The Saker |
DOMINGO, 20 DE ABRIL DE 2014
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
18/4/2014, The Saker, The Vineyard of the Saker
POR CASTOR FILHO
OK, decidi escrever mais um postado, antes de parar para o descanso de
Páscoa, porque o assunto vale a pena.
Vladimir Putin (por Maurício Porto) |
Putin disse que, dali em diante, convenceu-se de que não é possível
negociar com o Ocidente; que, simplesmente, dali em diante tratar-se-ia de
deter o Ocidente. Então, aconteceu a Síria: pela primeira vez desde o fim da
IIª Guerra Mundial, os EUA decidiram fazer algo e foram impedidos por potência
externa e do modo mais humilhante possível.
A autuação dos russos no caso da Síria foi desafio direto à hegemonia
mundial dos EUA. Foi entendida assim, claramente, em Washington; e agora,
depois da crise na Ucrânia, os russos já admitiram tudo, abertamente.
Assim sendo, eis o que realmente está em jogo na guerra civil na
Ucrânia: para os EUA, se trata de punir a Rússia por ter-se atrevido a desafiar
hegemonia mundial dos EUA; para a Rússia, se trata de deslocar essa hegemonia e
substituí-la por um sistema internacional multipolar, no qual estados soberanos
agem no limite da lei internacional.
Pode-se dizer que, apesar de até a maioria do Conselho de Segurança
ter-se oposto veementemente, a Rússia está tentando mostrar ao mundo que os EUA
não são donos da ONU; que só representam 1/5 do P5; e são só 1/15 avos do
Conselho de Segurança da ONU.
O Ocidente acocorou-se em posição de total submissão aos EUA e às suas
ferramentas de dominação sobre a Europa: a União Europeia e a OTAN. Europeus da
Europa Central até se ofereceram voluntariamente para virar protetorado dos
EUA, território à disposição para instalar sistemas de mísseis e prisões
secretas da CIA.
Com exceção do Irã e da Síria, o mundo árabe e muçulmano deixou-se vender
em liquidação, uns para os EUA, outros para a Arábia Saudita, quase tudo ao
mesmo tempo. A América Latina esforça-se muito, mas ainda depende pesadamente
dos EUA; e a África só tenta sobreviver como possa.
Quanto à Ásia, algumas partes estão entregues, como a Europa (Japão,
Coreia); outros estão tentando manter perfil discreto; e a China está
silenciosamente apoiando a Rússia, mas de modo externamente não declarado –
apesar de a China ser o país que mais tem a ganhar, dentre todos do planeta,
com uma mudança na ordem internacional.
Os russos teriam preferido esperar, ganhar tempo. Mas a decisão dos EUA,
de castigá-los pela ousadia de ter-se oposto a eles na Síria, literalmente
forçou os russos escolher entre ou render-se e encolher-se, ou aceitar
abertamente o desafio norte-americano e fincar pé.
Repito aqui mais uma vez e quantas mais precisar repetir – Putin não
teria outra escolha possível.
E agora, com tudo isso já exposto, podem todos ter certeza absoluta de
que a Rússia não está nesse jogo para voltar ao status quo ante.
Com incrível sinceridade e franqueza, ambos, Putin e Lavrov, declararam
abertamente o objetivo do que fazem. E declararam pela televisão russa (Lavrov,
no programa “Domingo à Noite com Vladimir Soloviev”; e Putin, na longa sessão
(quase quatro horas) de entrevista ao vivo pela televisão, ontem, 17/4/2014).
Então, esse é o objetivo dos russos: desalojar os EUA do papel de hegemonmundial.
E esse objetivo implica esforço muito mais longo, sustentado e maior do que
apenas forçar os doidos de Kiev a sentar à mesa de negociações.
Império Anglo Sionista (por Maurício Porto) |
Dentre outras coisas, esse
objetivo implica que a Rússia tem de:
1. Forçar os europeus a perceber o
preço escandaloso que estão pagando por serem vassalos obedientes e calados dos
EUA; e lentamente meter uma cunha entre EUA e Europa.
2. Forçar os EUA a admitir que não têm a
força militar necessária para castigar nem – e ainda menos – “mudar regime” de
todos que não agradem aos EUA.
3. Encorajar China e outras potências
asiáticas a alinharem-se abertamente ao lado da Rússia, exigindo que o Ocidente
se submeta à lei internacional.
4. Gradualmente substituir o dólar por
outras moedas no comércio internacional e assim desacelerar o ritmo no qual o
resto do planeta continua a financiar a dívida dos EUA.
5. Criar condições para que América Latina e
África consigam fazer escolhas sobre o próprio futuro e substituir o atual
monopólio que favorece o Ocidente, no que tenha a ver com definir os termos das
relações Norte-Sul.
6. Apresentar outro modelo civilizacional
que rejeita declaradamente o atual paradigma ocidental de sociedade comandada
por elites pequenas e arrogantes.
7. Desafiar a atual ordem econômica liberal
e capitalista corporificada no Consenso de Washington e substituí-la por um
modelo de solidariedade social e internacional (quem queira, pode chamar de
“socialismo do século 21”).
Todos os itens acima podem ser sintetizados numa palavra:
re-soberanização.
Desde que foi eleito, Putin mencionou várias vezes a necessidade de
re-soberanizar a Rússia. A crise ucraniana forçou-o a revelar
o objetivo final real de sua agenda: re-soberanizar todo o planeta.
É plano de ordem muito alta e exigirá muitos anos, possivelmente décadas,
até atingir o objetivo, embora eu, pessoalmente, sinta cada dia mais que a
total incompetência e a infinita arrogância dos plutocratas-1% que governam o
mundo ocidental continuarão a acelerar esse processo.
A grande pergunta agora é:
– o Império Anglo-Sionista pode seguir o exemplo do Império
Soviético e deixar-se desmontar sem, para que isso aconteça, disparar massacre
massivo e vastos banhos de sangue, enquanto despenca do alto abaixo?
Claro que haverá violência, como também houve na extinta União Soviética.
Mas se apenas conseguirmos evitar uma conflagração global ou, até, guerra em
grande escala, já se poderá considerar bem-sucedida a empreitada, porque é
quando os impérios estão desabando que eles se tornam mais imprevisíveis e mais
perigosos.
Espero ter respondido várias das perguntas postadas aqui. Muito
obrigado.
Saudações.
The Saker
P.S. Acabo de receber este vídeo incrível de uma mulher parar um
APC (tanque de guerra) em Kramatorsk (Ucrânia) com as mãos nuas. Eu acho
que ela poderia ser visto como um símbolo do que a Rússia quer fazer com o
Império Anglo-Sionista:
POR CASTOR FILHO