“O camarada lobo sabe
o que comer e não pede licença a ninguém”
[O presidente russo
referindo-se aos Estados Unidos].
O camarada lobo... |
21/5/2014, [*] Mike Whitney, Counterpunch
Traduzido por mberublue
SÁBADO, 24 DE MAIO
DE 2014
Então, será essa a meta política dos Estados Unidos: criar uma
“Confederação russa frouxa”, com uma economia que possa ser incorporada ao
sistema baseado no mercado dos EUA?
Zbigniew Brzezinski |
De fato, parece muito fácil a Brzezinski fatiar a Rússia em pequenos
estados, estados mínimos que não tenham poder para ameaçar a expansão imperial
dos EUA. Indubitavelmente, Brzezinski tem a visão de uma Rússia a vender a
baixo preço seus “vastos recursos”... E em petrodólares, lógico! Para em
seguida reinvesti-los em Títulos do Tesouro Americano, tornando ainda mais
ricos os usurários corruptos de Wall Street e Washington. Zbig
antevê ainda uma Rússia que abdicará de seu papel histórico no mundo e não terá
voz ativa na elaboração da política global. Imagina uma Rússia cabisbaixa e
conformada, que facilitará as ambições imperiais dos Estados Unidos na Ásia,
até o ponto mesmo em que terá de pagar para reprimir o próprio povo em nome dos
oligarcas dos Estados Unidos, fabricantes de armamento, magnatas do petróleo e
o 1%.
Considere-se um parágrafo da peça composta por Brzezinski, que resume as
metas de Washington na Ucrânia, na Rússia e onde mais aparecer qualquer meta. O
trecho seguinte aparece na abertura da matéria publica, em negritos, não por
acaso:
SEGURANÇA TRANSCONTINENTAL
Institucionalizar a forma e definir a substância de um sistema de
segurança trans-Eurásia pode vir a se tornar a maior iniciativa de arquitetura
política do próximo século. A base de uma nova estrutura de segurança
transcontinental poderia ser um comitê permanente composto dos maiores poderes
da Eurásia maisEUA, Europa, China, Japão, Confederação Russa e Índia, que
poderiam discutir coletivamente os assuntos inerentes à estabilidade da
Eurásia. O surgimento de um sistema transcontinental pode gradualmente aliviar
os EUA de seus encargos, ainda que continuem alocados por ainda uma geração ou
mais, em seu papel decisivo de árbitro da Eurásia. O sucesso geoestratégico
desse empreendimento seria régua apropriada para avaliar o legado deixado pelos
EUA como primeira e única superpotência global.
Tradução: Os Estados Unidos policiarão o mundo de perto, despacharão
encrenqueiros e eliminarão quaisquer potenciais problemas onde surgirem. Será
imposto o dogma sagrado do neoliberalismo (austeridade, privatizações, ajustes
estruturais, reformas contra os direitos trabalhistas, etc.) em todos os
lugares e para todos os participantes. Além do mais, os parceiros “menores”,
como Europa, China, Japão, a Confederação Russa e Índia – deverão providenciar
segurança para o próprio povo e às próprias custas, para que os EUA sejam
“aliviados de alguns de seus encargos”.
(clique na legenda para acessar notação)
Que beleza! E, além do mais, temos de pagar o salário dos nossos próprios
carcereiros e carrascos.
Afinal de contas, o que diabos quer dizer “Segurança Transcontinental”? É
eufemismo para “governo mundial”, sim, mas, bem feitas as contas, é tudo a
mesma coisa. E temos mais, de Brzezinski:
A falha na expansão da OTAN (...) destruiria o
conceito de uma Europa em expansão (...), ainda pior, poderia
reacender latentes aspirações políticas russas em relação à Europa Central.
Essa declaração é estranhamente complicada. Primeiro, Brzezinski apoia a
ideia de uma Europa em expansão; na sequência, mostra-se preocupado por a
Rússia também se interessar por expansão... Como sempre: o roto fala do
esfarrapado.
O que se depreende claro como água é que, na concepção de Brzezinski, a
expansão da União Europeia e da OTAN ajudará as aspirações hegemônicas dos EUA.
E isso é o que importa. Diz ele:
A Europa é a cabeça de ponte essencial dos Estados Unidos na Eurásia (...). Uma
Europa maior e a OTAN ampliada servem aos interesses políticos dos EUA tanto no
curto quanto no longo prazo (...). Uma Europa politicamente
definida também é essencial para que a Rússia seja assimilada num sistema de
cooperação global.
“Cabeça de ponte”? Em outras palavras, a Europa não passa de meio para
alcançar um fim. E o que “fim” seria esse? Dominação Global. Sim, sim. É disso
que Zbig fala. É. É claro que é.
A crise ucraniana tornou-se difícil de entender, por causa da neblina
impenetrável na qual a mídia envolve, diariamente, incansavelmente, a política
que move os eventos. Nos momentos em que a neblina dissipa-se um pouco, vê-se
facilmente qual a causa de todos os problemas. Chama-se EUA, os bons, velhos
EUA, fazendo sua farra a tiros, em terra alheia.
Nem a maioria dos ucranianos nem Putin querem guerra. Todo esse imbrógliofoi
criado pelo Tio Sam e seus asseclas, na tentativa de interromper o fluxo
contínuo de gás russo para a Europa; empurrar a OTAN mais um pouco para leste;
e quebrar em mil pedaços a Federação Russa. Esta é a verdade, toda a verdade.
Para conseguir seus objetivos, esses norte-americanos insanos não se
importam de destruir a Ucrânia e matar tudo o que se mova num raio de 4.800
quilômetros de Kiev. Afinal... Já fizeram o mesmo no Iraque, não fizeram? Sim,
fizeram.
Já disse aqui que, segundo o Wall Street Journal desta
semana, “a produção iraquiana de petróleo alcançou seu mais alto nível nos
últimos 30 anos”. Claro! E, afinal, os suspeitos de sempre estão auferindo
lucros imensos. A questão é se farão na Ucrânia o que já fizeram no Iraque.
Porque Washington não se importa com carnificinas, mas ainda se importa um pouco
com a opinião dos eleitores. Massacres não são problema.
O caso é que Brzezinski não é o único a apoiar a atual política. Com Zbig
está também, companheira de viagem, Hillary Clinton.
Hillary Clinton em campanha para 2016 |
De fato, foi ela quem primeiro falou do tal “pivô”, quando ainda era
Secretária de Estado, em artigo intitulado “O
século do Pacífico da América”. Nesse artigo-discurso, Clinton
descreveu um plano de reequilíbrio que, em tese, abriria novos mercados para as
corporações dos Estados Unidos e para Wall Street; controlaria o
fluxo de recursos vitais e “permitiria uma presença militar ampla” em todo o
continente. Aqui, um trecho dessa fala-artigo de Clinton:
A decisão sobre o futuro da política será tomada na Ásia, não no
Afeganistão ou no Iraque, e os Estados Unidos estarão no centro da ação. Os EUA
estão em um ponto de pivoteamento, pois a guerra do Iraque está no fim e se
inicia a retirada das tropas do Afeganistão. Nos últimos dez anos, colocamos
imensos recursos nesses dois teatros de guerra. Nos próximos dez anos,
precisamos ser sistematicamente inteligentes em relação ao lugar onde
investiremos nosso tempo e energia, de maneira que possamos sustentar nossa
liderança, assegurar nossos interesses e fazer avançar nossos valores.
Uma das mais importantes tarefas do Estado Americano para a próxima
década será então dar solidez a substanciais aumentos de investimentos –
diplomáticos, econômicos, estratégicos e outros – na região da Ásia e do
Pacífico (...) O aproveitamento dinâmico do crescimento da
Ásia é fundamental para os interesses econômicos e estratégicos dos Estados
Unidos e prioridade absoluta para o presidente Obama. A abertura dos mercados
asiáticos proverá os EUA de oportunidades sem precedentes para investimentos,
comércio e acesso a tecnologia de ponta (...) As empresas
americanas (precisam) entrar no mercado consumidor da Ásia, que é grande e está
em crescimento(...) A região asiática já é responsável por mais da
metade da produção mundial e por cerca da metade do comércio global. Como
estamos nos esforçando para atingir a meta do presidente Obama, de dobrar as
exportações até o ano de 2015, estamos à procura de oportunidades para mais
negócios na Ásia (...) ao falar com líderes empresariais
através do país, ouço sempre como é importante para os Estados Unidos expandir
suas exportações e não perder as oportunidades de investimento no dinâmico
mercado asiático.
“O aproveitamento dinâmico do crescimento da Ásia é fundamental para os
interesses econômicos e estratégicos dos Estados Unidos e prioridade absoluta
para o presidente Obama”?! Parece, por acaso, fala de alguém que queira
cultivar relação mútua de benefícios comuns com seus parceiros comerciais? Ou
soa, mais, como fala de quem quer chegar, assumir tudo e comandar o espetáculo?
Tudo tem a ver com o dinheiro – inclusive o plano de Washington para
desviar a atenção, do Oriente Médio para a Ásia. A própria Clinton sempre diz
exatamente isso. Releiam o que ela diz: “A abertura dos mercados asiáticos
proverá os EUA de oportunidades sem precedentes para investimentos, comércio e
acesso a tecnologia de ponta (...) As empresas americanas (precisam) entrar no
mercado consumidor da Ásia, que é grande e está em crescimento (...)”.
Dinheiro, dinheiro, dinheiro. O potencial para mais e mais lucro é
ilimitado. Assim, Madame Clinton quer fincar nossa bandeira
exatamente no centro da ação, onde as empresas americanas possam acumular
grana, sem temer represálias.
É também o que diz Brzezinski em sua obra prima The
Grand Chessboard[O grande tabuleiro de xadrez], de onde tiramos
esse pequeno excerto (p.31):
O poder que dominasse a Eurásia dominaria duas das três regiões mais
avançadas e economicamente produtivas do mundo. Um simples olhar que se lance
ao mapa mostra que quem domina a Eurásia tem assegurada de forma quase
automática a subordinação da África, tornando o hemisfério ocidental e a
Oceania (Austrália) politicamente periféricos ao continente central do globo.
Quase 75% da população mundial vive na Eurásia, e a maioria da riqueza física
mundial se encontra ali, ou nas empresas ou no subsolo. A Eurásia provê três
quartos dos recursos energéticos conhecidos do mundo.
Cha-ching!
O caro leitor está começando a entender? É uma nova corrida do ouro!
Depois de ter pirateado, agredido e saqueado a classe média dos EUA até o
último centavo, deixando em farrapos a economia, Brzezinski, Clinton et
caterva estão migrando para pastos mais verdes na Ásia Central, onde
se localizam as maiores nações produtoras de petróleo do mundo, com as reservas
ilimitadas da bacia do Mar Cáspio e, a cereja do bolo, com zilhões de consumidores
ávidos para comprar de tudo, começando por i-pads para matar o
tempo, e tudo, é lógico, fornecido por empresas norte-americanas. Cha-ching! [1]
Vladimir Putin pela imprensa-empresa ocidental |
Por tudo isso, não se impressione, caro leitor, com o dia a dia da
Ucrânia. A luta que ali se desenrola nada tem a ver com “forças pró-Kiev e
ativistas antigovernamentais”. É, só, só, mais uma fase do plano dos EUA para
conquistar o mundo. Esse plano visa a arrastar a Rússia a, inevitavelmente,
lutar contra o massacrante poderio militar dos EUA. É Davi contra Golias.
Mãe-Rússia contra o Grande Satã. Vlad Putin contra o camarada lobo. A Ucrânia é
só o primeiro round.
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Nota dos tradutores
Cha-ching! É palavra onomatopaica de uso urbano nos
EUA e que significa o barulho feito pela caixa registradora ao fechar. Usada em
conversação para exemplificar grande lucro com o uso de poucos recursos.
Exemplo: “comprei uma casa em leilão judicial por R$ 100 mil e acabo de
vendê-la por R$ 380 mil. Cha-ching!”
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[*] Mike Whitney é um escritor e jornalista norte-americano
que dirige sua própria empresa de paisagismo em Snohomish (área de Seattle),
WA, EUA. Trabalha regulamente como articulista freelance nos
últimos 7 anos. Em 2006 recebeu o premio Project Censoredpor um
reportagem investigativa sobre a Operation FALCON, um massiva,
silenciosa e criminosa operação articulada pela administração Bush (filho) que
visava concentrar mais poder na presidência dos EUA. Escreve regularmente em
Counterpunch e vários outros sites. É co-autor do livro Hopeless:
Barack Obama and the Politics of Illusion (AK Press) o
qual também está disponível em Kindle
edition.
Recebe e-mails por: fergiewhitney@msn.com.