Apr 04, 2014
Nos últimos meses têm surgido na mídia
internacional alguns juízos apressados e superficiais sobre um inevitável
declínio econômico dos chamados países emergentes e a sua suposta
“fragilidade”.
Os que pensam assim não compreendem
o alcance das transformações que o mundo viveu nas últimas décadas e o
verdadeiro significado do salto histórico que deram países como a China, a
Índia, o Brasil, a Turquia e a África do Sul, entre vários outros. Não percebem
que a economia desses países, além de crescer de modo extraordinário, passou
também por uma mudança de qualidade. Tornou-se mais diversificada,
eficiente e profissional. E muito mais rigorosa e prudente do ponto de vista
macroeconômico, sobretudo no que se refere às políticas fiscal e monetária. Não
levam em conta que os países emergentes, com tremendo esforço e
determinação, reduziram sistematicamente a sua
vulnerabilidade interna e externa e agora estão muito mais aptos a enfrentar as
oscilações econômicas globais. Por isso, quem os avalia por critérios superados,
de décadas atrás – os estereótipos sobre as eternas mazelas do “terceiro
mundo”– acaba subestimando a sua solidez e o seu potencial de crescimento.
Até pelos erros de avaliação
cometidos na véspera da crise de 2008, quando grandes empresas norte- americanas
e europeias à beira da falência eram consideradas por muitos analistas como
modelo de solidez e competência, penso que seria recomendável maior
objetividade nos diagnósticos e, principalmente, nos prognósticos.
Um dos principais ensinamentos a tirar
da crise, que não surgiu nas nações em desenvolvimento, mas nos países mais
ricos do planeta, é que as opiniões sobre as economias e o destino dos países
devem evitar tanto o elogio inconsistente quanto o alarmismo sem fundamento. A
busca equilibrada da verdade é sempre o melhor caminho. E isso supõe examinar
de perto, meticulosamente, sem preconceitos nem velhos clichês, a economia
real de cada país.
Os países emergentes, obviamente,
não estão nem nunca estiveram isentos de desafios. Integrados ao mercado
mundial, tem que lidar com as consequências de um maior ou menor dinamismo da
economia global. Mas hoje não dependem exclusivamente das exportações que,
apesar da crise, mantiveram um volume muito expressivo. Os países emergentes
criaram fortes mercados internos, ainda com enorme horizonte de
expansão. A retomada dos Estados Unidos e da Europa não torna essas
economias menos atrativas para o investimento estrangeiro, que continua a
chegar em grande quantidade. As economias desenvolvidas precisam, mais do que
nunca, de mercados ainda elásticos para a sua produção, e esses mercados estão
principalmente na Ásia, na América Latina e na África. Sem falar que o
crescimento norte-americano e europeu tende a favorecer o conjunto do comércio
mundial.
A queda no ritmo de crescimento dos
emergentes costuma ser exemplificada com a situação da China, que chegou a
crescer 14 por cento ao ano e hoje cresce em torno de 7%. É evidente
que, com a desaceleração dos países ricos, a China não poderia manter a mesma
velocidade de expansão. O que se esquece, porém, é que 10 anos atrás
o PIB da China era de cerca de 1.6 trilhão de dólares e hoje é de quase 9
trilhões de dólares. A taxa de crescimento é menor, mas sobre uma base
muitíssimo maior. Além disso, deixou de ser um país quase que exclusivamente
exportador, para desenvolver também o seu mercado interno, o que demanda novas
importações. Por outro lado, graças à imensa poupança e acúmulo de reservas, a
China passou a ser uma importante fonte de investimentos externos na Ásia, na
África e na América Latina.
Embora sejam economias menores do
que a China, os outros emergentes, com diferentes ritmos de crescimento – mas
sempre crescendo – também apresentam boas perspectivas.
É o caso do Brasil, que está sabendo
ajustar-se ao novo cenário internacional e tem condições concretas não só de
manter as suas conquistas econômicas e sociais, mas de continuar avançando.
Os
dados da economia brasileira falam por si. No último decênio, o Brasil
conseguiu tornar-se em vários aspectos um novo país. O PIB, que em 2003 era de
550 bilhões de dólares, hoje supera os 2.1 trilhões. Somos hoje a
sétima economia do mundo. O comércio externo passou de 119 bilhões de dólares
anuais em 2003 para 480 bilhões em 2013. O país tornou-se um dos seis maiores
destinos de investimento externo direto, recebendo 63 bilhões de dólares só no
ano passado, de acordo com as Nações Unidas. É grande produtor de automóveis,
máquinas agrícolas, celulose, alumínio, aviões; e líder mundial em carnes,
soja, café, açúcar, laranja e etanol.
Baixamos
a inflação de 12.5 por cento em 2002 para 5.9 por cento em 2013. Há dez
anos consecutivos ela permanece dentro dos limites estabelecidos pela
autoridade monetária, mesmo com a aceleração do crescimento. Reduzimos a divida
pública líquida praticamente à metade; de 60.4 por cento do PIB para 33.8 por
cento. Desde 2008, o país fez superávit primário médio anual de 2.5 por cento,
o melhor desempenho entre as grandes economias. E a Presidenta Dilma Rousseff
anunciou o esforço fiscal necessário para manter a trajetória de redução da
divida em 2014.
Com
376 bilhões de dólares em reservas, dez vezes mais do que em 2002.
Diferentemente do passado, hoje o Brasil pode lidar com flutuações externas
ajustando o câmbio sem turbulências nem artifícios.
Esses
resultados poderiam ter sido ainda melhores, não fossem os impactos da crise
sobre o crédito, o câmbio e o comércio global. A recuperação dos Estados Unidos
é uma excelente notícia, mas neste momento a economia mundial reflete a
retirada dos estímulos do FED. E, mesmo nessa conjuntura adversa, o Brasil
cresceu 2.3 por cento no ano passado, um dos melhores resultados dentre os
países do G-20 que já divulgaram os indicadores de 2013.
O
mais notável é que, desde 2008, enquanto o mundo, segundo a OIT, destruiu 62
milhões de empregos, o Brasil criou 10.5 milhões de novos postos de trabalho. A
taxa de desemprego é a menor da nossa história. Não vejo indicador mais
robusto da saúde de uma economia.
Há
uma década o país trabalha ativamente para ampliar e modernizar a sua
infraestrutura. Aumentamos a capacidade energética de 80 mil MW para 122 mil MW
e estamos construindo três hidrelétricas de grande porte. Além disso, o governo
lançou um vasto programa de concessões de portos, aeroportos, rodovias, hidrovias
e distribuição e geração de energia no valor de mais de 170 bilhões de dólares.
Recentemente estive com investidores
globais, em Nova Iorque, mostrando como o Brasil se prepara para dar passos
ainda maiores na nova etapa da economia mundial. Pude comprovar que
eles tem uma visão ao mesmo tempo realista e positiva do país e do
seu potencial de crescimento. Seguirão investindo no Brasil e, com certeza,
terão bons resultados, crescendo junto com o nosso povo.
O novo papel que os países
emergentes assumiram na economia global não é algo efêmero, transitório. Eles
vieram para ficar. A sua força evitou que o mundo mergulhasse, a partir de
2008, numa recessão generalizada. E não será menos importante para que a
economia global volte a ter um ciclo de crescimento sustentado.
(Luiz Inácio Lula da Silva é
ex-presidente do Brasil, que agora trabalha em iniciativas globais com
Instituto Lula e pode ser seguido em facebook.com/lula).