Mais uma vez, o Brasil irá às urnas dividido entre os que avaliam e os
que não podem, não querem ou não sabem avaliar quanto o país atual melhorou em
relação ao de 2002. Em eleições anteriores, porém, essa divisão se deu entre
classes sociais, econômicas e regionais, mas, neste ano, há uma outra divisão,
a divisão geracional, que opõe jovens e maduros.
Os governos Lula e Dilma foram marcados por ampla rejeição da classe
média-média e média alta, freguesas de carteirinha dos grandes meios de
comunicação, do Jornal Nacional ou daquele indefectível exemplar da revista
Veja no consultório do dentista. Mas, do ano passado para cá, jovens de
diversas classes sociais se juntaram àquele contingente maduro e mais rico.
O ambiente essencialmente jovem das “jornadas de junho” promoveu uma
espécie de rave político-ideológica em que jovens da nova classe média (baixa,
da periferia) finalmente se encontraram com os mauricinhos e patricinhas das
classes médias tradicionais em manifestações gigantescas que acabaram se voltando
essencialmente contra o PT.
Note-se que, enquanto Dilma e o PT amargam até hoje os efeitos políticos
negativos das “jornadas de junho”, um Geraldo Alckmin, que pôs sua polícia para
“descer o cacete” na garotada hipnotizada, recuperou aprovação e musculatura
político-eleitoral inclusive entre aqueles que o tucano mandou seu aparato
repressor massacrar.
Como costuma ocorrer quando jovens se encontram em ambientes
descontraídos, o comportamento e as ideias se padronizam. Como Dilma e o PT se
tornaram o “grande satã” dos protestos que se abatem sobre o país desde meados
de 2013 enquanto que Alckmin e o PSDB foram alvo de uma pequena fração desses
protestos, os tucanos acabaram lucrando.
Ironicamente, porém, as manifestações que vêm ocorrendo no país – mas,
sobretudo, em São Paulo e no Rio de Janeiro – têm sido essencialmente de
esquerda. Aliás, de uma esquerda mais “autêntica”, presa a dogmas pré-queda do
Muro de Berlim que envolvem, entre outros, estatização do sistema bancário,
calote na dívida externa etc., etc., etc.
Um dos exemplos mais eloquentes desse fato é o professor da UFRJ Lauro
Luís Iasi, 54 anos, candidato a presidente peo Partido Comunista Brasileiro
(PCB) – não confundir com o PC do B, aliado do governo Dilma. Iasi deu entrevista recente
ao UOL defendendo os black blocs e pregando ideias condizentes com as da
extinta União Soviética.
A ironia, pois, reside em que quem ajudou a vitaminar politicamente um
conservador tão fidedigno quanto Alckmin foram partidos como PCB, PSOL e PSTU –
ou, se preferirem, como a esquerda que a direita ama de paixão, pois, ao longo
do século anterior e deste, prestou-lhe, e ainda lhe presta, inestimáveis
serviços ao colocar a população contra si promovendo ações como essas
manifestações que torturam a população ao privá-la do direito – e da
necessidade cotidiana e extrema – de ir e vir.
Seja como for, o fenômeno sob escrutínio é o novo antipetismo, o
antipetismo jovem e sem classe social definida do Sul e do Sudeste,
basicamente. Vamos a ele, pois.
Recentemente, este que escreve pôde verificar como a divisão política
entre jovens e maduros da “nova classe média” ocorre inclusive no seio das
famílias. Para tanto, vale o relato de um “causo” que não se “pretende prova
científica, mas que, por seu simbolismo, parece ilustrar perfeitamente o
fenômeno que se quer apontar neste texto.
No fim de maio, a segunda neta do autor desta página cumpriu seu primeiro
ano sobre a Terra e a festinha familiar em sua homenagem acabou ocorrendo no
salão de festas do prédio em que residem seus avós paternos. Devido ao
tabagismo do blogueiro, ele deixava a festinha seguidamente para ir aplacar o
vício na portaria e, assim, entabulou conversas com o porteiro e o zelador.
O assunto descambou para a política. Apesar de o autor deste texto saber
que na região em que vive (bairro de classe média de São Paulo) não é
recomendável um simpatizante do PT discutir tal assunto, havia desconfiança de
que os funcionários de condomínios e do comércio da região acabam se calando
sobre política para não confrontar patrões e clientes.
Até aí, nada demais. Como se sabe, o PT tem maior votação entre os mais
pobres. Porém, esse fenômeno se aprofundou entre as pessoas mais humildes e
maduras e diminuiu drasticamente entre as igualmente humildes, porém jovens. E
a conversa com o zelador e o porteiro sinalizou nesse sentido.
O porteiro é um cinquentão baiano e o zelador, da mesma faixa etária, é
pernambucano de nascimento, apesar de ter vindo para São Paulo muito jovem,
fugindo das agruras nordestinas de meados do século passado. Politicamente, não
querem nem ouvir falar de trocar o governo do PT pelo do PSDB. Relatam, entre
uma vinda e outra do blogueiro à portaria para fumar, como suas vidas
melhoraram depois que Lula virou presidente.
O zelador se deu bem sob Lula e Dilma. O salário subiu muito e, tendo
moradia de graça, sobrou-lhe dinheiro para investir no estudo do filho e em
carros. Há poucos meses, comprou uma camionete Ford EcoSport zero quilômetro.
Quanto ao filho, matriculou-o no caríssimo e tradicional colégio São Luís,
colégio católico de classe média alta incrustado na avenida Paulista.
Já o porteiro conseguiu comprar seu primeiro carro ao longo dos governos
petistas – um Gol 2010. Antes de Lula e Dilma, amargava três dias de ônibus
para ir visitar a família na Bahia anualmente; hoje, faz a viagem em poucas
horas. De avião.
Naquele dia, um sábado, fora trabalhar de carro para levar para casa a
tevê de 46 polegadas, com internet, que comprara nas Casas Bahia para ver a
Copa.
O porteiro, porém, em conversa sobre política reclama do filho. O rapaz,
de 19 anos, filho de um baiano que suportou toda sorte de privações quando veio
para São Paulo nos anos 1970 em busca de uma vida melhor, veste-se e fala como
os mauricinhos dos bairros nobres. Seu pai, inclusive, acha que ele tem
“vergonha” da profissão do homem que o criou a duras penas.
O filho do porteiro nutre um ódio visceral pelo PT e, particularmente,
por Dilma. Poucos dias antes da conversa política de seu pai com o blogueiro,
este encontrou o rapaz visitando o pai no trabalho, ou seja, na portaria do
prédio. Junto ao jovem estavam o próprio pai e porteiro, o síndico e uma
moradora do prédio – os dois últimos, de ascendência europeia.
A cena chocou. O filho pós-adolescente de um baiano pobre e negro, ele
mesmo igualmente pobre e negro, entoava com o síndico e a moradora do prédio um
virulento ataque à presidente da República e ao seu partido. Juntos, os três
ainda declararam voto em Aécio Neves na próxima eleição.
De volta ao dia da festinha de aniversário da neta do blogueiro, este
pergunta ao porteiro como é possível que seu filho queira votar no candidato da
classe social e da região do país que oprime e discrimina a sua classe social e
região desde que se conhece por gente.
O porteiro coça a cabeça. Diz que não fala de política com o filho para
“não se irritar”, sobretudo quando está no trabalho ouvindo a pregação
antipetista dos moradores do prédio, os quais ouve mudo como uma porta para
“não arrumar encrenca”, ou seja, para não colocar o próprio emprego em risco.
Mas apresentou sua teoria sobre o comportamento do filho.
O resultado da análise intuitiva do porteiro se coaduna com a de dez
entre dez analistas políticos: seu filho só conhece a realidade do país sob
Lula e Dilma. Quando Lula chegou ao poder, o rapaz tinha seis anos de idade.
Não tem memória do que era o Brasil quando o PSDB governava. Não sabe quanto o
pai sofreu até 2003, quando sua vida começou a melhorar.
O filho do porteiro está na universidade, via Prouni. Por conta de seu
nível cultural e educacional muito melhor do que o do pai, julga que este não
sabe nada sobre nada. Principalmente sobre política.
O filho do porteiro prefere ouvir a turma de amigos que estuda na USP,
universidade à qual não conseguiu acesso por conta da política do PSDB para
aquela instituição. Os “amigos” que cita, porém, não convivem com ele fora das
manifestações contra a Copa, que abraçou com fervor. Mas ter “amigos”
endinheirados que só vê nessas ocasiões parece tê-lo embriagado.
O filho do porteiro parece acreditar que pertence a um mundo distinto do
mundinho do pai, quem atravessou tantas noites insones em portarias para que o
filho pudesse um dia ingressar numa universidade, mas só após o apoio das
políticas públicas dos governos do PT para a educação universitária dos pobres.
Mas apesar da “vergonha” que o porteiro acha que o filho sente de si, orgulha-se
dele. Os olhos brilham quando fala do rapaz, que estuda Tecnologia da
Informação em uma universidade privada, sendo o primeiro universitário da
família. Contudo, o porteiro teme a volta do PSDB ao poder, pois acha que
destruiria seu sonho de ter um filho “doutor”.