A
aspiração das pessoas é ter um plano de saúde, e não um sistema único que
funcione
Faça as contas: multiplique o valor mensal do seu plano de saúde por 12
meses e, a seguir, por cinco anos. Veja se o valor obtido não é suficiente para
comprar um carro zero. Portanto, se você, em vez de pagar um plano de saúde,
fosse usuário do Sistema Único de Saúde (SUS), trocaria de carro a cada cinco
anos. Se você não se liga em carros, poderia planejar férias para lugares mais
distantes. Se você também não gosta de viajar, poderia, simplesmente, poupar
esse dinheiro. Quem paga o plano é a sua empresa? Neste caso, ela, não tendo
que pagar o plano, poderia lhe dar um aumento de salário. O fato é que, se você
fosse cliente do SUS, teria mais dinheiro.
Então, por que não passar a usar os serviços do sistema? Sua primeira
resposta seria, provavelmente, porque não funcionam a contento. Uma resposta
indiscutivelmente certa. Para sermos honestos, os serviços privados, pagos
pelos planos de saúde, também não funcionam a contento. Basta ver o número de
reclamações que o Procon recebe relativas a planos de saúde. Mesmo não
funcionando a contento, parecem ser melhores do que o que o SUS oferece.
E por que o sistema não funciona? Será que é porque, conceitualmente, ele
está errado? Se você tiver a curiosidade de se informar sobre o modelo do SUS,
verá que ele é muito bom. Um sistema único de saúde que se propõe a ser universal
(para todos) — descentralizado, regionalizado, portanto com maior conhecimento
das necessidades de saúde das pessoas daquela região, oferecendo atendimento
integral, da prevenção à reabilitação, passando por diagnóstico precoce e
tratamento, organizado em rede hierarquizada, significando que a porta de
entrada para o sistema é o médico generalista (e não o hospital sofisticado) —
lhe parece conceitualmente equivocado? Mais, um sistema com esse desenho tem,
embutido nele, o sonho de qualquer gestor: eficiência e redução de custos. Se o
SUS é essa maravilha toda, por que não funciona?
Certamente porque é mal gerenciado. Porque existem problemas na relação
entre os governos federal, estaduais e municipais. Porque um sistema que está
baseado na municipalização em um país onde 90% dos municípios têm menos de 50
mil habitantes obrigaria a um pacto intermunicipal inviável de ser conseguido
por conta de disputas políticas. Porque os profissionais de saúde ainda são
formados com uma visão de ultraespecialistas e o generalista não é valorizado.
Não faltam porquês para explicar o mau funcionamento do SUS. Mas existe outro
porquê, sobre o qual pouco se fala.
O sistema não funciona porque uma boa parcela da população pensa que é
para os mais pobres. Tanto isso é verdade que a aspiração das pessoas é ter um
plano de saúde, e não um SUS que funcione. Aqueles que, historicamente, sempre
tiveram plano de saúde sequer imaginam que poderiam ser clientes do sistema.
Enquanto pensarmos que o SUS é para atender os mais pobres, não vamos ter um
sistema de qualidade. É preciso que cada um de nós se convença de que não só
poderia estar recebendo uma assistência de alta qualidade como, ao deixar de
pagar o plano, ter mais dinheiro no bolso.
Utopia? Sonho? Os ingleses não acham que seja sonho ou utopia. Acham que
o National Health System (NHS) deles é motivo de orgulho. Tanto que fez parte
de um dos aspectos da cultura inglesa que quiseram mostrar ao mundo, na
abertura dos Jogos Olímpicos de Londres em 2012. Enquanto isso, imaginar o SUS
como parte da apresentação da abertura dos nossos Jogos Olímpicos nos faz rir.
Deveria nos fazer pensar que, se cada um de nós que tem plano começasse a
alimentar a ideia de que um sistema único de saúde é algo viável e bom para
todos, quem sabe quando as Olimpíadas voltarem a ser no Rio, poderemos
apresentar o SUS? Só depende de nós.