“Poder e mídia não são apenas
relações amigáveis entre jornalistas e líderes políticos, entre editores e
presidentes. Não são apenas sobre as relações parasitárias e de osmose entre
repórteres supostamente honrados e o eixo do poder que existe entre a Casa
Branca, o Departamento de Estado e o Pentágono, a Downing Street e os
ministérios das Relações Exteriores e da Defesa [britânicos]. No contexto
Ocidental, a relação entre poder e mídia diz respeito a palavras — é sobre o
uso de palavras. É sobre semântica. É sobre o emprego de frases e suas origens.
E é sobre o mau uso da História e sobre nossa ignorância da História. Mais e
mais, hoje em dia, nós jornalistas nos tornamos prisioneiros da linguagem do
poder.”
Robert Fisk
para Oriente Mídia em 6 mai 2014
Por Natalia Forcat
Depois de enfrentamentos, iniciados após uma partida de futebol, grupos
favoráveis ao governo golpista de Kiev cercaram dezenas de manifestantes
contrários, que tinham se refugiado no prédio da Central Sindical, e provocaram
um incêndio criminoso usando coquetéis molotov. Os extremistas impediram a
saída das pessoas -espancando as que tentavam fugir- enquanto incendiavam as
dependências do sindicato como pode ser visto nos videos divulgados na internet
pelos próprios autores da chacina. O resultado foi de 46 pessoas assassinadas,
muitas das quais morreram sufocadas pela fumaça, outras queimadas e ainda houve
as que se atiraram ao vazio tentando fugir das chamas. Isto constitui, sem
sombras de dúvidas, um massacre. No entanto a mídia ocidental, que atua como um
mero canal de propaganda de EUA e da OTAN, sempre pronta para divulgar
justificativas para guerras e intervenções “humanitárias”, não viu este
massacre.
Com a clara intenção de diminuir o impacto do acontecimento, entrou em
cena a “linguagem do poder”, então em vez de ficarmos sabendo que 46
pessoas foram cercadas e queimadas vivas, foram usados artifícios como
“enfrentamentos deixam 46 mortos”, ou ainda “incêndio causa mortes”, sem entrar
em detalhes e ocultando ou camuflando a autoria do incêndio e tomando especial
cuidado para não personificar as vítimas.
Normalmente, quando a imprensa quer nos comover com algum massacre ou com
alguma tragédia natural da qual pretenda obter algum lucro político, as vítimas
são humanizadas: elas tem nome e uma história, os planos truncados da vítima
são apresentados detalhadamente para gerar empatia no público. Mas, em Odessa,
a imprensa transformou todas as vítimas em anônimos, pessoas sem rosto, sem
nome e sem história. Ninguém sabe no Ocidente, pelo menos não pela imprensa
corporativa, que o poeta ucraniano Vadim Negaturov morreu ao
pular do prédio da sede sindical em chamas. Ninguém sabe se ele tinha filhos,
ou se ele tinha sonhos. Também não seremos informados se ficou algum poema
inacabado.
O poeta Vadim Negaturov (em cirílico: ВАДИМ НЕГАТУРОВ) conhecido popularmente como “Katyn”. |
No artigo
de Neil Clark, traduzido e publicado pelo Oriente Mídia, o autor questiona
“por que o uso da força por parte das autoridades contra os manifestantes era
completamente inaceitável em
janeiro, mas é aceitável agora?”, Clark disse estar confuso com estas “contradições”. Nós,
também estamos. Por esse motivo consideramos que é imprescindível analisar como
a mídia corporativa está escolhendo as palavras para mascarar o massacre. Não
fizemos um levantamento sobre como a mídia brasileira veiculou a notícia, mas
traduzimos dois artigos com dados importantes sobre como vários grandes
veículos de imprensa internacional noticiaram o massacre de Odessa.
Fonte: RT
Apesar que as evidências confirmam que foram os manifestantes partidários
do Governo de Kiev os autores do incêndio fatal em Odessa, a mídia ocidental
continua divulgando informações ambíguas.
O Pravy Sector provocou intencionalmente o incêndio que aconteceu no
final da tarde de sexta-feira na Central Sindical, na cidade portuária de
Odessa, em que 46 pessoas morreram e mais de 200 ficaram feridas.
Os principais meios de comunicação ocidentais foram, no entanto, muito
cuidadosos ao informar sobre a tragédia e tentaram evitar culpar diretamente os
reais autores do incêndio mortal.
A cobertura de eventos dependia, quase exclusivamente, de declarações
feitas pelo Governo de Kiev, que culpou pela violência os ativistas em favor da
autonomia da região, bem como testemunhos dados por membros do grupo ultra
nacionalista Pravy Sector. Com base nesta informação, o público poderia
interpretar que o prédio pegou fogo sozinho, sugerem alguns jornalistas.
“Em algum momento, ainda não está claro como tudo isso começou
exatamente, havia aqui protestos pró-ucranianos e pró-russos. Aconteceram
enfrentamentos nas ruas que culminaram, ontem à noite, em um grande incêndio em
um edifício”, disse Sky News.
Enquanto isso, a Fox News informou que “o confronto
entre manifestantes nacionalistas e anti Kiev causou um incêndio que matou pelo
menos 31 pessoas”, sem especificar exatamente como os eventos aconteceram ou
como o incêndio começou.
No entanto, a retransmissão ao vivo, desde o local do acontecimento,
mostrou claramente como os radicais pró governo de Kiev atiravam coquetéis
molotov contra a Central Sindical, onde ativistas “anti Maidan” ficaram presos
por horas.
O jornal The Washington Post perguntou à ativista Kiev
Diana Berg quem estava por trás do lançamento de coquetéis molotov e ela
admitiu que era “nossa gente”.
Quando a tragédia aconteceu, o site da BBC simplesmente citou o
escritório regional do Ministério de Interior da Ucrânia. “… não deu detalhes
sobre como o fogo começou” disse o portal. “A sequência exata dos eventos ainda
não está clara”, acrescentou.
Este tipo de cobertura é consistente com a forma como vêem a situação as
autoridades norte-americanas e europeias, afirma o corresponsal de RT, Gayane
Chichakyan. Eles têm se posicionado claramente com as autoridades de Kiev e
estão dispostos a justificar e defender qualquer ação tomada por Kiev contra os
manifestantes, acrescenta.
Mídia hispana também esconde autores do incêndio
Com informações publicadas no site de notícias argentino Indymedia
As manchetes publicadas na mídia hispana sobre incêndio em Odesa evitam
mencionar os autores ou dizer quem foram as vítimas. Isso pode ter passado
despercebido por muitos, mas outros perguntam indignados: “O que estão tentando
nos vender?”
As imagens da transmissão ao vivo a partir de Odessa e o depoimento de
testemunhas e ativistas que apoiam o governo autoproclamado de Kiev confirmavam
que o incêndio na Casa dos Sindicatos, na cidade portuária de Odessa, em que
dezenas de pessoas morreram foi causado por manifestantes favoráveis à nova
administração.
No entanto, grande parte da imprensa espanhola (e especialmente a mídia
dominante) evitou mencionar em suas manchetes quem estava por trás do ataque e
quem foram as vítimas, mesmo sabendo isso. Embora a autoria dos crimes e quem
são as vítimas não apareça nas manchetes ou nos primeiros parágrafos de
inúmeros artigos, o fato é comentado mais tarde no texto como algo que estaria
“sendo verificado”, mas sem dar a importância em geral, e descumprindo os
padrões jornalísticos básicos.
Esta forma de apresentar as informações, muitas vezes ignora
completamente a clássica fórmula de ouro jornalismo conhecido como o ” Cinco W
‘ (e um H), referindo-se às seis perguntas que todas as notícias corretamente
escritas deveria responder, se as respostas são conhecidas: what, who, how, when, where e why? (o quê, quem, como, onde, quando e por quê?)
Jornal El País (Espanha)
Captura de tela de www.internacional.elpais.com
O início do artigo no site do El Pais, o jornal de maior circulação na
Espanha, fala que um surto de violência “arrasou um edifício em Odessa”,
deixando 36 mortos.
Apenas no segundo parágrafo da história, como se não fosse algo
particularmente importante como para encabeçar a “pirâmide invertida”
(estrutura de informação clássica em que os dados mais significativo são
colocados no início do texto) afirma que efetivamente eram “partidários de
Kiev”, que “colocaram fogo” na Casa dos Sindicatos.
(…)
(…)
ABC
Captura de tela de www.abc.es
Neste outro artigo de ‘ABC’, o leitor só conhece várias versões do que
pode ter ocorrido durante a leitura do terceiro e quarto parágrafo.
Em primeiro lugar é sugerido, citando um portal ucraniano, que os
manifestantes anti Kiev lançaram, desde o terraço da Casa dos Sindicatos, as
garrafas de gasolina que causaram o incêndio no mesmo prédio onde eles estavam.
Depois, inclui a versão do Kremlin, que responsabilizou as autoridades
ucranianas pela tragédia.
Infobae
Captura de tela de www.infobae.com
“Trinta e oito pessoas morreram, nesta sexta-feira no incêndio de um
edifício em Odessa (sul da Ucrânia), após confrontos entre partidários do
governo e ativistas pró-russos de Kiev”, publicado no site Infobae, o último 2
de maio, citando apenas o Ministério de Interior Ucraniano e sem mencionar quem
foram mortos ou quem acendeu o fogo no prédio.
CNN
No portal da CNN, a morte dessas 46 pessoas não pareceu importante o
suficiente como para dedicar um artigo inteiro. De fato, apenas duas frases,
perto do final das informações sobre a libertação dos observadores militares da
OSCE, dão evidência desta tragédia e de maneira superficial.
“Na cidade portuária de Odessa, no sul, os confrontos no prédio de um
sindicato provocaram um incêndio que matou 46, de acordo com um porta-voz das
autoridades locais”, foi relatado.