UM
DEBATE CADA VEZ MAIS POLARIZADO
Há vinte anos, um norte-americano
que ligasse a TV ao chegar do trabalho poderia escolher entre três jornais
quase idênticos. Desde então, o espectro se ampliou. Ao optar pela conservadora
Fox News ou pela progressista MSNBC, o espectador será exposto a leituras
radicalmente diversas da sociedade.
por Rodney Benson
Ilustração: Allan Sieber |
Em 2 de fevereiro, Bill O’Reilly, um dos apresentadores top do canal
ultraconservador Fox News, entrevistou o presidente Barack Obama. Ele reiterou
na ocasião a acusação cara a seu público segundo a qual a Casa Branca teria
mentido a respeito do assalto sangrento de setembro de 2012 contra a embaixada
norte-americana de Benghazi, na Líbia: “Seus detratores sustentam que o senhor
ocultou o fato de que se tratava de um ataque terrorista para atender às
necessidades de sua campanha eleitoral. É o que eles pensam”. Ao que o
presidente replicou: “E eles pensam isso porque pessoas como vocês dizem isso a
eles”.
Essa breve troca de palavras ilustra o poder dos meios de comunicação
abertamente parciais nos Estados Unidos, poder que aparentemente não deixa
escolha a Obama senão se prestar ao interrogatório de um militante
neoconservador. Mas ele testemunha também a influência deles sobre a opinião
pública. Segundo o escritor Gabriel Sherman, eles se tornaram “a voz mais
barulhenta da casa”,1 o que os pesquisadores Jeffrey M.
Berry e Sarah Sobieraj chamam de uma “indústria do ultraje”,2 que
tornou caducas as regras de civilidade que outrora regiam o debate público.
Para desacreditar seu adversário, todos os golpes são permitidos. A
referência ao nazismo é uma das mais apreciadas. No canal MSNBC, de tendência
social-democrata e violentamente oposto à Fox News, Ed Schultz afirma que, “se
você assistir ao [jornalista conservador Rush] Limbaugh, mas cortando o som,
ele parece Adolf Hitler” (2 mar. 2009). Já o apresentador da Fox News Glenn
Beck considerou que a turnê de Al Gore para sensibilizar os alunos do país para
a proteção do meio ambiente fazia o mundo voltar “ao tempo das juventudes
hitleristas” (5 mar. 2010).
A CNN, menos engajada, declina
O exagero invade igualmente as ondas do rádio. Um exemplo é o programa de
Limbaugh – o mais ouvido do país –, que, em 29 de fevereiro de 2012, vociferava
contra uma estudante que militava pelo reembolso da contracepção: “Ela transa
com tanta frequência que não tem mais condições de pagar sua contracepção,
então ela queria que você, eu e os contribuintes enfiássemos a mão no bolso
para que ela possa gozar! Isso faz de nós o quê? Cafetões!”.
Os meios de comunicação parciais e suas “vozes barulhentas” aceleram a
fragmentação política ou se contentam em integrá-la à sua estratégia editorial?
Em todo caso, o fenômeno não data de ontem. Ele dominou a expressão pública
norte-americana do início do século XIX à primeira metade do XX e, na
sequência, retraiu-se. O financiamento crescente da imprensa escrita pela
publicidade e o crescimento em potencial de um setor audiovisual estreitamente
regulamentado, dominado pelas três grandes redes de televisão nacionais, ABC,
CBS e NBC, impuseram um tom mais neutro e a primazia dos fatos sobre o comentário.
Considerado capaz de maximizar a audiência, o mito da objetividade jornalística
proibiu toda a aparência de polêmica parcial.
A partir dos anos 1980, a difusão dos canais a cabo colocou fim a esse
interlúdio. Enquanto apenas 8% dos lares norte-americanos tinham acesso a ela
nos anos 1970, sua proporção atingiu 50% em 1989 e 85% em 2004.3 Pouco
a pouco, o buquê hertziano com oferta limitada cedeu lugar a um número quase
infinito de torneiras de imagens – de início graças ao cabo, depois ao satélite
e por fim à internet.
O comportamento do público se modificou. Outrora, na ausência de
programas mais apetitosos, todos os telespectadores, pouco politizados,
assistiam ao jornal da noite. Atualmente, num contexto que lhes pede empenho
por todo lado, eles se voltam para os programas de diversão. Os amantes da
informação, mais raros, são recrutados sobretudo entre os cidadãos engajados
politicamente, que são também os que mais exigem um tratamento ideológico da
atualidade.
Em resumo, em 1987, a rejeição por parte do governo Reagan da “doutrina
da imparcialidade” (fairness doctrine) colocou um fim na obrigação por parte
dos difusores do audiovisual de retransmitir equitativamente as diferentes
sensibilidades políticas. A concentração aumentada dos grupos de meios de
comunicação e a pressão crescente do lucro fizeram o resto: os “nichos”
militantes, em particular de direita, atraíram os investidores e lhes
garantiram uma taxa elevada de rentabilidade. E a regra que valia para o rádio
a partir dos anos 1980 se propagou na televisão durante a década seguinte, para
finalmente invadir a internet.
Hoje em dia, sobre as ondas, os programas que martelam a doxa
neoconservadora praticamente fizeram desaparecer os programas de esquerda. O
grupo Clear Channel Communications exerce um monopólio de fato sobre a palavra
radiofônica, encarnada por saltimbancos como Limbaugh e Sean Hannity
(igualmente ativo na Fox News), que atraem cada um uma audiência semanal de
cerca de 15 milhões de pessoas.
Na TV a cabo, a informação é dominada pela Fox News, a criatura de Rupert
Murdoch e seu grupo News Corporation. Dirigida com mão de ferro por Roger Ailes
desde seu lançamento em 1995, a cadeia abriga alguns dos programas de debates
mais vistos do país, sobretudo os de O’Reilly (3 milhões de telespectadores a
cada noite). O segundo canal a cabo mais visto, o MSNBC, é fruto de uma
parceria entre a Microsoft e a NBC Corporation, de propriedade da General
Electric. Também criado em 1995, ele forjou para si ao longo dos anos 2000 uma
imagem de canal “de esquerda”, por oposição à Fox. Seus talk-shows – como o
Rachel Maddow Show (1 milhão de espectadores) e o Hardball with Chris Matthews
(750 mil) –, que nem sempre justificam essa reputação, reúnem uma audiência
muito inferior à de seu concorrente. A CNN, menos abertamente parcial,
transmite poucos debates, preferindo a informação “quente” e os documentários.
Na web, o mercado da opinião se divide entre sites moderadamente de
esquerda, como o Huffington Post, comprado em 2011 pelo grupo AOL, o Daily Kos
e o Talking Points Memo, e um enxame de blogs neo ou ultraconservadores, como o
Drudge Report, o Michelle Malkin e o Hot Air. A audiência deles, da ordem de 2
milhões de páginas consultadas por dia, ainda está longe de se igualar à do
cabo ou do rádio.
Mas, afinal, de que poder de fogo dispõem esses ferreiros da opinião
pública? Segundo Berry e Sobieraj, sua audiência acumulada se aproximaria dos
47 milhões de pessoas, mas um mesmo indivíduo pode se alimentar de várias
fontes. Outros observadores, como Markus Prior, argumentam que os usuários dos
meios de comunicação de opinião permanecem largamente menos numerosos que os
dos grandes canais de televisão: os jornais da noite da ABC, da CBS e da NBC
drenam um público duas vezes mais importante que o do O’Reilly Factor, o
programa mais popular da TV a cabo. Mesmo as informações noturnas do pequeno
canal público PBS atraem mais telespectadores (2,4 milhões) que a maior parte
dos programas da TV a cabo.
O público dos meios de comunicação militantes se caracteriza por uma
polarização crescente. Um estudo publicado em 2012 pelo Pew Research Center
indica que os telespectadores de Hannity e de O’Reilly na Fox News são duas
vezes mais numerosos para se definir como conservadores que a média da
população (respectivamente 78% e 68%, contra 35% dos norte-americanos em
geral). Na MSNBC, o programa de Rachel Maddow seduz um público composto por 57%
de simpatizantes de esquerda (os quais só representam 22% da população).
Ao mesmo tempo, o posicionamento político dos eleitores se endureceu em
todo o país. As fileiras dos “republicanos progressistas” e dos “democratas
conservadores” tornaram-se mais claras; o fosso entre os eleitores – entre os
religiosos e os seculares, os habitantes do sul profundo e do lado leste, entre
brancos e negros – também se aprofundou.4
Os meios de comunicação de opinião sem dúvida seguiram essa evolução em
vez de precedê-la. Mais do que ter radicalizado os norte-americanos, eles
permitiram aos mais politizados entre eles se confortarem em sua visão de
mundo. Esta não se alimenta somente de produtos midiáticos ideologicamente
calibrados: um estudo sobre a recepção da série Dallas nos anos 1980 mostrou
que a interpretação de cada episódio diferia sensivelmente em função da
tendência política dos telespectadores.5
Mais recentemente, os cientistas políticos Kevin Arceneaux e Martin
Johnson analisaram temas de esquerda e de direita em diferentes fontes de
informação sobre um caso que questionava o governo Obama. Eles concluíram que
os grandes jornais televisivos da rede aberta produziam os mesmos efeitos de
polarização que os comentários militantes dos canais a cabo.6 Em
outros termos, quer seja relatada de maneira neutra ou tendenciosa, uma
informação é recebida segundo os mesmos vieses.
Alimentando extremismos
Mas os meios de comunicação engajados não se limitam a estender um
espelho para suas respectivas clientelas: eles as encorajam a reformular suas
ideias numa linguagem mais virulenta, mais desprovida de complexos. É nesse
efeito de intensificação que reside seu poder. Barry e Sobieraj documentaram a
torrente de insultos, de sarcasmos e de termos grosseiros ou “ideologicamente
extremos” nos quais se anuncia a representação do inimigo político.
Daí se conclui que não somente os conservadores se exprimem de maneira
mais exagerada que seus adversários de esquerda, mas também que eles hesitam
menos em conduzir campanhas de desinformação. Após as eleições de 2010, os
telespectadores da Fox News mostravam uma nítida propensão – com uma diferença
de 31% em relação ao público dos outros canais – a partilhar a ideia fantasiosa
de que Obama não teria nascido nos Estados Unidos.7
Na arte da difamação sistemática, os meios de comunicação militantes
fazem o papel de vanguarda. Sua atitude não consiste em metamorfosear moderados
em extremistas, mas em tornar estes últimos “mais extremistas ainda”,
persuadindo-os da validade de suas crenças.8Esses
consumidores fiéis e altamente receptivos – tratados com carinho pela classe
política – vão citar em seguida suas fontes favoritas nas redes sociais. Eles
permitirão assim que certas ideias se espalhem no seio de uma população mais
ampla, contribuindo para definir a atualidade política e para mobilizar os
eleitores.
Por sua celebração do Tea Party, a Fox News aumentou a mobilização
ultraconservadora à medida que a cobria, acentuando o retorno do pêndulo que
permitiu aos republicanos reconquistar a Câmara dos Representantes nas eleições
de meio mandato de 2010. Por seu lado, a MSNBC transmitiu, com elogios sem fim,
os menores fatos e gestos dos militantes do Occupy Wall Street, contribuindo
para a popularidade do movimento. Contrariamente aos meios de comunicação
“clássicos”, os parciais suscitam a participação.
Como restaurar um nível mínimo de civilidade e de respeito aos fatos no
debate público sem, no entanto, desativar o poder mobilizador dos meios de
comunicação de opinião? Parece impossível que a “indústria do ultraje” renuncie
de bom grado aos confortáveis lucros gerados por seus excessos. A News
Corporation devia à Fox News 61% dos benefícios que ela granjeou em 2012. Mas
esses desempenhos econômicos não garantem sucesso político. Em caso de uma nova
derrota republicana na eleição presidencial de 2016, os dirigentes
conservadores e os meios de negócios podem rever suas relações com a vaca
leiteira de Murdoch.
Rodney Benson
é professor de Sociologia da New York University. Autor de Shaping
immigration news: a French-American comparison[Moldando notícias sobre
imigração: uma comparação entre França e Estados Unidos], Cambridge University
Press, 2013
1 Gabriel Sherman, The loudest voice in the room[A voz
mais alta da sala], Random House, Nova York, 2014.
2 Jeffrey M. Berry e Sarah Sobieraj, The outrage industry:
political opinion media and the new incivility[A indústria do ultraje: os
meios de comunicação de opinião política e a nova incivilidade], Oxford
University Press, Nova York, 2014.
3 Markus Prior, Post-broadcast news: how media choice
increases inequality in political involvement and polarizes elections [Notícias
pós-difusão: como a escolha da mídia aumenta a desigualdade na participação
política e polariza as eleições], Cambridge University Press, Nova York, 2007.
4 Alan I. Abramovitz, The polarized public? Why American
government is so dysfunctional[O público polarizado? Por que o governo
norte-americano é tão disfuncional], Pearson, Londres, 2013.
5 Elihu Katz e Tamar Liebes, The export of meaning:
cross-cultural readings of “Dallas” [A exportação de significado:
leituras transculturais de Dallas], Polity, Cambridge, 1994.
6 Kevin Arceneaux, “Why you shouldn’t blame polarization on
partisan news” [Por que você não deveria culpar as notícias parciais pela
polarização], The Washington Post, 4 fev. 2014.
7 David Brock, Ari Rabin-Havt e Media Matters for America, The
Fox effect. How Roger Ailes turned a network into a propaganda machine[O
efeito Fox. Como Roger Ailes transformou uma rede numa máquina de propaganda],
Anchor Books, Nova York, 2012.
8 Matthew Levendusky, How partisan media
polarize America [Como os meios de comunicação parciais polarizam os
Estados Unidos], University of Chicago Press, 2013.