Ucrânia, a Europa e o gás
Vladimir Putin, com a carta na mão em 10/4/2014 |
President Vladimir Putin´s letter to leaders of European countries.Full text
10/4/2014,
publicada em ITAR-TASS, matéria de Alexei Druzhinin
Traduzido pelo
pessoal da Vila Vudu
POSTADO
POR CASTOR FILHO
A economia da
Ucrânia nos últimos vários meses está despencando. Os setores industrial e de
construção também estão em rápido declínio. O déficit em orçamento está
aumentando. A condição do atual sistema monetário torna-se mais deplorável a
cada dia. A balança comercial negativa vem acompanhada da fuga de capitais, que
deixam o país. A economia da Ucrânia caminha a passos acelerados para o calote,
parada na produção e desemprego explosivo.
A Rússia e
estados-membros da União Europeia são os maiores parceiros comerciais da
Ucrânia. Considerando isso, na Cúpula Rússia-UE, no final de janeiro, chegamos
a um acordo com nossos parceiros europeus, para realizar consultas sobre a questão
de desenvolver a economia da Ucrânia, tendo em mente os interesses da Ucrânia e
dos nossos países, e formando alianças de integração com a participação da
Ucrânia. Mas os muitos esforços da Rússia para dar início ao processo de
consultas reais levaram a nada, sem produzir qualquer resultado.
Em vez de
consultas, só ouvimos apelos para reduzir preços fixados em contrato para o gás
natural russo – preços que teriam características “políticas”. Fica-se com a
impressão de que os parceiros europeus querem culpar unilateralmente a Rússia
pelas consequências da crise econômica na Ucrânia.
Desde o primeiro
dia de vida da Ucrânia como estado independente, a Rússia apoiou a estabilidade
da economia ucraniana, fornecendo gás natural a preços fortemente reduzidos. Em
janeiro de 2009, com a participação da então premier Yulia Timoshenko, foi
assinado um contrato de compra e venda para fornecimento de gás natural para o
período de dez anos, de 2009 a 2019. O contrato regulava questões relacionadas
à entrega e ao pagamento do produto, e também dava garantias de trânsito
ininterrupto pelo território da Ucrânia.
Mais importante
que tudo isso, a Rússia continua a cumprir tudo que aquele contrato ordena,
tanto pela letra como pelo espírito daquele documento.Coincidentemente, o Ministro do
Combustível e da Energia da Ucrânia naquele momento era Yuriy Prodan – que
mantém posto similar no atual governo de Kiev.
Volume total de gás russo consumido pela Europa |
O volume total
de gás entregue à Ucrânia, como estipulado no contrato, no período de 2009-2014
(primeiro trimestre), está em 147,2 bilhões de metros cúbicos.
Quero enfatizar
que a fórmula de preço fixada no contrato NÃO foi alterada desde a assinatura
até o presente momento. E a Ucrânia, até agosto de 2013, fez pagamentos
regulares pelo gás natural comprado, conforme aquela fórmula.
Mas o fato de
que, depois da assinatura daquele contrato, a Rússia garantiu à Ucrânia uma
considerável quantidade de privilégios sem precedentes e descontos no preço do
gás natural é completamente outra questão. Falo aqui do desconto decorrente do
Acordo de Carcóvia-2010, dado como pagamento antecipado de futuros pagamentos
pelo aluguel da área na qual se instala a Frota Russa no Mar Negro, que serão
devidos depois de 2017. Falo também dos descontos nos preços do gás natural
comprado por empresas químicas ucranianas. Falo também do desconto concedido em
dezembro de 2013, para durar três meses, concedido como tentativa de ajudar a
aliviar a situação crítica da economia da Ucrânia. Contados a partir de 2009, a
soma total desses descontos
chega a 17 bilhões de dólares norte-americanos.A esse total, devem-se
somar outros 18,4 bilhões de dólares norte-americanos, também devidos pelo lado
ucraniano, como multa mínima prevista em contrato.
Desse modo,
durante os últimos quatro anos, a Rússia tem estado subsidiando a economia da
Ucrânia, fornecendo-lhe gás natural com redução de 35,4 bilhões de dólares nos
preços. Além de tudo o mais, em dezembro de 2013, a Rússia concedeu à Ucrânia
um empréstimo de 3 bilhões de dólares norte-americanos. São somas muito
significativas, dirigidas ao objetivo de manter a estabilidade e a
credibilidade da economia da Ucrânia, e de preservar empregos. Nenhum outro
país deu ajuda sequer semelhante à economia ucraniana: só a Rússia.
O que fizeram os
parceiros europeus? Em vez de oferecer real apoio à Ucrânia, fala-se agora de
uma “declaração de intenção” (de ajudar). Só promessas, sem qualquer ação que
lhes dê amparo. A União Europeia está usando a economia da Ucrânia como fonte
de grãos, de metais e de recursos minerais e, ao mesmo tempo, como mercado ao
qual vender commodities de alto valor agregado, compradas
prontas (máquinas e químicos), e assim estão criando um déficit na balança
comercial ucraniana que já chega a mais de 10 bilhões de dólares
norte-americanos. São quase dois terços de todo o déficit da Ucrânia em 2013.
Em considerável
medida, a crise na economia da Ucrânia foi precipitada pelo desequilíbrio
comercial com estados-membros da União Europeia; e esse desequilíbrio, por sua
vez, teve agudo impacto negativo na capacidade da Ucrânia para cumprir suas
obrigações contratuais e pagar pelo gás natural que a Rússia lhe vendia.
A empresa
Gazprom não tem qualquer intenção nem qualquer plano de criar ou impor outras
condições além das já estipuladas no contrato de 2009. O mesmo se aplica ao
preço contratual pelo gás natural, calculado em estrita consideração à fórmula
acordada.
Mas a Rússia não
pode carregar e absolutamente não carregará unilateralmente todo o peso de
apoiar a economia da Ucrânia com descontos e perdão de dívidas, nem pode admitir e não
admitirá que os subsídios que a Rússia dá à Ucrânia sejam usados, não para
fortalecer a economia ucraniana, mas para pagar contas aos estadociaiss membros
da União Europeia.
A dívida da NAK
Naftogaz Ucrânia por gás entregue só fez crescer, mês a mês, em 2014. Em
novembro-dezembro de 2013, a dívida estava em 1,451 bilhão de dólares
norte-americanos; em fevereiro de 2014 aumentou outros 260,3 milhões; e em
março, outros 526,1 milhões de dólares norte-americanos. Quero chamar a atenção
de todos para o fato de que, em março, ainda se fez preço com descontos, i.e.,
268,5 dólares norte-americanos por 1.000 metros cúbicos de gás. Pois mesmo com
esses preços, a Ucrânia
não pagou sequer um dólar.
Nessas
condições, nos termos dos artigos 5.15, 5.8 e 5.3 do contrato válido e vigente,
a empresa Gazprom vê-se forçada a exigir pagamento antecipado por gás a ser
fornecido e, no caso de acontecerem novas violações às cláusulas das condições
de pagamento, a empresa será forçada a cessar, completamente ou parcialmente,
as entregas de gás. Em outras palavras, só será entregue à Ucrânia o volume de
gás que estiver pago com antecedência de um mês [da data da entrega].
Não há qualquer
dúvida de que essa é medida extrema. Sabemos perfeitamente que essa medida
aumenta o risco de que cesse o fluxo de gás natural que passa por território
ucraniano a caminho dos consumidores europeus. Sabemos também que a medida que
estamos tomando pode tornar ainda mais difícil para a Ucrânia armazenar o gás
necessário para uso no próprio país no próximo outono-inverno. Com vistas
a garantir o trânsito
ininterrupto, será necessário, no futuro próximo, fornecer 11,5 bilhões
de metros cúbicos de gás, a ser bombeado para os depósitos subterrâneos na
Ucrânia; esse fornecimento acontecerá mediante pagamento de cerca de 5 bilhões
de dólares norte-americanos.
O fato de que os
parceiros europeus abandonaram unilateralmente todos os esforços organizados
para resolver a crise ucraniana, e de que se negam também a manter conversações
com o lado russo, deixa a Rússia sem alternativa.
Só há um modo de
sair da situação que foi criada.
Os russos
entendemos que é vitalmente necessário manter, sem mais demora, consultas no
nível dos Ministros da Economia, Finanças e Energia, para construir ações
comuns para estabilizar a economia da Ucrânia e garantir a entrega e o trânsito
de gás natural russo, conforme os termos e as condições firmadas em contrato.
Não há tempo a perder na direção de coordenar providências. E é nesse sentido
que apelamos aos nossos parceiros europeus.
Desnecessário
repetir que a Rússia está preparada para participar no esforço para estabilizar
e restaurar a economia da Ucrânia. Mas não unilateralmente e, sim, em igualdade
de condições com nossos parceiros europeus. É essencial também levar em
consideração os investimentos, contribuições e gastos que a Rússia suportou
sozinha, por tanto tempo, para apoiar a Ucrânia. Pelo nosso modo de ver, essa é
a única abordagem justa e equilibrada. E só a abordagem justa e equilibrada
pode se bem-sucedida.