ocidentais refutam esse número porque eles não são agrupados em campos de refugiados.
Essa flagrante violação dos direitos humanos fundamentais é absolutamente ignorada pelos governos ocidentais, que geralmente são os primeiros a prematuramente denunciar qualquer violação suspeita dos direitos humanos e a ameaçar de intervenção militar. Agora, vê-se que a retórica e os slogans da Intervenção Humana/Responsabilidade de Proteger (HI/R2P - ’Human Intervention/Responsibility to Protec’) são nada mais do que charadas para perseguir fins geopolíticos ulteriores. Na verdade, ao contrário de suas estabelecidas "credenciais" de HI/R2P, o Ocidente, particularmente os EUA, está na verdade ajudando e é cúmplice com o regime de Kiev que planeja realizar a limpeza [5]. Conselheiros militares, milhões em fundos e apoio da CIA e do FBI têm inundado na Ucrânia desde o golpe de estado, e, mais do que provável, serão todos dirigidos para o leste para reprimir violentamente os manifestantes federalistas [6]. Desta forma, os EUA são diretamente cúmplices em todos e quaisquer crimes de guerra que as forças convencionais ou mercenárias de Kiev realizem, até e incluindo os planos de limpeza étnica e cultural de Koval. Assim, o povo de 6 milhões de Donbas depara-se com o mesmo tipo de catástrofe humanitária que acreditava-se ter sido para sempre derrotado da Europa há quase 70 anos.

Tradução
Marisa Choguill
[1] « Daily Press Briefing », State Department, Jun 16, 2014.
[3] « Ukraine fires defense minister who lost Crimea to Russia», par Kathy Lally, The Washington Post, 25 mars 2014.
[6] "Russia urges US to stop involvement of mercenaries in conflict in Ukraine ", by Natalia Kovalenko, The Voice of Russia, June 6, 2014.