Rússia
e China fazem o Oleogasodutostão
Pepe Escobar, Tom Dispatch
Em esquerdopata
quarta-feira, 21 de maio de 2014
HONG
KONG – Um espectro ronda Washington, visão enervante, enlouquecedora, de uma
aliança sino-russa, casada numa simbiose de comércio e trocas em expansão que
cresce e se alastra pela massa continental de territórios da Eurásia – e à
custa dos EUA.
Não
surpreende que Washington esteja ansiosa. Em vários sentidos, aquela aliança já
é negócio fechado: através do grupo das potências emergentes BRICS (Brasil,
Rússia, Índia, China e África do Sul); na Organização de Cooperação de Xangai,
o contrapeso asiático à OTAN; dentro do G-20;[1] e
mediante o Movimento dos Países Não Alinhados [orig. Non-Aligned
Movement, NAM].[2] Comércio
e trocas são só uma parte da barganha futura. As sinergias no
desenvolvimento de novas tecnologias militares, idem. Depois que estiver
implantado o ultrassofisticado sistema russo de defesa antimísseis, padrão Star
Wars, S-500[3],
em 2018, não há dúvidas de que Pequim também quererá uma versão para ela.
Entrementes, a Rússia está a um passo de vender dúzias de jatos de combate
estado-da-arte Sukhoi Su-35[4] aos
chineses, com Pequim e Moscou andando a passos largos para selar uma parceria
no campo da indústria da aviação.
Essa
semana deve fazer ver os primeiros grandes fogos de artifício na celebração de
um novo século eurasiano que vai nascendo, quando o presidente Vladimir Putin
encontrar o presidente da China Xi Jinping, em Pequim.
Vocês
lembram bem do Oleogasodutostão[5] –
toda aquela malha de oleodutos e gasodutos que cruzam a Eurásia e são, de fato,
o verdadeiro sistema circulatório pelo qual caminha e do qual se alimenta a
própria vida naquela região. Agora, o negócio-mãe-de-todos-os-negócios do
Oleogasodutostão, no valor de 1 trilhão de dólares e em preparação há uma
década, será afinal posto em papel e tinta e assinado. Por esse negócio, a
gigante russa de energia, Gazprom, controlada pelo estado, se comprometerá a
fornecer[6] à
CNPC [China National Petroleum Corporation], estatal chinesa, 3,75 bilhões de
pés cúbicos de gás natural liquefeito por dia, por período não inferior a 30
anos, que se iniciará em 2018. É o equivalente a ¼ do total do gás que a Rússia
exporta para toda a Europa. A demanda diária de gás na China está hoje em torno
de 16 bilhões de pés cúbicos por dia; e as importações respondem por 31,6% do
consumo total.
A
Gazprom pode até continuar a recolher o grosso de seus lucros da Europa, mas a
Ásia será seu Everest. A empresa usará essa mega-negócio para dar novo fôlego
aos investimentos no Leste da Sibéria,[7] e toda a região será
reconfigurada como fonte privilegiada de gás também para o Japão e a Coreia do
Sul. Se você quiser entender por que nenhum país chave na Ásia deu ou dará
qualquer sinal de querer “isolar”[8] a
Rússia em plena crise ucraniana – e em aberto desafio ao que ordene o governo
Obama – basta examinar o que se passa hoje no Oleogasodutostão.
Sai
o petrodólar. Entra o gás-o-yuan
E
é quando, por falar de ansiedade em Washington, há também a considerar o triste
destino que espera o petrodólar, ou, em vez dele, a possibilidade
‘termonuclear’ de que Moscou e Pequim contratem o pagamento do negócio
Gazprom-CNPC, não em petrodólares, mas em yuans chineses. Difícil imaginar
tumulto tectônico maior que esse, com o Oleogasodutostão em
intersecção-somatória com uma crescente parceria de energia sino-russa. E com
ela, cresce também a possibilidade futura de forte impulso, comandado também
por China e Rússia, em direção a uma nova moeda internacional de reserva – de
fato, uma cesta de moedas – que deslocaria o dólar (pelo menos, nos sonhos
otimistas dos países BRICS[9]).
Imediatamente
depois dessa cúpula sino-russa que tem potencial para mudanças cataclísmicas,
começará, em julho, a reunião de cúpula dos BRICS, no Brasil. É quando, afinal,
um banco de desenvolvimento dos BRICS, com capital de $100 bilhões,[10] anunciado
em 2012, nascerá oficialmente, como alternativa possível ao Fundo Monetário
Internacional (FMI) e ao Banco Mundial, como fonte de financiamento de projetos
para o mundo em desenvolvimento.
Mais
cooperação entre os BRICS, com vistas a ‘atropelar’ o dólar, aparece também no
‘gás-o-yuan’[11] –
gás natural comprado e pago em moeda chinesa. A Gazprom já considera,
inclusive, lançar papéis especiais em yuan, como parte do planejamento para
financiar a expansão da empresa. Bônus com lastro em yuan já estão sendo
comercializados em Hong Kong, Singapore, Londres e, recentemente, começaram a
ser comercializados também em Frankfurt.[12]
Nada
pode ser mais sensível para o novo Oleogasodutostão, que os contratos serem
assinados em moeda chinesa. Pequim pagará à Gazprom russa nessa moeda (que pode
ser convertida em rublos); a Gazprom acumulará yuan; e a Rússia, então poderá
comprar montanhas de bens e serviços made-in-China, em yuan conversíveis em
rublos.
Todos
sabem que os bancos em Hong Kong, do Standard Chartered ao HSBC – além de
outros intimamente ligados à China por cadeias negociais – já vêm
diversificando seus portfólios na direção do yuan, o que implica que o yuan
pode tornar-se uma das moedas globais de reserva de facto, antes,
até, de que seja totalmente conversível. (Extraoficialmente, Pequim já está
trabalhando na direção de um yuan totalmente conversível, já para 2018.)
O
negócio Rússia-China de gás é inextrincavelmente ligado ao relacionamento de
energia entre a União Europeia (UE) e a Rússia. Afinal, o grosso do PIB da
Rússia vem de vendas de petróleo e gás, motivo pela qual a Rússia tanto se
empenha em manter o mais perfeito equilíbrio na gestão da questão ucraniana.
Por sua vez, a Alemanha depende da Rússia para suprir gordos 30% de suas
carências de gás natural. Mas imperativos geopolíticos de Washington –
temperados com histeria polonesa – empurraram Bruxelas a encontrar meios para
‘castigar’ Moscou na futura esfera de energia (sem gerar riscos para os
relacionamentos de energia hoje vigentes).
Há
boatos insistentes em Bruxelas nos últimos dias sobre o possível cancelamento[13] do
Ramo Sul [orig. gasoduto South Stream], projeto de 16 bilhões de
euros, cuja construção deve começar em junho. Depois de pronto, bombeará mais
gás natural russo para a Europa – nesse caso, pelo subsolo do Mar Negro
(contornando a Ucrânia), para Bulgária, Hungria, Eslovênia, Sérvia, Croácia,
Grécia, Itália e Áustria.
Bulgária,
Hungria e República Checa já deixaram claro que se opõem firmemente a qualquer
cancelamento. É não é provável que se cogite de cancelar coisa alguma. Afinal,
a única alternativa é o gás do Mar Cáspio, do Azerbaijão, e dificilmente
acontecerá, a menos que a União Europeia consiga, repentinamente, mobilizar
vontade política e muito dinheiro para, afinal, e contra todas as expectativas,
organizar-se e construir o fabuloso oleoduto Baku-Tblisi-Ceyhan (BTC),
concebido nos anos Clintons, para deixar na poeira a Rússia e o Irã.
Seja
como for, em nenhum caso o Azerbaijão teria capacidade necessária para suprir
os níveis necessários de gás natural, e outros atores, como o Cazaquistão,
assolado por problemas de infraestrutura, ou o pouco confiável Turcomenistão,
que prefere vender seu gás à China, já estão em boa parte fora do
enquadramento. E não esqueçam que o Ramo Sul, combinado com projetos
subsidiários de energia, criarão muitos, muitos empregos e investimentos, em
muitos dos mais economicamente devastados países da União Europeia.
Mesmo
assim, essas ameaças da União Europeia, embora pouco realistas ou completamente
irrealistas, só servem para acelerar a simbiose crescente entre a Rússia e os
mercados asiáticos. Para Pequim especialmente, é situação de ganha-ganha.
Afinal, entre energia fornecida através de mares policiados e controlados pela
Marinha dos EUA, e rotas seguras, estáveis e sobretudo terrestres a partir da
Sibéria, não é difícil preferir a Sibéria.
Escolha
aí a sua própria Rota da (sua própria) Seda
Claro
que o dólar norte-americano permanece como principal moeda global de reserva,
envolvendo 33% do total das trocas em moeda estrangeira no final de 2013,
segundo o FMI. Mas em 2000, eram 55%. Ninguém conhece a porcentagem em yuan (e
Pequim não abre a boca), mas o IMF observa que reservas “em outras moedas” em
mercados emergentes chegaram a 400%, desde 2003.
O
Fed parece estar monetizando[14] 70%
da dívida do governo dos EUA, numa tentativa de impedir que as taxas de juros
tomem o rumo da estratosfera. Jim Rickards, conselheiro do Pentágono – e de
todos os banqueiros que operam em Hong Kong – tende a acreditar que o Fed
está quebrado (mas eles nada dizem aos jornalistas sobre o tema). Ninguém se
atreve sequer a imaginar a extensão de um possível dilúvio que o dólar dos EUA
pode vir a sofrer, sob um Monte Ararat de $1,4 trilhão de derivativos
financeiros. Que ninguém suponha que seria a morte do capitalismo
ocidental; seria só um tropeço do neoliberalismo, essa fé econômica reinante, e
ainda a ideologia oficial dos EUA, da maioria da União Europeia e de partes da
Ásia e da América do Sul.
No
que tenha a ver com o “neoliberalismo autoritário” (como talvez se possa dizer)
do Império do Meio, qual o problema do qual reclamar hoje? A China provou que
há alternativa orientada para resultados ao modelo capitalista ocidental
“democrático”, para nações que visem a ser bem-sucedidas. Trata-se de
construir não uma, mas miríades de novas Rotas da Seda,[15] redes
massivas de vias de alta velocidade, rodovias, oleodutos, gasodutos, portos e
redes de fibra ótica por toda aquela abundância vastíssima de terras que é a
Eurásia. Aí se inclui uma estrada do Sudoeste da Ásia, uma estrada da Ásia
Central, uma “via marítima” pelo Oceano Índico e, até, uma ferrovia de alta
velocidade que atravesse o Irã e a Turquia e chegue diretamente à Alemanha.
Em
abril, quando o presidente Xi Jinping visitou a cidade de Duisburg no Rio Reno,
onde há o maior porto de atracação do mundo, da indústria de aço alemã, fez ali
uma proposta das mais ousadas: uma nova “Rota da Seda econômica” que se deveria
construir entre a China e a Europa, sobre o eixo da ferrovia
Chongqing-Xinjiang-Europa, que vai da China ao Cazaquistão, atravessa Rússia,
Bielorrússia, Polônia e, finalmente, a Alemanha. São 15 dias de viagem por
trem, 20 dias a menos que os cargueiros consomem viajando pelo litoral leste da
China. E, sim, seria o terremoto geopolítico total, em termos de integrar o
crescimento econômico por toda a Eurásia.
Tenham
em mente que, se nenhuma bolha eclodir, a China deve passar a ser – e ficar
nessa posição – a maior potência econômica global... de volta à posição que foi
dela durante 18 dos últimos 20 séculos. Mas não contem aos hagiógrafos em
Londres;[16] eles
vivem da fé de que a hegemonia dos EUA é eterna, inabalável, que durará,
digamos assim, para todo o sempre.
Leve-me
para a Guerra Fria 2.0
Apesar
de recentes graves lutas financeiras, os países BRICS seguem trabalhando
conscientemente para converter-se numa contraforça em oposição ao [novamente]
G7 – depois que de lá expulsaram a Rússia,[17] em
março. Anseiam por criar uma nova arquitetura global para substituir a que foi
imposta logo depois da 2ª Guerra Mundial, e veem-se, eles mesmos, como desafio
possível ao mundo excepcionalista e unipolar que Washington imagina para nosso
futuro (com ela própria no papel de robocop global, e a OTAN como seu
braço-robocop-policial armado). O historiador e líder de hooliganismo imperialista,
Ian Morris, em seu livro War! What is it Good For?[Guerra! Que
utilidade tem a guerra?], define os EUA como o “globocop” radical e “derradeira
esperança da Terra”. Se esse globocop “desperdiçar sua missão”, escreve
ele, “não há plano B”.
Ora...
Há, sim, um plano BRICS – ou, pelo menos, os países BRICS gostam de pensar que
haja. E quando os BRICS agem nesse espírito, no cenário global, eles
rapidamente mobilizam e conjuram contra sim uma estranha mistura de medo,
histeria e fúria, no establishment de Washington.
Tomem,
por exemplo, Cristopher Hill. O ex-secretário de Estado assistente para o Leste
da Ásia e embaixador dos EUA no Iraque é agora conselheiro do Grupo Albright
Stonebridge – empresa de consultoria com conexões profundas com a Casa Branca e
o Departamento de Estado. Quando a Rússia andava por baixo, Hill gostava de
delirar sobre uma “nova ordem mundial” norte-americana hegemônica. Agora que os
russos, esses mal-agradecidos, estragaram tudo[18] que
“o Ocidente ofereceu” – quer dizer, “status especial com a OTAN; relacionamento
privilegiado com a União Europeia; e parceria em missões diplomáticas internacionais”
– os russos estão, diz ele, trabalhando para fazer reviver o império soviético!
Tradução: se você não é nosso vassalo, você está contra nós. Bem-vindos à
Guerra Fria 2.0.
O
Pentágono tem sua própria versão disso, dirigida nem tanto à Rússia, mas, mais,
contra a China, a qual, dizem os think-tanks especialistas em
guerras futuras, já está, em vários sentidos, em guerra contra Washington.[19] Assim
sendo, se não é Apocalipse-hoje, é Armageddon-amanhã. E nem é preciso dizer
que, com tanta coisa dando errado, enquanto o governo Obama ‘pivoteia-se’
acintosa e publicamente para a Ásia, e a imprensa-empresa nos EUA faz a parte[20] de
reviver uma política da era da Guerra Fria, de “contenção” no Pacífico, tudo é,
sempre, culpa da China.
Embutidos
no enlouquecimento geral da Guerra Fria 2.0, há alguns estranhíssimos fatos em
campo: o governo dos EUA, com dívida interna de $17,5 trilhões e aumentando,
contempla um confronto financeiro com a Rússia, o maior produtor global de
energia e grande potência nuclear, assim como também está promovendo um ‘cerco’
militar economicamente insustentável contra seu próprio principal credor, a
China.
A
Rússia conta com considerável superávit comercial. Bancos chineses gigantescos
não terão problema algum em ajudar bancos russos, se os fundos ocidentais
secarem. Em termos de cooperação inter-BRICS, poucos projetos batem um oleoduto
de $30 bilhões, em planejamento, que se estenderá[21] da
Rússia à Índia, pelo noroeste da China. Empresas chinesas discutem
empenhadamente a possibilidade de participarem na criação de um corredor de
transporte[22] da
Rússia para a Crimeia, além de um aeroporto, um estaleiro e um terminal de gás
natural líquido. E há outro gambito ‘termonuclear’ em preparação: o nascimento
de uma organização equivalente à Organização dos Países Exportadores de
Petróleo (orig. Organization of the Petroleum Exporting Countries OPEC),
que incluirá Rússia, Irã, e, ao que se noticia,[23] também
o Qatar, super insatisfeito aliado dos EUA.
Os
planos de longo prazo (não declarados) dos BRICS envolvem a criação de um
sistema econômico alternativo que incluirá uma cesta de moedas com lastro em
outro, que deixaria de lado o atual sistema financeiro global EUA-cêntrico.
(Não surpreende que Rússia e China estejam acumulando a maior quantidade
possível de ouro.) O euro – moeda sólida apoiada em grandes mercados de papéis
com liquidez e sólidas reservas de ouro – será também bem-vindo.
Não
é segredo em Hong Kong que o Banco da China está usando uma rede paralela SWIFT
para conduzir todo o tipo de negócio ou troca comercial com Teerã, apesar do
pesado sistema de sanções comandado pelos EUA. Com Washington manobrando Visa e
Mastercard como armas[24] numa
campanha econômica de estilo mais Guerra Fria a cada dia, contra a Rússia,
Moscou está a um passo de implementar sistema alternativo de pagamento e
cartões de crédito, não controlado pela finança ocidental. Via ainda mais fácil
seria adotar o sistema Union Pay chinês,[25] cujas
operações já ultrapassaram, em volume global, o sistema American Express.
Estou
só a pivotear-me, eu comigo mesmo...
Não
há ‘pivotagem’ do governo Obama para a Ásia, para conter a China (e ameaçá-la
com o controle pela Marinha dos EUA[26] de
todas as rotas marítimas de energia para aquele país) que consiga empurrar
Pequim para longe de sua estratégia autodescrita de “desenvolvimento pacífico”[27] inspirada
em Deng Xiaoping, e que visa a converter a China em usina global de comércio e
negócios. Nem futuros deslocamentos de soldados dos EUA ou da OTAN para o
leste da Europa, ou outros movimentos[28] Guerra-Friistas[29] como
esses conseguirão impedir Moscou de empreender sua ação de equilibramento:
assegurar que a esfera de influência da Rússia na Ucrânia permanecerá forte,
sem comprometer os negócios e o comércio, nem, tampouco, os laços políticos com
a União Europeia – e, sobretudo, com sua parceira estratégica, a Alemanha. Esse
é o Santo Graal de Moscou; uma zona de livre comércio[30] de
Lisboa a Vladivostok, sonho o qual (não por acaso) é em tudo equivalente ao
sonho chinês de uma nova Rota da Seda até a Alemanha.
Cada
vez mais desconfiada contra Washington, Berlin, por sua vez, detesta a noção de
a Europa ser apanhada nas vascas de uma Guerra Fria 2.0. Os líderes alemães têm
peixe maior para fritar, inclusive tentar estabilizar a oscilante União
Europeia, que se vê presa nos meandros de um colapso econômico nos países do
sul e do centro, vendo avançar os partidos da direita mais extremistas.
Do
outro lado do Atlântico, o presidente Obama e seus principais assessores e
funcionários mostram todos os indícios de que se vão enredando nas próprias
pivotagens e pivoteamento – para o Irã, para a China, para as fronteiras leste
da Rússia e (fora do radar[31])
também para a África. A ironia de todas essas manobras, antes de tudo,
militares, é que de fato só fazem ajudar Moscou, Teerã e Pequim a construir sua
própria profundidade estratégica na Eurásia e em outros pontos – como já
se vê acontecer na Síria, ou, crucialmente, em mais e mais novos negócios de
energia.[32] Estão
também ajudando a cimentar[33] a
crescente parceria estratégica entre China e Irã. A narrativa do incansável
Ministério da Verdade de Washington sobre todos esses desenvolvimentos ignora
atentamente o fato de que, sem Moscou, o ‘ocidente’ jamais teria sentado para
discutir um acordo nuclear com o Irã, nem teria conseguido o desarmamento
químico de Damasco.
Quando
as disputas entre China e seus vizinhos no Mar do Sul da China e entre aquele
país e o Japão pelas ilhas Senkaku/Diaoyou encontrarem a crise ucraniana, a
conclusão inevitável será que ambas, Rússia e China, consideram suas fronteiras
e rotas marítimas como propriedade privada e não admitirão desaforos sem
revidar – ainda que o desaforo venha sob formato de expansão da OTAN, do cerco
militar pelos EUA, ou de escudos de mísseis. Nem Pequim nem Moscou se curvarão
à forma usual de expansão imperialista, apesar da versão dos eventos que vem
sendo servida à opinião pública ocidental. As respectivas ‘linhas
vermelhas’ são e permanecerão essencialmente defensivas, não importa o trabalho
que, vez ou outra, seja necessário para mantê-las protegidas e seguras.
Seja
o que for que Washington deseje, tema ou tente impedir que aconteça, os fatos
em campo sugerem que, nos próximos anos, Pequim, Moscou e Teerã só farão
aproximar-se cada vez mais, lenta mais firmemente construindo um novo eixo
geopolítico na Eurásia. Entrementes, EUA desnorteados-metendo-pés-pelas-mãos
parecem estar ajudando a acelerar a desconstrução de sua própria ordem
unipolar, ao mesmo tempo em que oferecem aos BRICS uma genuína janela de
oportunidade para tentar mudar as regras do jogo.
Rússia
e China em modo “Pivô”
Na think-tank-elândia
de Washington, a convicção de que o governo Obama deve focar-se em reencenar a
Guerra Fria mediante uma nova versão de política de contenção para “limitar o
desenvolvimento da Rússia como potência hegemônica” tomou conta de todas as
cabeças. A receita: armas até os ossos os vizinhos, dos estados do Báltico ao
Azerbaijão, para “conter” a Rússia. Guerra Fria 2.0 na veia, porque, do ponto
de vista das elites de Washington, a Guerra Fria, de fato, nunca acabou.
Mas,
por mais que os EUA combatam contra a emergência de um mundo multipolar, de
várias potências, fatos econômicos em campo apontam sempre, regularmente, nessa
direção. A questão é sempre a mesma: o declínio do hegemon será
lento e razoavelmente digno e decente, ou todo o mundo será arrastado para o
buraco, na opção que tem sido chamada de “opção Sansão”?
Enquanto
se assiste ao espetáculo que se desdobra, sem fim de jogo à vista, convém
manter em mente que uma nova força está crescendo na Eurásia, com a aliança
estratégica sino-russa ameaçando dominar o coração do mundo e grandes porções
das áreas continentais. Ora, do ponto de vista de Washington, é pesadelo de
proporções Mackinderescas.[34] Pense,
por exemplo, em como Zbigniew Brzezinski, o ex-conselheiro de segurança
nacional, que se tornou mentor de política global do presidente Obama, veria a
coisa.
Em
seu livro de 1997, O Grande Tabuleiro de Xadrez, Brzezinski
argumentava que “a luta pelo primado global continuará a ser disputada” no
“tabuleiro” eurasiano, do qual “a Ucrânia era um pivô geopolítico”. “Se Moscou
reconquistar o controle sobre a Ucrânia”, escreveu ele naquele momento, a
Rússia “automaticamente reobterá os meios para tornar-se poderoso estado
imperial, que se estenderá sobre Europa e Ásia.”
É
o argumento básico que há por trás da política imperial de contensão, pelos EUA
– da “Rússia próxima”, europeia, ao Mar do Sul da China. Assim sendo, e sem fim
de jogo à vista, fiquem de olho no pivoteamento da Rússia em direção à Ásia; da
China, por todo o planeta; e no duro trabalho dos BRICS, tentando fazer serviço
de parteiros do Novo Século Eurasiano. *****
[1] http://voiceofrussia.com/2014_02_26/BRICS-is-priority-for-Russian-foreign-policy-and-way-to-shape-multipolar-world-Russias-diplomat-5870/
[3] http://www.ibtimes.com/russia-fight-space-invaders-other-threats-advanced-star-wars-s-500-missile-defense-system-1401975
[5] 1/6/2013,
Pepe Escobar, “Oleogasodutostão e a(s) Nova(s) Rota(s) da Seda”, traduzido
em http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2013/06/pepe-escobar-oleogasodutostao-e-as.html
[6] http://en.ria.ru/russia/20140512/189761463/Moscow-Beijing-Close-to-Gas-Deal--Russian-Official.html
[8] 25/3/2014,
Pepe Escobar: “A Ásia não ‘isolará’ a Rússia”, Asia Times Online,
traduzido em http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2014/03/pepe-escobar-asia-nao-isolara-russia.html
[9] O
presidente Hugo Chávez muito falou dessa petromoeda. Mas é
absolutamente IMPOSSÍVEL encontrar hoje, pelo buscador Google-Brasil, as falas
do presidente Chávez! Há uma censura total, na imprensa-empresa comercial
brasileira ‘livre’ [só rindo]. Depois de muita procura, encontramos, para citar
aqui, o que se lê em http://www.estadao.com.br/noticias/economia,chavez-quer-brasil-na-opep-e-criacao-da-petro-moeda,347790,0.htm;
é matéria de 2009, e nada tem de ‘fato’: só tem, mesmo, de opinionismo tosco
golpista do Estadão.
AQUI
FICA, ENTÃO, como NOSSA HOMENAGEM AO PRESIDENTE HUGO CHÁVEZ.
“Chávez
insiste que a aproximação com os países árabes deve incluir a criação de uma
nova moeda internacional e até num Banco Petroleiro Internacional, o que
evitaria que os governos que contam com recursos tenham de colocar suas
reservas em investimentos e fundos nos países ricos. "Temos de pensar
nisso", disse. "Já basta do domínio do dólar no mundo", disse
Chávez. Ele lembrou que a China e a Rússia irão sugerir a criação de uma moeda
de reserva durante o encontro do G-20. [NTs]
[13] 8/5/2014, Pepe Escobar: “FMI vai à guerra na Ucrânia”,
RT, trad. em http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2014/05/pepe-escobar-fmi-vai-guerra-na-ucrania.html
[14] http://theeconomiccollapseblog.com/archives/the-federal-reserve-is-monetizing-a-staggering-amount-of-u-s-government-debt
[18] http://www.project-syndicate.org/commentary/christopher-r--hill-calls-on-the-west-to-prepare-for-a-long-struggle-with-a-revanchist-russia
[19] http://www.foxnews.com/politics/2014/03/26/china-waging-three-warfares-against-united-states-in-asia-pentagon-says/
[20] http://www.nytimes.com/2014/04/20/world/europe/in-cold-war-echo-obama-strategy-writes-off-putin.html?_r=0
[21] http://rinf.com/alt-news/breaking-news/30-billion-oil-pipeline-built-russia-india-northwest-china/
[28] http://www.nytimes.com/2014/04/20/world/europe/in-cold-war-echo-obama-strategy-writes-off-putin.html?_r=3
[29] 29/4/2014, Pepe Escobar: “Estratégia” de Obama contra
Rússia “pária”, Asia Times Online, trad. em http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2014/04/pepe-escobar-estrategia-de-obama-contra.html
[30] http://www.spiegel.de/international/europe/from-lisbon-to-vladivostok-putin-envisions-a-russia-eu-free-trade-zone-a-731109.html
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