A busca de ferramentas além do PIB
A divulgação da pesquisa sobre Indicadores de Progresso Social
2014 (IPS), vem agregar peso à transformação de como calculamos os
resultados econômicos e o desenvolvimento. Sem ser economistas ou entender de
contas nacionais, muitos já se perguntam há tempos como casam no Brasil os
imensos avanços sociais e econômicos que vivemos, além um desemprego que é o
menor da história, com taxas modestas de crescimento PIB, tão atacado como
“pibinho”. É que a cifra que tanto encanta a mídia, o PIB, simplesmente
não mede o que queremos medir, que é o progresso, ou em todo caso o reflete de
maneira muito parcial.
A iniciativa da ONG Social Progress Imperative é um
refresco, ao medir o que importa, ao fazê-lo de maneira sistemática, com
metodologia clara e que permite comparabilidade. Depois da edição experimental
e limitada de 2013, a de 2014 cobre 132 países, com correções e ajustes.
Publicada em dois volumes, um de resultados e análises por país, e outro de
metodologia, a pesquisa constitui um aporte significativo para a compreensão
das transformações que vivemos.
É verdade que esta iniciava vem apensa reforçar metodologias como o Happy
Planet Index, o Genuine Savings Indicators, o FIB (Felicidade
Interna Bruta) e sobretudo o movimento Beyond GDP na União
Européia, mas a contribuição de nomes como Michael Porter, da Universidade de
Harvard e de outras instituições de peso, vai materializando a nossa lenta
evolução para medidas que façam sentido. O apelo mundial para irmos além do
PIB, lançado neste sentido há alguns anos por Joseph Stiglitz, Amartya Sen e
Jean-Paul Fitoussi, dos quais os autores do IPS se declaram devedores, está
dando frutos.
O teórico da iniciativa, Patrick O’Sullivan, vai direto ao assunto: “É
realmente indefensável continuar a usar o PIB como se de alguma forma medisse o
bem estar, e é confortante se dar conta que o próprio Kuznets, o pai fundador
da medição sistemática do PIB já nos tenha alertado que “o bem estar de uma
nação dificilmente pode ser inferido da medida da renda nacional” (Met.26) Este
ponto de partida define a filosofia do esforço empreendido.
“Tornou-se cada vez mais evidente que um modelo de desenvolvimento
baseado apenas no desenvolvimento econômico é incompleto. Uma sociedade
que deixa de assegurar as necessidades básicas, de equipar os cidadãos para que
possam melhorar a sua qualidade de vida, que gera a erosão do meio ambiente, e
limita as oportunidades dos seus cidadãos não é um caso de sucesso. O
crescimento econômico sem progresso social resulta na falta de inclusão,
descontentamento, e instabilidade social. Um modelo mais amplo e mais inclusivo
de desenvolvimento requer novas medições com as quais os que gerem as políticas
e os cidadãos possam avaliar a performance nacional. Temos de ir além de
simplesmente medir o Produto Interno Bruto per capita, e tornar a medição
social e ambiental parte integrante de como medimos os resultados”.(11)
Este enfoque permite organizar os indicadores em torno aos
interesses reais das pessoas. O índice, no seu conjunto, busca responder a três
questões: (26)
1) O país assegura as necessidades mais essenciais da
sua população?
2) Os fundamentos básicos que permitam aos indivíduos e
às comunidades alcançar e sustentar o seu bem estar estão assegurados?
3) Há oportunidades para todos os indivíduos alcançarem
os seus plenos potenciais?
Para nós no Brasil este enfoque menos centrado no crescimento econômico e
diretamente dirigido ao bem estar da população é de uma grande ajuda. Em torno
a estes três grandes eixos o IPS apresenta indicadores básicos, quatro por
eixo, que são por sua vez desdobrados em 54 indicadores mais detalhados.
Conseguiram cifras razoavelmente confiáveis para 132 países, o que torna o IPS
um complemento útil inclusive para o sistema básico das Nações Unidas, os
Indicadores do Desenvolvimento Humano (IDH), que acrescenta aos dados
tradicionais da renda indicadores de educação e de saúde.
Um outro elemento metodológico importante é que o IPS busca indicadores
de resultados, não de insumos (outcome index, not inputs). Ou seja, um
país que investe muito em saúde construindo hospitais de luxo e priorizando
a saúde curativa, em termos de investimentos está realizando um grande esforço
(inputs), mas os resultados (outcomes) serão pífios
em termos de população saudável. E se trata de medir este último
objetivo.(Met.5) A cidade de São Paulo gastou rios de dinheiro em viadutos,
túneis, elevados e automóveis particulares com o resultado de paralisar a
cidade. Esta paralisia, ao gerar mais custos para todos (inputs),
aumenta o nosso PIB. Seguramente não o outcome queremos, que é
a mobilidade urbana. Medir pelo enfoque dos resultados é muito importante.
Em termos metodológicos ainda, é natural que haja discussões sobre a
objetividade na escolha dos indicadores. Patrick O’Sullivan (Universidade de
Grenoble e de Varsóvia) apresenta aqui, no volume de Metodologia, um excelente
artigo teórico sobre os indicadores e os seus limites. Os vieses são
honestamente assumidos: “Vamos assumir abertamente que esta posição (do
relatório) se apoia em fundamentos que constituem certos juízos de valor
normativos, que deixaremos explícitos e transparentes, e mostraremos, por
mais chocante que possa parecer a pesquisadores de ciências humanas orientados
para o positivismo este uso explícito de um discurso normativo, que na
realidade toda ciência humana é irremediavelmente carregada de valores de
qualquer modo.” (Met. 25)
No Brasil, este realismo quanto aos valores implícitos, apoiado nas
visões de Gunnar Myrdal, nos ajudaria bastante, frente à deformação sistemática
das análises sobre os avanços do país na mídia comercial. Mas este alerta deve
ser observado inclusive para os dados do IPS: por exemplo, os dados relativos à
propriedade privada são neste relatório baseados na fonte da Heritage
Foundation, um Think Tank da velha direita norte-americana,
que seguramente consideraria a nosso Constituição, com a sua visão da função
social da propriedade, como subversiva. O enfoque adotado, por exemplo, permite
jogar para baixo o IPS da China, que é o país que de longe tirou mais pessoas
da pobreza no planeta, cerca de dois terços da redução mundial. Aqui a carga de
valores é realmente explícita.(106)
Os resultados da pesquisa
Na parte da análise dos resultados, uma das tendências mais interessantes
mostra uma forte correlação entre o aumento do PIB e a melhoria na área das
necessidades básicas, (no caso nutrição, água e saneamento, habitação e
segurança) mas apenas para os mais pobres: “As necessidades humanas básicas
melhoram rapidamente quando o PIB per capita aumenta, nos níveis baixos de
renda, mas depois (a tendência) se torna mais horizontal (flattens out)
à medida que a renda continua a aumentar”. (54)
Para nós isto é muito importante, pois mostra que o aumento de renda nos
extratos mais pobres melhora radicalmente o progresso social em geral. Em
outros termos, o dinheiro que vai para a base da sociedade é muito mais
produtivo em termos de resultados para a sociedade, o que bate plenamente com
as pesquisas do IPEA sobre a produtividade dos recursos. As pesquisas da ONU
sobre o IDH chegam à mesma conclusão: “Rendimentos mais elevados têm uma
contribuição declinante para o desenvolvimento humano”. O New Economics
Foundation (NEF) de Londres chega à mesma conclusão, ao analisar o
“retorno social sobre o investimento” (SROI – Social Return On Investment), e
considera que a adoção desta metodologia “é particularmente oportuna quando as
organizações estão buscando tornar cada libra render o máximo possível”. (NEF,
2009) Estamos aqui no centro do problema da baixa produtividade econômica
gerada pela concentração de renda, confirmando os efeitos multiplicadores que
gera a redistribuição, inclusive para o próprio PIB.
Centrar-se no progresso social, ou seja, no resultado que queremos
efetivamente para a nossa vida, e não no PIB, permite por sua vez evitar
deformações flagrantes que o IDH atenua apenas em parte. Assim países
exportadores de petróleo como a Arábia Saudita, o Kuait e Angola, que pela
exportação de recursos naturais aparecem com uma renda per capita elevada, mas
não asseguram o bem estar que estes recursos deveriam gerar para a população,
são aqui avaliados de maneira diferenciada, como under-performers, ou
seja, países com um crescimento distorcido. Por outro lado, constata-se a alta
correlação entre o PIB e o indicador de acesso à informação e comunicação,
“amplamente baseado no fato que o acesso à telefonia móvel e à internet está
ligada à capacidade aquisitiva do consumidor”.(59)
Para nós esta dimensão é importante para pensar e contabilizar a
contribuição das exportações primárias: qual é a sua produtividade social real,
em termos de geração de empregos, de impactos ambientais, de retenção ou
expulsão de mão de obra para as cidades como por exemplo no caso da pecuária
extensiva? A visão geral do relatório é que “de modo geral, países ricos em
recursos têm mais propensão a ter uma baixa performance em termos de progresso
social, relativamente ao seu PIB per capita”.(53)
Na análise igualmente, o texto apresenta uma forte correlação entre os
indicadores IPS e outras pesquisas baseadas em avaliações de percepção de
qualidade de vida pelas pessoas: “Há uma relação altamente positiva e
significativa entre a satisfação com a vida e o progresso social, e em
particular na dimensão de Oportunidades.” (69) Outro dado significativo é que
“o indicador de sustentabilidade ambiental é o que menos está relacionado com o
PIB.” Os indicadores médios indicam uma forma de “U”, sugerindo que os
pobres ainda não afetam o meio ambiente, enquanto os países na fase média de
avanço econômico tendem a deteriorá-lo, passando a buscar a sua recuperação ao
alcançar níveis de renda mais elevados. (59)
O Brasil na pesquisa
O Brasil aparece bem na foto. Importante lembrar que se trata apenas de
uma foto, pois o índice é novo e não permite comparação no tempo, ou seja, a
dinâmica da mudança. De qualquer forma, vale a pena dar uma olhada nos dados.
O Brasil ocupa o 46º lugar entre 132 países, com um índice médio geral de
69,957. A Colômbia ocupa o 52º lugar, México 54º. O PIB per capita
brasileiro utilizado na pesquisa é de 10.264 dólares em valores de 2012.
Os dados sintéticos para o Brasil são os seguintes:
Dados
sintéticos Brasil(46º)
EUA(16º) Argentina(42º)
PIB per
capita
10.264
45.336
11.658
Score médio
geral
69,957
82,77
70,59
Necessidades básicas
71,09
89,82
77,77
Fundamentos do Bem Estar
75,78
75,96
70,62
Oportunidades
63,03
85,54
63,38
Para ter uma referência, os Estados Unidos ocupam o 16º lugar, com um PIB
de 45.336 dólares, e um índice médio geral de 82,77. Os dados sintéticos
americanos são muito desiguais, com respectivamente 89,82 para necessidades
básicas, 75,96 para fundamentos de bem estar (praticamente iguais ao Brasil),
fruto dos últimos trinta anos de neoliberalismo naquele país, e 85,54 em termos
de oportunidades, índice puxado em particular pela expansão do acesso à
educação superior, onde o Brasil é pelo contrário muito fraco. A Argentina, por
sua vez, que ocupa o 42º lugar, tem um score geral de 70,59, um PIB per capita
de 11.658 dólares, e apresenta no geral índices parecidos com os do Brasil.
Detalhando um pouco para os 12 principais grupos de indicadores, temos a
situação seguinte:
Nível dos 12 principais
indicadores: Brasil
EUA Argentina
Nutrição e cuidados básicos de saúde
92,02
97,82
94,62
Água e saneamento
básico
81,64
95,77
95,65
Habitação
73,20
87,99
60,75
Segurança
pessoal
37,50
77,70
60,07
Acesso ao conhecimento
95,43
95,10
94,53
Acesso à informação e
comunicação
67,69
81,33
69,54
Saúde e bem
estar
76,05
73,61
70,56
Sustentabilidade
63,94
53,78
47,83
Direitos da
pessoa
74,94
82,28
66,55
Liberdade
pessoal
69,38
84,29
73,61
Tolerância e
inclusão
61,77
74,22
64,53
Acesso à educação
superior
38,09
89,37
48,83
Impressionante os Estados Unidos, com um PIB quatro vezes e meia maior do
que o Brasil, terem um indicador de saúde e de bem estar (esperança de vida,
morte por doenças entre 30 e 70, taxas de obesidade, mortes por poluição do ar,
taxa de suicídios) significativamente pior do que o Brasil. Situação pior ainda
em sustentabilidade, devido em particular à massa de emissões de gazes de
efeito de estufa, uso da água além das reservas e redução de biodiversidade e habitatnatural.
A Argentina, aliás, fica pior ainda neste quesito. Os itens críticos para o
Brasil, naturalmente, são os de segurança, com 37,50 pontos, e de acesso à
educação superior, com 38,09 pontos.
Na análise dos autores, “entre os países dos BRICS, o Brasil apresenta o
perfil de progresso social mais forte e mais “equilibrado” (the strongest
and most “balanced”). Apresenta alguma fraqueza em Necessidades Humanas
Básicas (puxada pelo score muito baixo de 37,50 para Segurança Pessoal), mas
apresenta uma performance consistentemente boa em todos os componentes tanto
dos Fundamentos de Bem Estar como de Oportunidades, com exceção de Educação Superior
(38,09, 76º).”(50)
Comparando com o conjunto dos BRICS, o relatório considera que “quatro
dos cinco BRICS fazem parte do quarto nível, inclusive Brasil 46º com um score
de 69,97, África do Sul 69º com 62,96, Rússia 80º com 60,79, e China 90º com 58,67.
A Índia fica fora dos 100 primeiros em termos de progresso social, com um score
mal superando 50. Os países da América latina estão bem representados no quarto
grupo. Argentina 42º, Brasil 46º, e Colômbia, México e Peru colocados nos
lugares 52º, 54º e 55º respectivamente”.(45)
No plano propositivo, ao comentar o Brasil, a análise sugere que “apesar
do Brasil apresentar uma performance relativamente boa no componente
Sustentabilidade do Ecossistema, precisa enfrentar questões ambientais
urgentes, tais como a redução do desmatamento essencialmente frutos da
especulação sobre o solo, da pecuária irregular, e de projetos de
infraestruturas; o controle dos gases das emissões de gases de efeito estufa
pelo setor industrial; e o acesso à eletricidade com tecnologias eficientes em
termos de custos e ambientalmente amigáveis. |O Brasil tem cerca de um terço
das florestas tropicais do planeta e pelo menos 20 por cento da biodiversidade
do planeta. #Progresso Social Brasil tem focado os seus esforços iniciais na região
amazônica.”(36)
Os dados completos por país estão nas páginas 85 e seguintes do relatório
principal. Vejam a tabela geral dos indicadores utilizados, disponível na
p. 28 do relatório principal:
Notas: No texto acima, colocamos entre parênteses as páginas do
relatório principal, e quando se trata do volume sobre metodologia, colocamos o
número da página com a menção “Met.” Os links dos documentos originais
estão abaixo. Para se documentar quanto às novas metodologias veja no blog http://dowbor.org o artigo O Debate
sobre o PIB.
IPS – Indicadores de Produtividade Social – 2014 –
Resumo no Press Release:http://www.deloitte.com/view/pt_BR/br/imprensa/532aa1d16d825410VgnVCM1000003256f70aRCRD.htm;
Relatório principa:http://www.socialprogressimperative.org/system/resources/W1siZiIsIjIwMTQvMDQvMDMvMTcvMzEvNTQvNzcyL1NvY2lhbF9Qcm9ncmVzc19JbmRleF8yMDE0X1JlcG9ydF9lXy5wZGYiXV0/Social%20Progress%20Index%202014%20Report_e%20.pdf;
Metodologia:http://www.socialprogressimperative.org/system/resources/W1siZiIsIjIwMTQvMDQvMDIvMjAvMTkvNDQvMjcyL1NvY2lhbF9Qcm9ncmVzc19JbmRleF8yMDE0X01ldGhvZG9sb2dpY2FsX1JlcG9ydC5wZGYiXV0/Social%20Progress%20Index%202014%20Methodological%20Report.pdf
NEF – New Economic Foundation, “Social Return on Investment”http://www.neweconomics.org/issues/entry/social-return-on-investment
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Ladislau Dowbor
7 de abril de 2014