Por Mauro Santayana
Em 16/05/2014
(Jornal do Brasil) - A ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações,
licitou, há poucos dias, quatro grupos de direitos de exploração de satélites,
em espaços reservados para o Brasil em órbita terrestre.
Venceram a disouta a Hispamar Satélites, controlada pelo
Grupo semi-estatal espanhol Hispasat, que ficou com o primeiro
grupo de posições licitado, por 65 milhões de reais; a também europeia, de
Luxemburgo, SES-DHT, que ficou com o segundo e o terceiro grupos
licitados, por 33 e 26,8 milhões de reais; e a também europeia Eutelsat,
controlada majoritariamente pelo governo francês, que ficou com o quarto grupo,
por 28,35 milhões de reais.
Como esse espaço, mesmo, que fique algumas dezenas de quilômetros acima
de nossas cabeças, pertence à União, e, portanto, a todos os cidadãos
brasileiros, seria interessante, se pudéssemos saber:
Quais são os critérios usados pela ANATEL para a fixação de preço para
uma posição de satélite durante 15 anos, renovável por mais 15 anos?
Levou-se em consideração a cobertura, o número de transponders e
de canais que serão instalados no satélite?
Esses satélites poderão alcançar apenas o território brasileiro, ou
também outros países e regiões do mundo?
Que tipos de serviços serão prestados por meio desses satélites? Banda
Larga, telefonia, tv a cabo, outros?
Qual é o potencial de faturamento nos próximos 15, 30 anos, em princípio,
desses satélites, na prestação direta de serviços à população, e a empresas de
telecomunicações, internet, televisão, rádio, etc ?
Esse potencial foi calculado, com base, por exemplo, no faturamento atual
do mercado de comunicações brasileiro?
Nesse caso, por que não se estabeleceu um “aluguel” anual para o Estado
Brasileiro, por cada satélite, ou um percentual de retorno mínimo em cima do
faturamento mensal, ou anual, de cada satélite?
O mercado brasileiro de telecomunicações – criminosamente
desnacionalizado nos anos 90 - fatura mais de 200 bilhões de reais por ano, e
representa aproximadamente 54% do mercado latino-americano. Considerando-se, em
uma conta rápida, que isso dá mais de 500 milhões de reais por dia – em troca
de o país receber péssimos serviços e pagar, segundo a União Internacional de
Telecomunicações, das mais altas tarifas do mundo – a ANATEL licitou quatro
posições de satélites, cada uma com um tremendo potencial de venda de um amplo
leque de serviços, por menos da metade do que se fatura, em telecomunicações,
no Brasil, por dia.
Nesse caso, qual foi a contrapartida oferecida pelas empresas europeias à
indústria nacional, para vencer, por esse preço, essa licitação?
Os satélites que serão construídos e lançados a um custo de centenas de
milhões de dólares, terão algum conteúdo mínimo nacional? Qual é a vantagem que
nossos pesquisadores, e a indústria brasileira, terão nesse processo?
O Brasil já constrói satélites, como os CBERS, com 50% de conteúdo
nacional, e 50% de nossos parceiros chineses. Também dispomos de laboratórios,
como os do INPE, capazes de testar e certificar satélites estrangeiros, como
fazemos, por exemplo, para a Argentina.
No caso de não se ter feito nenhuma exigência nesse sentido, porque essa
questão, ou essa possibilidade, não foi contemplada no Edital de licitação da
ANATEL?
Afinal, trabalhar com tecnologia estrangeira, nem sempre é garantia de
ausência de problemas. Um satélite da própria Hispasat,o Amazonas
A4, lançado da Base Aérea de Kourou, na Guiana Francesa, no início do mês
de maio, está sem comunicação com a Terra, e pode ser que não venha a
funcionar.
Finalmente, considerando-se a importância estratégica da comunicação
orbital para qualquer país – mesmo que já se esteja projetando, por meio
da Visiona, o desenvolvimento de um satélite para uso militar – e
que as posições foram leiloadas por preço mais do que acessível, porque não se
reservou pelo menos uma delas para uma empresa de capital nacional, ou o BNDES,
por exemplo, não entrou, com a Telebrás, nesse processo?
Aqui, no Brasil falar em capital estatal na área de telecomunicações é
pecado, mas poucos sabem que a Hispasat, vencedora na licitação da
ANATEL, tem capital da La Caixa, instituição financeira controlada
pelo governo da Catalunha, por meio de fundos de pensão públicos, via ABERTIS,
e da SEDI – Sociedad Estatal de Participaciones Industriales,
e do CDTI – Centro para el DesarolloTecnológico e Industrial, que
pertencem ao Governo Espanhol.
O que ocorrerá, no futuro, se precisarmos de novas posições para a
instalação de satélites de comunicações nacionais e de defesa - nos próximos 30
anos, por exemplo? Teremos mais vagas, em órbita, além das que foram
“leiloadas” agora?
Finalmente, e mais importante: houve mesmo concorrência nessa licitação?
A Eutelsat, que ficou com o quarto direito de exploração
de satélite, por 28,35 milhões de reais, é o segundo maior acionista, com
33,69%, daHispasat, maior acionista da Hispamar, que ficou
com o primeiro direito de exploração licitado, por 65 milhões de reais. E a
ABERTIS, que é a maior acionista da Hispasat, com 57,5% das ações, também é o
segundo maior acionista da Eutelsat, com 8,4% das ações.
Foi permitido que os mesmos investidores concorressem a mais de um
grupo de direitos?
Esse tipo de participação cruzada é permitido nas licitações da ANATEL?
Em caso afirmativo, isso ajuda a concorrência, ou a atrapalha?
Isso não bastaria para anular a licitação?
Na década de 70, logo depois da viagem da Apolo 11, muita gente ficou
rica vendendo terrenos na Lua, para os incautos.
Precisamos saber se não estamos dando uma de bobos, entregando, da forma
como foi feito, nossos “slots” para comunicação via satélite, situados em
órbita.
Licitação nº 1/2014-SOR/SPR/CD - Anatel
O objetivo desta licitação é conferir até quatro Direitos de Exploração
de Satélite Brasileiro, conforme Edital nº 1/2014, publicado em 24 de março na página
da Anatel na internet.
O Aviso de Licitação nº 1/2014/SOR/SPR/CD-ANATEL também foi
publicado no dia 24, no Diário Oficial da União.
As Sessões Públicas de recebimento dos documentos de identificação, das
propostas de preço e da documentação de habilitação e de abertura, análise e julgamento
das propostas de preço ocorreram nos dias 29 de abril de 2014 e 6 de maio de
2014, respectivamente, no Miniauditório da Anatel, em Brasília.
A Comissão Especial de Licitação (CEL) destinada a conduzir os
procedimentos relativos à Licitação nº 1/2014/SOR/SPR/CD-Anatel para conferir
Direito de Exploração de Satélite Brasileiro foi criada por meio da Portaria n°
268.