Deixar de oferecer mais estímulos é um crime contra os trabalhadores
americanos
por Paul Krugman —
publicado 06/06/2014
Em cartacapital
Matt o’brien, um repórter do Washington Post, escreveu
recentemente um artigo interessante, embora deprimente, sobre o desemprego
prolongado nos Estados Unidos, defendendo a hipótese de que é basicamente uma
questão de má sorte: se alguém é demitido em uma economia ruim, tem dificuldade
para encontrar um novo emprego; e quanto mais tempo ficar desempregado, mais
difícil será encontrar trabalho.
Obviamente, concordo com essa análise – e acrescentaria que os resultados
de O’Brien refutam de modo mais ou menos decisivo a história alternativa, de os
desempregados em longo prazo (pessoas que estão sem emprego há seis meses ou
mais) serem trabalhadores com um problema.
Veja como essa história poderia funcionar. Suponha que os
trabalhadores tenham uma qualidade – algo como a capacidade de se manter no
emprego – não captada nas medidas de capacitação oficiais, mas que os
potenciais empregadores podem intuir. Os trabalhadores sem essa qualidade
inefável tenderiam a perder seus empregos e a ter dificuldade para conseguir
novos; a dificuldade dos desempregados em longo prazo na busca por empregos
refletiria sua inadequação pessoal.
Leia nas entrelinhas de muitos comentários sobre os desempregados –
especialmente de pessoas ávidas para cortar os benefícios – e você perceberá
que algo parecido é a teoria subjacente implícita.
Mas veja isto: a associação entre qualidade do trabalhador e desemprego
deveria ser muito mais forte em uma boa economia do que em uma ruim. Em 2000,
com a mão de obra escassa, provavelmente havia algo errado com muitas pessoas
demitidas; em 2009 foi apenas uma questão de estar no lugar errado. Então, se o
desemprego tivesse relação com características pessoais, estar desempregado
deveria ter importado menos na busca por emprego depois da Grande Recessão do
que antes. O que as pessoas experimentam na verdade é o oposto, é claro.
Em outras palavras, não é nada pessoal; é a economia, imbecil. E, como
indicou O’Brien, essa é outra razão pela qual deixar de oferecer mais estímulos
é um crime contra os trabalhadores americanos.
•
Quando o economista Alvin Hansen propôs pela primeira vez o conceito de
estagnação secular, ele enfatizou o papel do crescimento mais lento da
população na redução da demanda por investimentos. (Suas advertências
tornaram-se irrelevantes com o baby boom no pós-Guerra.)
As discussões modernas retomaram aquela ênfase: o encolhimento da
população em idade ativa no Japão parece ser uma importante causa de problemas
para o país, e o crescimento mais lento da população na Europa e nos Estados
Unidos é um indicador importante de que podemos estar entrando em um regime
semelhante.
Mas onde quer que eu levante essas teses as pessoas me perguntam por que
não considero boa essa desaceleração do crescimento populacional. Afinal,
significa menos pressões sobre os recursos, menos danos ambientais e assim por
diante.
É importante perceber que essa desaceleração realmente poderia, e
deveria, ser uma coisa boa – mas o que passa por política econômica sólida tem
grande probabilidade de transformar esse fato potencialmente bom em um grande problema.
Porque pelas atuais regras do jogo há um forte aspecto “bicicleta” em nossas
economias: se elas não avançarem suficientemente rápido, tendem a cair.
É um argumento bastante simples. Para ter emprego mais ou menos pleno,
uma economia precisa de gastos suficientes para utilizar seu potencial. Mas um
componente importante dos gastos, o investimento, é sujeito ao efeito
acelerador: a demanda por novo capital depende do índice de crescimento da
economia, mais que do nível atual de produção. Por isso, se o crescimento
desacelerar devido a uma queda no crescimento populacional, a demanda por
investimentos cai – potencialmente empurrando a economia para uma queda
semipermanente.
Alguém pode dizer que basta reduzir os juros o bastante para sustentar a
demanda por investimento, apesar da desaceleração populacional. O problema é
que a taxa de juros real necessária sobre ativos seguros pode ser negativa e,
portanto, só é alcançável se houver inflação suficiente – o que se choca com um
compromisso ideológico com a estabilidade de preços.
Esse é basicamente um problema técnico, e em um mundo melhor simplesmente
o enfrentaríamos e desfrutaríamos dos benefícios de um planeta menos populoso.
Neste mundo, porém, problemas técnicos podem de fato causar danos imensos, porque
muito poucas pessoas estão dispostas a pensar claramente sobre sua
natureza. Por isso nos preocupamos com a desaceleração do crescimento
populacional.
Paul Robin Krugman é um
economista norte-americano, ganhador do Nobel de Economia de 2008. Autor de
mais de 20 livros e professor de Princeton.