A história não contada da frase mais perigoso da história dos EUA
Por Gregory D. Johnsen, do
BuzzFeed#GuerraAoTerror
27.01.14
Nazih Abdul-Hamed al-Ruqai, conhecido por seu pseudônimo Abu Anas al-Libi, um líder da al-Qaeda ligado aos
atentados às embaixadas 1998
no leste da África. FBI
/ AP Photo
Conheça a história da curta
Autorização para Uso de Força Militar, que há mais de uma década serve como
base legal às operações secretas dos EUA pelo mundo
Ainda faltava uma hora para o sol
nascer quando Nazih al-Ruqai entrou em sua SUV Hyundai preta for a, da mesquita
ao norte de Trípoli, capital da Líbia, e girou a chave. O homem franzino de 49
anos tinha saído de casa 30 minutos antes para uma ida rápida à mesquita no
sábado. Era 5 de outubro de 2013 e depois de duas décadas de exílio, ele tinha
adotado uma rotina tranquila de rezas e devoção.
A volta pra casa nunca foi fácil.
Ruqai, que é mais conhecido no mundo jihadista como Abu Anas al-Libi, ainda
sentia os sintomas da hepatite C que havia contraído anos antes, quando cumpria
pena numa prisão subterrânea no Irã. Sua mulher e filhos tinham voltado para a
Líbia em 2010, após uma oferta do governo de Muammar al-Gaddafi. Mas Libi ficou
fora, ressabiado com o homem que uma vez planejou matar. Ele voltou apenas
quando os levantes líbios começaram, no início de 2011. Mas então já era tarde
demais. Seu filho mais velho, Abd al-Rahman, o único de seus cinco filhos
nascido na Líbia, fora morto enquanto lutava na capital.
Depois disso, as coisas se deram
num vai e volta. Qaddafi foi morto semanas depois em outubro de 2011, e Libi
finalmente se estabeleceu em Nufalayn, uma vizinhança de classe média
arborizada no norte de Tripoli, junto com muitos membros de sua extensa
família. A vida depois de Qaddafi era caótica e bagunçada – nada funcionava
enquanto o novo governo pelejava em começar tudo de novo depois de 43 anos de
ditadura, geralmente estando sob o jugo de milícias e tribos fortemente armadas
que contribuíram com a queda de Qaddafi.
Libi era um homem caçado.
Estivera na lista de mais procurados do FBI por mais de uma década, pelo seu
suposto papel nos ataques da al-Qaeda às embaixadas americanas do Quênia e da
Tanzânia em 1998. Junto com Libi, o indiciamento listava outros 20 indivíduos,
incluindo Osama bin Laden e Ayman al-Zawahiri.
“Ele suspeitava que seria morto a
qualquer momento”, disse seu filho ao New York Times. Mesmo assim, naquela
manha de sábado, a maioria do perigo parecia ter passado. Havia aproximadamente
um ano que Libi vivia em público, recebendo fiéis e resolvendo disputas locais;
seu histórico como combatente e seu conhecimento do Corão fizeram dele um árbitro
respeitável. Os vizinhos o chamavam simplesmente de “o shaykh”, um sinal de
respeito nos meios conservadores por onde Libi ainda trafegava.
Libi também queria resolver seu
passado. De acordo com um relatório, três semanas antes, em 15 de setembro,
sentou-se com o procurad0r-geral da Líbia para discutir seu processo. (A
embaixada líbia em Washington não respondeu aos repetidos pedidos de
confirmação desta reunião). Mais que tudo, ele queria seguir com sua vida:
havia se candidatado ao seu antigo emprego no Ministério de Óleo e Gás, e não
parava de falar sobre como estava ansioso em ser avô pela primeira vez.
Porém, por volta das 6 horas da
manhã, três carros encerraram com tudo isso.
Dentro do apartamento da família,
a esposa de Libi ouviu a comoção na rua. Da janela, olhou para a rua onde
vários homens tinham cercado seu marido, que ainda estava no banco do
motorista. “Saia!”, os homens gritaram em árabe. “Saia!”, e quebraram o vidro.
A maioria estava de máscara, mas ela pode ver alguns rostos. Eles pareciam
líbios e soavam como líbios. Alguns tinham armas, outros não, mas todos se
moveram muito rápido.
Na hora em que o resto da família
chegou à rua, tudo que encontraram foi um pé de sandália e algumas gotas de
sangue.
Mais cedo, naquela mesma manhã, a
aproximadamente 3 mil milhas de distância, na orla da cidade de Baraawe, costa
leste da Somália, um grupo de SEALs da Marinha americana se esgueirou pela
escuridão rumo ao seu alvo, que um residente local mais tarde descreveria como
um complexo murado a cerca de cem metros da costa. (Ali mesmo, quatro anos
antes, em setembro de 2009, um contingente de SEALs emboscara um comboio de
dois carros fora da cidade. Voando baixo em helicópteros militares, os SEALs
rapidamente neutralizaram os carro e então pousaram para coletarem os corpos).
Desta vez o alvo era estacionário
– Abd al-Qadir Muhammad Abd al-Qadir, um jovem queniano de origem somaliana
melhor conhecido como Ikrima. Os SEALs iriam agarrá-lo. A análise anterior ao
ataque sugeria que o complexo abrigava majoritariamente militants, e haviam
poucos civis, ou nenhum. A apenas 130 milhas ao sul da capital, Baraawe estava
sob o controle do al-Shabaab, um grupo militante fragmentado, desde 2009.
Guerrilheiros iam e vinham livremente enquanto a al-Shabaab implantava sua
própria visão estreita da lei islâmica na cidade.
Movendo-se sobre a praia dentro
de território inimigo, os SEALs usariam do elemento surpresa. Além das árvores
e da restinga a frente deles, a cidade estava escura. Baraawe tinha apenas
algumas horas de eletricidade diárias, geralmente entre a reza noturna e a meia
noite. Mas os membros da al-Shabaab viviam separadamente e, como os habitantes
mais ricos da cidade, contornavam a escassez por meio de geradores privados. O
plano daquela noite levava isso em conta, e os SEALs sabotaram sinais de
internet, aparentemente numa tentativa de cortar a comunicação assim que o
assalto começasse. Mas isso se mostraria um engano.
Dentro do complexo, alguns
guerrilheiros do al-Shabaab estavam acordados e conectados. De acordo com
reportagem do Toronto Star, quando a internet repentinamente caiu no meio da
noite, eles procuraram a origem do problema. Pelo menos um guerrilheiro saiu, e
enquanto andava na escuridão avistou alguns SEALs.
O plano de derrubar a internet e
isolar os guerrilheiros saiu pela culatra, e soou como um aviso ao al-Shabaab;
nos dias após o ataque, o al-Shaabab prendeu um punhado de homens locais que
sabidamente visitavam sites ocidentais, acusando-os de espionar e ajudar os
americanos.
A troca de fogo durou muitos
minutos, e membro do al-Shabaab descarregaram suas armas na escuridão durante
horas depois dos americanos baterem em retirada de mãos vazias.
No espaço de poucas horas, os
Estados Unidos lançaram dois ataques – um exitoso, outro não separados por 3
mil milhas, em nações com as quais não está em guerra. Pouquíssimos notaram
isso.
A ORIGEM
Doze anos depois dos ataques de
11 de setembro de 2001, é assim que se dá a guerra dos Estados Unidos: com
ataques silenciosos e assaltos sombrios. O Congressional Research Service, um
ramo analítico da Biblioteca do Congresso americana, recentemente relatou ter
localizado pelo menos 30 ocorrências similares, embora o número de ações
encobertas provavelmente seja muitas vezes maior, incluindo ataques por drones (veículos
aéreos não tripulados) e outras operações secretas. Assim, o
extraordinário tornou-se comum.
A Casa Branca declarou que ambas
as operações, da Líbia e da Somália, seguiam a autoridade que lhes é conferida
pela Autorização para Uso de Força Militar, uma peça de legislação de 12 anos
de idade que foi rascunhada nas primeiras horas após os ataques do 11 de
setembro. No cerne da autorização está uma única frase de 60 palavras, que
estabeleceu a base legal para quase toda operação contraterrorista que os EUA
conduziram desde o 11 de setembro.
Da Baía de Guantanamo e ataques
com drones até rendições secretas e assaltos dos SEALs; tudo se baseia nessas
60 palavras.
Sem limites de tempo ou de
espaço, a frase tem sido comprimida e expandida ao longo da última década,
permitindo novos significados e interpretações. Dois governos sucessivos
pretendem se manter atentos a uma ameaça em evolução enquanto simultaneamente
buscam a segurança nacional. No processo, uma frase que inicialmente foi
pensada para autorizar o uso da força contra a al-Qaeda e o Talibã no
Afeganistão agora é usada para justificar operações em vários países por vários
continentes e, pelo menos teoricamente, pode permitir o presidente – qualquer
presidente – ataque qualquer lugar a qualquer momento.
O que foi escrito em alguns dias
de medo, agora comanda anos de ações.
Como a maioria das histórias
modernas da América em guerra, esta história começa sob a sombra do 11 de
setembro, com um advogado e um documento de Word.
O ADVOGADO E SEU ASSESSOR
Cerca de 24 horas depois do voo
175 da United se chocar contra a torre sul do World Trade Center, às 9:03 da
manhã de 11 de Setembro, Alberto Gonzalez, o conselheiro da Casa Branca, chamou
um de seus assessores em seu escritório.
Os EUA não sabiam com certeza o
que estava por trás dos ataques ou quantas pessoas haviam morrido. A CIA
cogitava ser a rede da al-Qaeda, de Osama bin Laden, e um relatório estimava o
número de mortos em mais de 5 mil. Apenas uma dessas hipóteses era verdade.
Mas, naquele primeiro dia, a única coisa que todo mundo sabia com certeza era
que os EUA tinham sido atacados. E tinham que responder.
Gonzales então delegou uma parte
fundamental da tarefa a Timothy Flanigan, um advogado grisalho e um pouco
barrigudo de 48 anos com antecedentes no direito empresarial. Ele queria que
seu assessor rascunhasse a resolução parlamentar que autorizaria o presidente a
perseguir os responsáveis.
Flanigan ouviu às instruções, mas
sentiu-se alheio. Ele havia assessorado Warren Burger nos últimos anos do ministro
da Corte Suprema, entre 1985 e 1986, mas a maioria dos casos se focavam em leis
anti-truste e regulação de livrarias, não em segurança nacional ou guerra. No
entanto, ele pelo menos sabia por onde começar, afinal o Congresso já tinha uma
longa história de autorização do uso da força. O que ele precisava era de um
precedente.
Depois de uma rápida procura na
rede, Flanigan descobriu quando o Congresso dera autorização para o presidente
atacar militarmente pela última vez: a Autorização para Uso de Força Militar
contra o Iraque, em 1991. Então, segundo o livro “500 days”, de Kurt
Eichenwald, ele copiou e colou o texto daquela resolução em um novo documento.
Depois, Flanigan chamou David
Addington, um homem reservado e ranzinza do escritório do vice-presidente Dick
Cheney. Addington começara sua carreira como advogado na CIA e tinha um tato
melhor para os problemas em questão. Outro oficial mais apropriado para o caso
era John Yoo, um professor de Direito de Berkeley de 34 anos que assegurara um
posto na Casa Branca de Bush por causa de seus criativos argumentos legais no
caso Bush vs Gore, um ano antes. Juntos, os três forjaram um primeiro projeto
da resolução, que enviaram aos líderes do congress, por fax, naquela mesma
noite.
Quase ninguém gostou da oferta
inicial de Flanigan. Todos estavam sobrecarregados, e caças ainda patrulhavam
os céus de Washington, mas o Congresso não estava pronto para dar ao presidente
George W. Bush um cheque em branco para perseguir um inimigo indefinido.
Assim, em uma reunião dos
democratas no Capitólio, muitos partidários reclamaram que o vocabulário era
amplo demais. Os republicanos tinham a mesma preocupação: um trecho do texto de
Flanigan autorizava o presidente a “usar toda força necessária e apropriada”
tanto nos Estados Unidos quando no exterior. “O que exatamente isso
significa?”, oficiais perguntaram. “O presidente Bush poderia usar o
exército nacionalmente? E a CIA?”. Ninguém parecia saber.
Flaingan e Yoo passaram, então,
boa parte da quinta-feira, 13 de setembro, levando o curto texto para membros
do Congresso assustados e privados de sono. Em um dos encontros, no Salão
Roosevelt, os ânimos se exaltaram enquanto Flanigan e Yoo tentavam defender sua
proposta. No dia anterior, o líder da maiora no senado, Tom Daschle, alertou o
presidente Bush a ser cuidadoso com sua retórica, particularmente com o uso da
palavra “guerra”. Sua equipe passou então a pedir que a resolução tivesse o
mesmo linguajar da Resolução de Poderes de Guerra, aprovada pelo Congresso na
véspera da Guerra do Vietnã como uma forma de checar os poderes ao presidente
de declarar guerra unilateralmente.
Apertados em volta de uma longa
mesa de madeira diante de com um retrato de Theodore Roosevelt com o uniforme
da Primeira Cavalaria durante a Guerra Hispano-Estadunidense, os dois lados
partiram para o trabalho. No meio da reunião, uma dos assessores do senador
Patrick Leahy retornou à linguagem da Resolução de Poderes de Guerra, que já
havia sido debatida à mesa diversas vezes. Aquele era um entrave.
Nada estava acertado, e a
frustração em volta da mesa crescia. Finalmente, Scott Palmer, chefe de
gabinete do presidente da Câmara, Dennis Hastert, falou: “Não temos tempo para
isso!”.
Palmer, um homem de 50 anos, via
seu papel na reunião como um mediador e um incentivador. Seu chefe era o
segundo na ordem de sucessão presidencial, e ele estava convencido de que os
EUA seriam atingidos de novo. A discussão no salão Roosevelt estava travada por
burocracia legislative, quando o país necessitava de ação.
“Vamos fazer um seminário no
próximo mês”, Palmer sugeriu. O tom de sua voz se devia à crença de que fora
exatamente esse tipo de pensamento estreito que levou à muralha de inteligência
nos anos anetriores ao ataque (Nota do tradutor: o autor fala sobre a falta de compartilhamento
de informações entre as diversas agências de segurança e defesa americanas. A
maior expressão disso é a investigação do FBI sobre Osama bin Laden quando a
CIA já sabia que a al-Qaeda estava presente em solo americano).
Mas naquele momento a missão não
era atacar erros passados, e sim dar ao presidente a abertura que ele
necessitava para ir em busca dos responsáveis.
O rompante de Palmer deu fôlego à
reunião. Quando o encontro acabou, um oficial da Casa Branca disse. “Obrigado
por isso. Poderíamos ter ficado aqui a noite toda”.
OS CONGRESSISTAS
Mais tarde, naquela mesma noite,
a Casa Branca e o Congresso tinham uma espécie de projeto em andamento. Eles
inclusive acharam um consenso para uma das frases mais vergonhosas, que daria
ao presidente a autoridade “de dissuadir e antecipar-se a qualquer ato futuro
de terrorismo e agressão contra os Estados Unidos”.
Juristas do Congresso apontaram
que a cláusula daria poderes sem precedentes ao presidente, permitindo que ele
atacasse qualquer um, em qualquer lugar do mundo, a qualquer hora. Um deles
inclusive argumentou que dadas as atividades em potencial que circundariam a
palavra “agressão”, o presidente talvez nunca mais teria que pedir autorização
ao Congresso para combater o terrorismo. Poderia simplesmente apontar alguém
que considerasse uma ameaça e dizer que estava se antecipando aos terroristas.
O Congresso realmente queria permitir um poder tão indeterminado e amplo?
Flaning e Yoo concordaram em
remover a cláusula, mas sob a condição que eles colocariam algo similar na
sessão de casuísmos da resolução. Convencidos de que aquilo era o máximo que
conseguiriam, e confortados pelo fato de a sessão de casuísmo não carregar
tanto peso legal – ela existia apenas para dar contexto para a resolução –os negociadores
democratas concordaram.
Então levaram o projeto revisado
– cinco cláusulas de casuísmos, o corpo de 60 palavras, e a seção de Poderes de
Guerra – de volta para o porão do Capitólio, para uma segunda conferência
democrata do dia. Horas antes, uma ameaça de bomba forçou o Capitólio a ser
fechado por 45 minutos, enquanto a segurança vasculhava o prédio. Amontoados no
gramado do lado de fora, em sapatos e ternos desenhados para corredores e
escritórios, os congressistas tentavam manter a compostura. Mas, como o resto
do país, eles queriam revidar.
“Que bombardeiem eles até o
inferno”, dissera o senador democrata pela Georgia, Zell Miller, ao The New
York Times um dia antes. “Se houver um dano colateral, que seja. Eles
certamente acharam nossos civis dispensáveis”.
Mas nem todo mundo tinha tanta
certeza. Barbara Lee, uma congressista de cabelo curto preto e a voz rouca de
toda uma vida de ativismo, ficou em silêncio durante a primeira conferência. Já
tinha gente suficiente falando e ela, enquanto congressista pelo segundo
mandato da liberal São Francisco, na Califórnia, era relativamente novata. Mas
então, enquanto o apoio à resolução parecia ganhar força, ela decidiu falar.
Lee sabia que sua posição seria
impopular, mas ela já tinha sido impopular antes. Quando criança em El Paso, no
Texas, durante os anos 1950, sua mãe a mandou para uma escola católica. Mais
tarde, quando era estudante colegial, quebrou as barreiras raciais tornando-se
a primeira cheerleader negra da escola.
“Isso ainda é um cheque em branco”,
ela disse. Os rostos que a olhavam de volta pareciam carrancudos e reflexivos,
mas Lee podia sentir a torrente de raiva correndo a sala. “Vamos dar um passo
atrás”, ela clamou. “Não sabemos quais serão as implicações de nossas ações”.
Alguma cabeças começaram a menear
enquanto ela falava, e logo que ela sentou vários outros membros levantaram
suas preocupações sobre os perigos inerentes a tal resolução.
Mas, no final da reunião, estava
claro qual seria o teor da resolução –uma única frase de 60 palavras:
“Que o Presidente está autorizado
a usar toda força necessária e apropriada contra aquelas nações, organizações
ou pessoas que ele determinar ter planejado, autorizado, engajado ou ajudado
nos ataques terroristas que ocorreram em 11 de setembro de 2001, ou que tenham
abrigado tais organizações ou pessoas, com fim de prevenir futuros atos de
terrorismo internacional por tais nações, organizações ou pessoas.”
Assim foi. Depois de um dia de
negociações entre a Casa Branca e o Congresso, republicanos e democratas, isto
foi o que surgiu. O Congresso poderia aceitar ou dispensar isso. Não
haveria volta atrás.
Lee passou a maioria da noite ao
telephone. O Congresso estava avançando com a resolução, e ela querea ter noção
de como seu distrito na Califórnia estava pensando. “Eu não acredito nisso”,
dizia ao telefone. “Eu estou perdendo algo?”, nenhum dos amigos tinha uma
resposta. Eles podiam dizer o que ouviam na Califórnia. Masninguém queria
dar-lhe um conselho. Era seu voto, e a decisão tinha que ser sua.
O Senado agiu primeiro. Logo cedo
na manhã de sexta-feira, o líder da minoria, Trent Lott, foi até Daschle com
uma demanda: os republicanos em sua bancada estavam ficando impacientes. A Casa
Branca dizia para aliados no Congresso que a resolução estava pronta. Mas
três dias após os ataques, os membros de Lott estavam cansados de esperar.
Queriam ação.
Se Daschle queria que o Senado
fosse uníssono, ele deveria convocar uma votação. De outra forma, Lott disse a
ele, alguns republicanos poderiam começar a agir. Geralmente a votação de algo
desta natureza começava na Casa dos Representantes antes de passar pelo Senado
e ir ao presidente. O protocolo já estava fora de ordem. Daschle concordou com
a avaliação de Lott e quando o Senado voltou em sessão às 10h16 da manhã de
sexta, ele já estava com a resolução.
“Deixem me dizer antes de ler
esta demanda…”, Daschle disse, enquanto mexia com seus óculos de leitura, “…o
quanto eu aprecio, mais uma vez, a liderança de nosso líder republicano”.
Olhando de relance do outro lado do corredor onde Lott estava em pé, na Câmara
meio vazia, Daschle continuou: “Nós não poderíamos estar onde estamos hoje,
este país ou esta instituição, sem a forte parceria e liderança que ele tem
mostrado”.
A Casa Branca havia organizado um
culto na Catedral Nacional para meio dia, e num esforço de poupar tempo,
Daschle pediu que os senadores votassem desde suas mesas: o dia estava horrendo
e chuvoso, e eles tinham um trajeto de 15 minutos até o subúrbio. “Queremos
entrar nos ônibus o mais rápido possível após esta votação”, Daschle disse aos
colegas. “Estarão logo abaixo das escadas”.
Carl Levin, um robusto senador de
67 anos do Michigan colocou seu óculos quadrados sobre o nariz e dirigiu-se ao
plenário. “Esta autorização para o uso de força é limitada às nações,
organizações ou pessoas envolvidas nos ataques terroristas de 11 de setembro”,
disse. “Não é uma autorização ampla para o uso de força militar contra qualquer
nação, organização ou pessoa não envolvidas nos ataques terroristas de 11 de
setembro”.
Mais tarde, o colega democrata de
Levin, Joe Biden, passou para o The New York Times sua interpretação do que o
Senado havia aprovado. A presente resolução, alegou Biden, não era nada como a
Resolução do Golfo de Tonkin de 1964, que foi usada para justificar a escalada
militar no Vietnã por quase sete anos até ser revogada em 1971.
O Senado, Biden e democratas
experientes como John Kerry sugeriram ter aprendido esta lição. Ninguém queria
outro Vietnã. É por isso, afinal, que eles insistiram que Flanigan e Yoo
adicionassem o texto dos Poderes de Guerra. Mas, na pressa de elaborar e votar
a resolução, ninguém teve como inserir um limite de tempo para esse uso da
força militar.
A autoridade legal que o
Congresso cedia ao presidente duraria até o Congresso recolhê-la. Não havia
data limite, apenas uma sentença vaga e a ampla autoridade de “usar toda força
apropriada e necessária”.
Em 14 de setembro de 2001,
ninguém sabia como que a guerra iria eventualmente acabar; apenas que ela
precisava ser começar.
ORAÇÃO E DILEMA DE UMA
DEMOCRATA
Assim como Daschle esperava, a
votação acabou em poucos minutos. Todos os 98 senadores presentes votaram a
favor e Jesse Helms, que esteve preso no trânsito na maioria daquela manhã,
mais tarde esteve no plenário do Senado para dizer a seus colegas que ele teria
votado “sim”. Apenas Larry Craig, de Idaho, não votou nem justificou sua
ausência.
Do outro lado do prédio, no
vestiário democrata, Lee ainda se debatia com seu voto. Ela já tinha desistido
de passar no memorial. A votação estava agendada para o sábado, e ela
queria passar o dia fazendo ligações e pensando no que fazer.
Enquanto todos estavam se juntado
para entrar no ônibus, Lee tomava um refrigerante de gengibre em lata e papeava
com Elijah Cummings, um próximo de Maryland. “Você vai?”, Cummings perguntou.
“Bem”, Lee hesitou. “Eu acho que vou ficar”. Porém, no mesmo momento, ela soube
que tinha que ir. Tinha de estar presente. “Sabe de uma coisa? Eu vou”.
Dentro da catedral neo-gótica na
Avenida Wisconsin, Lee achou um lugar à esquerda, muitas fileiras atrás do
grupo de ex-presidentes. Pelos 30 minutos seguintes, enquanto a igreja
lentamente se enchia, ela sentou quieta ouvindo o órgão e rezando. Umas poucas
pessoas choravam, e muitas sussurravam suavemente um cochicho apagado, que
podia ser ouvido entre os hinos.
A reveranda Jane Holmes Dixon
começou o culto com uma leitura rápida e uma oração. O próximo orador, Nathan
Baxter, um padre de terceira geração e reitor da catedral, adotou um roteiro
similar, lendo o trecho de Jeremias 31:15 : “Ouve-se uma voz em Ramá,
lamentação e amargo choro; é Raquel, que chora por seus filhos e recusa ser
consolada, porque os seus filhos já não existem”.
O alto padre afro-americano
pausou rapidamente e olhou a catedral escurecida enquanto passava o texto de
Jeremias para suas próprias palavras. “Agora vamos procurar esta certeza na
oração”, ele disse vagarosamente, em um tom propositalmente grave. “Que
enquanto nós agirmos, não nos tornemos o mal que deploramos”.
“É isso!”, Lee pensou em seu assento.
Por mais de 24 horas, ela tinha procurado por um motivo para votar “não”. Em
seu coração, sabia que era o certo a votar, mas ela não esteve apta a articular
como. As palavras de Baxter fizeram isso por ela: “Que enquanto nós agirmos,
não nos tornemos o mal que deploramos”.
Ela estava tão furiosa e
fragilizada quanto qualquer um. Seu chefe de gabinete perdeu um sobrinho quando
o voo 93 caiu na Pensilvânia. Mas queria uma resposta adequada, não um cheque
em branco para uma guerra perpétua. Outra coisa a incomodava ali: muitos dos
oradores pareciam mais focados na retaliação que na memória dos mortos. “Esse
era para ser um culto memorial”, Lee pensou. “Não um culto de corrida para a
guerra”
Parte da tônica era deliberada. O
presidente Bush e seus assessores queriam lançar uma nota de repúdio. Em suas
próprias palavras, Bush deu voz à atitude que definiria sua administração.
“Apenas três dias se passaram destes eventos, os americanos não possuem a
distância da história”, ele disse no átrio da catedral. “Mas nossa
responsabilidade com a história já é clara: responder a esses ataques e varrer
o mundo do mal”.
Quando Bush desceu, todos se
levantaram. O mármore e a pedra ecoaram enquanto a congregação cantava “The
Battle Hymn of the Republic”:
Meus olhos viram a glória da
vinda do Senhor,
Ele retira o parreiral onde as
vinhas da ira estão,
Ele soltou o fervoroso trovão
de
sua terrível palavra hábil
Sua verdade está marchando
Naquela tarde, Lee recebeu uma
ligação em seu escritório. A votação que tinha sido marcada para sábado fora
adiantada. As horas de preparação com as quais contava para ajustar seu
discurso no plenário se foram. Se ela quisesse falar, teria que descer
imediatamente.
No Comitê de Relações
Internacionais da Casa, Stephen Rademaker, conselheiro-chefe do comitê, recebeu
uma mensagem similar. Sob circunstâncias corriqueiras, Rademaker, um advogado
alto e magro com a desenvoltura de um corredor de longa distância, teria a
iniciativa de fazer o projeto da resolução, uma vez que seu comitê detinha a jurisdição
para uso de força militar.
Mas a Casa Branca estava a cargo
da redação, e Rademaker era um espectador.
Mesmo que a habilidade legal de
Rademaker não tenha sido exercida na elaboração da resolução, ele sabia que
aquele seria um voto histórico. O republicano imediatamente pensou em seu filho
mais velho, Andrew, um calouro do colegial no outro lado do rio, na Virginia.
“Você deveria vir para ver isso”, Rademaker disse, quando falou com ele ao
telefone. “Claro”, ele disse ao pai. “Vou depois da escola hoje”. “Sem
pressa”, Rademaker respondeu. “Essa coisa pode demorar um pouco”.
No plenário da Casa, Lee
rascunhava precipitadamente seu discurso em folhas soltas de caderno. Escreveu
um parágrafo rápido e começou um segundo antes de hesitar; rasurou meia linha.
Lee escreveu por alguns minutos, pausando de quando em quando para passar uma
linha em algo escrito do que não gostara. Encheu duas páginas com anotações, e
então adicionou uma única linha a uma terceira folha. Estava pronta.
Às 5h45 da tarde de sexta-feira,
a Casa foi chamada à ordem. Uma das amigas mais próximas de Lee, Eleanor Holmes
Norton, uma mirrada congressista de 64 anos, da convenção negra do Distrito de
Columbia, falou antes no debate. “O texto ante nós é limitado apenas pela tênue
âncora de sua referência ao 11/9, mas permite guerra contra qualquer e toda
pessoa ou entidade”, alertou. “A questão é dar ao presidente a autoridade de
fazer o que ele tem de fazer, não o que ele quiser fazer”.
Mas, a pesar de todas as
preocupações de Norton quando à “tênue âncora” e de como o texto poderia ser
maleável para ir atrás daqueles que não tinham nada a ver com os ataques, ela
ainda assim votou pela autorização do presidente a usar “toda força necessária
e apropriada”.
Lee subiu na tribuna sete minutos
depois. “Eu levanto-me hoje, realmente, com um coração muito pesado”, disse,
enquanto a emoção arranhava sua voz. Então, do poço da Casa de Representantes
dos EUA, começou a chorar. A mãe de dois filhos, que havia sofrido e rezado
pelo seu voto, largou o microfone e repuxou nervosamente as lapelas de sua
jaqueta enquanto lutava para recuperar o autocontrole. Respirar fundo ajudou.
“Embora este voto possa ser
difícil”, disse, com a voz mais estabilizada, “alguns de nós devemos instar o
uso do óbice. Nosso país está em estado de luto. Alguém tem que dizer, ‘Vamos
dar um passo atrás por um momento, vamos pausar, apenas por um minuto e pensar
nas implicações de nossas ações hoje, de modo que elas não se tornem algo fora
de nosso controle”. Lee encerrou seu breve testemunho com a fala de Baxter,
aquela que a convenceu a votar com seu coração. “Que enquanto nós agimos”, ela
disse, “não nos tornemos o mal que deploramos”. No vestiário, após seu
pronunciamento, muitos amigos de Lee vieram até ela e imploraram que ela
reconsiderasse. “Você tem feito tanto [na área] de HIV e AIDS, que isso irá
decair se você não estiver aqui”, implorou im colega. “Não deixe este voto te
derrubar”.
Andrew Radmaker, então com 14
anos, assistia ao debate na Casa desde o mezanino sobre o plenário. Ele
seguiu o conselho do pai, e esperou para jantar antes de pegar o metrô para
Washington D.C. As elaboradas medidas de segurança que viriam a definir os EUA
pós-11/9 ainda não tinham sido implantadas, e ele passou apenas por um único
detector de metais, e caminhou direto para a galeria da Casa.
Abaixo dele, o debate se estendia
por horas, enquanto os representantes esperavam sua vez de declararem
publicamente o apoio deles ao uso da força militar. Alguns quiseram declarar
guerra – uma sugestão que havia sido descartada dias antes, já que ninguém
sabia a quem declarar guerra – e alguns queriam que se extirpasse o terrorismo
de onde quer que ele existisse. Mas todos apoiavam o uso da força.
Lee voltava para seu gabinete
quando a votação final foi anunciada: 420 a 1. Os acenos de concordância que
ela tinha visto no porão do Capitólio na noite anterior tinham desaparecido no
plenário da Casa. E os “alguns” de Lee tornaram-se apenas uma. Dos 535 membros
eleitos no Congresso, ela foi a única a votar “não”.
Quase instantaneamente, seu
telefone começou a tocar. “Eu sabia que era você”, disse-lhe a ex-sogra. Ela
estava assistindo à CNN quando a emissora noticiara que a Câmara dos Deputados
tinha acabado de aprovar a Autorização por 420 votos a 1. “Eu sabia que você
era o 1”. O pai de Lee, um tenente-coronel aposentado que lutou na II Guerra
Mundial e na Coreia, ligou logo depois: “Estou orgulhoso de você”.
Lee não ligou para o pessoal mais
próximo da família na noite anterior, durante sua tempestade de telefonemas,
ressabiada que a tentassem convencer a não se opor à resolução. O que seu pai
disse representou um suporte como pai e como ex-oficial militar, e significou
muito para ela; lembraria daquelas palavras mesmo nas semanas seguintes, como
uma mensagem de conforto dentre as milhares de ameaças de morte e telefonemas
raivosos que inundaram seu gabinete.
Andrew Rademaker encontrou seu
pai após a votação. O Comitê de Transporte estava debatendo uma lei emergencial
de apropriação, e Andrew queria ficar e assistir. Pelas próximas horas, os
membros exaustos do comitê lutaram e discutiram sobre bilhões de dólares que
alguns acreditavam serem necessários para salvar a indústria de aviação de um
colapso imediato.
Finalmente, pouco depois da meia
noite, o debate estava resolvido. Saindo da câmara, Rademaker, que ainda estava
agindo como legislador, começou a explicar ao filho tudo que ele viu naquela
noite: o voto que autoriza o uso de força militar e o debate de apropriação. A
chuva da manhã tinha acabado e praticamente não havia tráfico na noite enquanto
os dois dirigiam sobre a ponte para Virginia.
Do assento do motorista,
Rademaker viu o Pentágono, que exalava fumaça até o céu. Desacelerando num
capricho, ele parou perto do Cemitério Nacional de Arlington, estacionando o
carro numa pequena colina que visava Washington. Rademaker desistiu de sua
explicação dos trâmites da casa e o que a votação significava para o país. Não
havia mais nada a dizer. Junto com seu filho, saiu do carro e olhou para além
da costa até o buraco no Pentágono. Fumaça, entulho e uma bandeira americana
gigante.
ATAQUE POR ANTECIPAÇÃO
Em 18 de setembro, o presidente
Bush assinou a lei autorizando-o a usar “toda força necessária e apropriada”.
Uma semana depois, em 25 de
setembro, John Yoo escreveu um memorando para Timothy Flanigan. Yoo queria
reestabelecer os antecedentes que Daschle e o Congresso os forçaram a colocar
na sessão de casuísmos durante as negociações, oficialmente tirando o peso
legal daqueles pontos. O memorando de Yoo, menos de duas semanas depois, deu a
volta no bloqueio de Daschle e mais uma vez deu cobertura legal à ideia de
prevenção. “O presidente”, Yoo escreveu, “pode destacar força militar
antecipadamente contra organizações terroristas ou os Estados que abrigam ou os
apoiam, estejam ou não ligados especificamente ao ataque terrorista de 11 de
setembro”.
Nas páginas de prosa legal densa
que se seguiam, Yoo reconheceu que enquanto a Autorização é limitada apenas a
inimigos ligados aos ataques de 11 de setembro, o presidente na verdade tinha
grande liberdade de ação baseado em seus poderes como comandante-em-chefe doas
Forças Armadas, segundo o artigo 2º da Constituição Americana.
Robert Chesney, um professor
experiente em legislação de segurança nacional na Universidade do Texas,
descreveu essa ideia para mim como sendo a “abordagem de cinto e suspensório”:
uma redundância que permitiria uma grande flexibilidade. Quando a Autorização
foi aprovada, o governo Bush contava com sua própria leitura expansiva da
autoridade do presidente, usando o 2º artigo.
Para Yoo, isso significava que o
presidente poderia realizar “qualquer ação ele julgar apropriada” no que
tocasse combate ao terrorismo. Ele poderia matar quem quisesse, quando
quisesse, onde quisesse. De maneira rasteira, a análise legal de John Yoo
parafraseava a famosa frase de Richard Nixon que “quando o presidente faz,
significa que não é ilegal”.
Durante anos, um pequeno porém
sincero grupo de acadêmicos jurídicos e especialistas de outras áreas militaram
contra a ideia de Yoo. Eles discutiram em conferências e escreveram artigos
abertos, mas não tinham o menor poder real, e nem a habilidade para conseguir
alguma mudança de fato. Finalmente, no final do segundo mandato de Bush,
viram uma oportunidade de influenciar a política para o próximo governo. Em 15
de setembro – quase 7 anos aos o dia em que a Autorização foi aprovada – um
destes acadêmicos entrou em um trem da Amtrak em New Haven, Connecticut, para
uma viagem de cinco horas e meia para Washington D.C.
No dia seguinte, Harold Koh, um
homem intenso e baixo, de cabelo liso preto que caía do lado direito de sua
testa, ocupou seu assento na mesa das testemunhas frente ao Comitê
Judiciário do Senado. Reitor havia 53 anos da escola de Direito de Yale, ele
tinha a reputação de um brilhante jogador diante de grandes oponentes,
geralmente mais impetuoso em humilhar aqueles que discordavam com ele do que
simplesmente refutá-los.
Encarando o comitê,
caracterizou-se pela franqueza, chamando a Autorização de “lei amplamente
palavreada” que o governo Bush usou “para justificar a vigilância da Agência de
Segurança Nacional, detenções indefinidas e tortura de detentos estrangeiros”.
Mas, com as eleições presidenciais próximas, Koh estava ansioso em dar seus
conselhos. Redigiu seus comentários cuidadosamente, mas enquanto
ex-secretário-assistente do Departamento de Estado do governo Clinton, era
claro que preferia Barack Obama a John McCain. O próximo governo, Koh disse,
deveria ser muito cuidadoso para não “interpretar a vagamente palavreada
Resolução de Autorização para o Uso de Força Militar de modo a sobrepor a
legislação existente”. A Autorização já estava em vigor havia mais tempo do que
a Resolução do Golfo de Tonkin, da era do Vietnã, e não havia previsão de fim.
Koh estabeleu o que ele via como
a questão-chave. “Por mais difíceis que os últimos sete anos tenham sido, eles
têm uma influência muito menor no grande esquema das coisas que os próximos
oito, os quais determinarão se o pêndulo das mudanças políticas dos EUA balança
de volta de um ponto extremo para onde foi empurrado ou se estanca em uma ‘nova
posição normal’”.
OBAMA E O NOVO “NORMAL”
Dois dias depois de Barack Obama
fazer o juramento de posse no mezanino do prédio do Capitólio, ele colocou o
conselho de Koh em ação. Em seu testemunho, Koh recomendou que “assim que o
novo presidente ocupe o gabinete, ele deve encaminhar ordens executivas”,
incluindo o fechamento da Baía de Guantánamo.
Sentado no Salão Oval, em 22 de
janeiro de 2009, o president Obama fez justamente isso. Assinou algumas ordens
executivas anunciando sua intenção de fechar Guantánamo em um ano e instalar
uma força-tarefa para revisar os casos correntes contra detentos.
O complexo de detenção na Baía de
Guantánamo é um dos melhores exemplos do poder imprevisto das 60 palavras no
cerne da Autorização.
Como um experimento científico
sem controle, as palavras desta frase passaram por mutações no decorrer dos
anos, ramificando novos sentidos e interpretações nunca previstos quando
Timothy Flanigan copiou e colou o texto, em 12 de setembro de 2001.
Em junho de 2004, mais de dois
anos depois que Bush abriu Guantánamo, a corte Suprema decidiu no caso Hamdi
versus Rumsfeld que, uma vez que o Congresso deu ao presidente o poder de
matar, ele também garantiu, pelo menos implicitamente, o poder de captura e
detenção.
O Congresso aderiu à expansão da
corte, endossando outra implicação dois anos mais tarde. Em 2006, a Casa
determinou que comissões militares tinham jurisdição sobre a al-Qaeda, o Talibã
e o que veio a ser chamado “forças associadas”, uma categoria ampla de inimigos
que foram aliados da al-Qaeda ou do Talibã.
A “âncora tênue” de Eleanor
Norton, na qual o texto da lei se agarrava àqueles responsáveis pelos ataques
de 11 de setembro, finalmente se soltou. E a Autorização foi transformada em
uma espada larga que poderia ser usada contra uma ampla variedade de grupos,
muitos dos quais nem existiam em 9/11 de 2001.
O fato de que aquelas 60 palavras
não mencionavam autoridade de detenção ou forças associadas não importava mais.
A sentença continuou a mesma. Mas seu significado mudou.
Ao final do governo Bush, até
alguns membros que inicialmente eram a favor de uma leitura ampla da
autoridade, começaram a se preocupar com o fato de que boa parte da estratégia
contraterrorista dos EUA estar baseada em uma fundação tão frágil.
“É como uma árvore de Natal”,
disse John Bellinger III recentemente. “Todo tipo de coisa está dependurada
naquelas 60 palavras”.
Bellinger, que trabalhou junto
com Condoleezza Rice primeiro no Conselho de Segurança Nacional e depois no
Departamento de Estado, preferiu revisar e atualizar a Autorização em vez de
simplesmente revogá-la, uma medida drástica que ele considerava perigosa.
Em 2010, escreveu um artigo no
Washington Post argumentando que o governo Bush nunca procurou atualizá-la
porque “não queria trabalhar com o poder legislativo”.
Supunha-se que Obama fosse mudar
tudo isso. Ele era o presidente da esperança, o homem que restauraria a
reputação da América e mais uma vez recuperaria um respeito saudável pela
aplicação da lei.
No dia seguinte à sua posse, a
página editorial do The New York Times elogiou Obama por ter levado “menos de
12 horas” para ordenar a cessão dos tribunais militares de Guantánamo. Acontece
que, o jornal publicou, fechar Guantánamo não era realmente “tão difícil”. Tudo
que foi necessário era um presidente ter coragem de suas convicções, alguém
disposto a fazer o que era certo.
Porém, dentro do novo governo, as
coisas pareciam um pouco diferentes. O presidente havia fechado os tribunais e
ordenado que a Baía de Guantánamo fosse fechada, mas depois resolveu deixar
seus assessores e nomeados para descobrirem os detalhes. Nenhum deles sabia o
que seu chefe queria; quando pediam uma diretriz para a Casa Branca, suas
perguntas ficavam sem respostas. “Foi um processo realmente disfuncional”,
disse um ex-membro do governo. “Havia uma falta de liderança e engajamento da
Casa Branca. Foi um ano perdido de trabalho – um monte de discussões
inconclusas, e poucas decisões”.
Obama também tinha prazo. Um
detento argelino em Guantánamo estava recorrendo da sua detenção e John Bates,
um juiz distrital de corte em D.C., havia dado até 13 de março para o governo
responder. Com quem exatamente, o juiz perguntou em essência, os EUA estavam em
guerra? Nenhum dos advogados de Obama achou que tinha tempo suficiente, mas o
juiz já havia dado um prazo extra, e eles precisavam de uma resposta. O que
eles arranjaram foi uma definição de 93 palavras que tentava articular muitos
dos adendos que foram inseridos à Autorização nos últimos anos.
Durante este tempo, a lista de
inimigos havia crescido significativamente. Além daqueles responsáveis pelos
ataques de 11 de setembro – al-Qaeda e Talibã no Afeganistão – os EUA estavam
efetivamente em guerra com uma ampla e abrangente categoria de “forças
associadas”.
Os advogados do governo também
alegaram que os EUA poderiam deter – o que significava também assinalar para
matar – qualquer um que “substancialmente apoiou” qualquer uma das três
categorias de inimigos, mas não conseguiram esclarecer exatamente o que
constituía “apoio substancial”. Os EUA também poderiam perseguir qualquer um
que tenha colaborando em ataque contra um “parceiro de coalizão”, bem como
“qualquer pessoa que tenha cometido ato beligerante”, o que eles também não
definiram.
Oito anos em guerra e os inimigos
se multiplicaram.
O juiz Bates, um homem
cerimonioso de pescoço longo que foi nomeado para o tribunal por George W. Bush
nos meses seguintes ao 11/9, rejeitou a recusa do governo em definir tanto “forças
associadas” quanto “apoio substancial”. Ambos os conceitos ampliaram
drasticamente o foco da Autorização e a quem os EUA poderiam matar. E o juiz
queria saber exatamente o que o governo queria dizer.
Mas, ele escreveu em seus
apontamentos, ficou claro que o governo não tinha nenhuma “justificativa
definitiva para o conceito de ‘apoio substancial’ na lei de guerra”. Bates
disse que estava aberto à ideia de forças associadas, mas que isto teria que
significar mais que uma “organização terrorista que meramente compartilha uma
filosofia abstrata ou até mesmo um propósito em comum com a al-Qaeda – deveria
haver uma associação real no conflito corrente com a al-Qaeda e o Talibã”.
Bates emitiu sua opinião em 19 de
maio de 2009. Dois dias depois, Barack Obama entrou na cúpula de calcário e
mármore do Arquivo Nacional americano para dirigir-se à nação. Abaixo de alguns
murais de Barry Faulkner ilustrando a Declaração de Independência e a Convenção
Constituinte, Obama jurou não repetir os erros do governo Bush.
“Os últimos oito anos
estabeleceram uma abordagem legal imediatista na luta contra o terrorismo que
não tem sido eficaz e nem sustentável”, disse. “Nosso governo tomou decisões
baseadas mais no medo que em uma perspectiva real”. Isto, o presidente
prometeu, mudaria sob sua responsabilidade.
EM DISPUTA, A ESSÊNCIA DO
GOVERNO OBAMA
Para ajudá-lo a tornar isso
realidade, Obama convidou Harold Koh, o acadêmico jurídico de Yale, para
juntar-se ao seu governo como consultor jurídico do Departamento de Estado. A
nova posição de Koh o levou a um conflito direto com outro advogado da equipe
de segurança nacional de Obama. Aos 51 anos, Jeh Johnson era um procurador
careca que esteve com Obama desde o começo.
Durante as primárias democratas,
Johnson rompeu seus laços com a família Clinton, que lhe havia dado seu
primeiro cargo de alto escalão, para entrar na campanha de Obama. O presidente
nunca esqueceu a sua coragem nem o dinheiro que Johnson trouxe quando Obama
mais precisava. Antes mesmo de fazer o juramento em janeiro, o presidente havia
insinuado que Johson seria conselheiro-geral no Departamento de Defesa.
Desde que Koh chegou a
Washington, no final de junho, os dois se estranharam tanto institucionalmente
quanto por seus temperamentos. Agressivo e geralmente deliberadamente brusco,
Koh representava o Departamento de Estado mais progressista, o que procurava
que os EUA agissem mais de acordo com seus aliados internacionais. Johnson
tinha uma qualidade de camaleão que o levou a adotar a mentalidade daqueles que
ele representava, no caso os conservadores, entusiastas da segurança do
Departamento de Defesa.
Junto a outros membros do
governo, por todo o verão e inverno de 2009, os dois se debateram em quase
todos os aspectos da legislação de segurança nacional dos EUA, com Koh
intensamente marcando uma posição progressista e Johnson, a de conservador.
Ninguém nunca falou abertamente, mas todos pareciam perceber que eles lutavam
pela essência da presidência de Obama.
Como um presidente democrata
deveria combater a al-Qaeda? Quem ele deveria matar e quem deveria capturar?
Havia diferença entre os dois casos, ou ele deveria estar apto a matar qualquer
um que possa legalmente deter? E o mais importante de tudo: o que significava
para uma democracia estar em uma guerra de várias gerações contra um grupo
terrorista?
Era a tentativa de Koh de puxar o
pêndulo dos anos Bush de volta à normalidade. Johnson também queria que ele
voltasse, porém menos. Ambos concordavam que os EUA poderiam perseguir as
“forças associadas” à al-Qaeda, mas e quanto os aliados desses associados? Quão
próximo ao 11/9 precisa estar um alvo para ser legal atacá-lo? Afinal, a lei
era explícita em autorizar força apenas contra aqueles responsáveis pelos
ataques – que foram planejados e realizados por, no máximo, algumas dúzias de
homens. Agora, depois de anos de ataques por todo mundo, os EUA já mataram
milhares. Quão grande o círculo de responsabilidade deve ser?
As decisões tomadas nas salas de
reuniões em Washington geralmente significam a diferença entre vida e morte.
Apesar dos clamores anônimos de membros do governo, ambos os advogados sabiam
que pessoas inocentes às vezes eram assassinadas. Não tantas quando os
ativistas alegavam, mas ainda assim gente demais para manterem a consciência
limpa.
Além disso, eles eram oficiais
não eleitos, tomando decisões sobre quem os EUA deveriam matar.
AS DUAS VIDAS DE JOHN KERRY
Desde 2011, o Congresso teve
conhecimento, quase sempre em silêncio, da gradual expansão da Autorização. A
Câmara dos Deputados nunca revisou nem questionou explicitamente o poder
assegurado ao presidente nas horas após o ataque.
No passado, o Congresso agiu
diferente. No auge da Guerra do Vietnã, o presidente do Comitê de Relações
Exteriores do Senado, J. William Fulbright, organizou uma série de audiências
ríspidas, num esforço de revogar a Resolução do Golfo de Tonkin, e terminar a
guerra (esta Resolução também fora aprovada quase sem oposição).
Fullbright, que inicialmente foi um patrono da resolução, logo percebeu ser uma
desculpa para expansão militarm numa guerra que os EUA não poderiam ganhar. Em
1971, ele conseguiu revogar a resolução, e depois chamou um veterano do Vietnã
de 27 anos chamado John Kerry como testemunha. Kerry foi o primeiro veterano a
testemunhar. Seu depoimento dramático de duas horas ajudou a formar o debate
sobre a guerra que se seguiu.
Trinta e oito anos depois, Kerry
está numa posição similar, como um dos sucessores de Fullbright e presidente do
Comitê de Relações Exteriores do Senado. Mas, diferente de Fullbright, que usou
a posição para refrear o governo em sua guerra expansiva, Kerry foi mais um
enviado do governo que um adversário. Como Andrew Cockburn escreveu em um texto
recente na Harper’s, assim que Obama assumiu o cargo “Kerry parou de bater lata
nas grades”. Claro, Fullbright perdeu sua eleição seguinte, caindo nas
primárias democratas; e Kerry tornou-se o segundo secretário de Estado de
Obama.
Parte da razão disso é que as
próprias guerras são diferentes. O Vietnã fascinou o país de um jeito que a
guerra contra a al-Qaeda não o fez, pelo menos não desde o bombardeio do
Afeganistão em 2001. Não há um único campo de batalha e ninguém parece saber
como seria a vitória.
A segurança perfeita, somos
constantemente lembrados, não é possível, mas quantas pessoas os EUA precisam
matar até ficarmos suficientemente seguros?
Talvez não seja surpreendente que
o Congresso não tenha pensado em como a guerra terminaria quando aprovou a
Autorização em 14 de setembro de 2001. Mas depois de mais de doze anos, ainda
não estamos nem perto de ter uma resposta.
“Esta é uma guerra bizarra”,
disse-me Jack Goldsmith recentemente. Dedicado professor de Direito em Harvard
que trabalhou no Escritório de Conselho Legal de George W. Bush, Goldsmith
escreveu alguns livros sobre legislação de segurança nacional. “Com o que não
vemos, não nos importamos”.
E, para a maioria de nós, há
pouco que se possa ver. Com exceção do Afeganistão, esta é uma guerra que está
sendo lutada fora de vista, com drones e pequenos times de operativos de forças
especiais.
Uma guerra que é amplamente
ignorada em casa nos define fora dela.
A apatia levantou-se vagamente no
começo de 2010, quando registros de que os EUA estavam ativamente assinalando
cidadãos americanos para assassinarem vazaram pela primeira vez. A Casa Branca
reagiu ao crescente escrutínio destacando Koh, o mais progressista e a
principal voz pública crítica às políticas de Bush, para estabelecer a
diferença entre aquelas e os ataques por drones de Obama. Afinal, estavam
apoiados na Autorização e tinham uma base legal sólida.
Em 25 de março de 2010, Koh
ocupou o palanque do hotel Ritz-Carlton em Washington para dirigir-se à
Sociedade Americana de Direito Internacional em um terno preto conservador e
uma gravata vermelha. Depois de algumas piadas sobre o evento, ele foi direto
ao assunto.
Diferente do governo Bush, ele
disse, que se baseava em argumentos constitucionais vagos quanto ao poder
presidencial, o governo Obama baseia suas decisões “em autoridade legislativa
assegurada ao presidente pelo Congresso na Autorização de 2001”. Claro, ele
lembrou, “conceber o que é ‘necessário e apropriado’ sob a Autorização requer
certa tradução”.
Era o fim de Koh, 0 acadêmico
privado que em 2008 tinha reclamado sobre a “vagamente palavreada” Autorização
que permitia que o governo Bush justificasse tudo desde a vigilância da NSA até
tortura. Agora, como jurista do governo, ele legava ao governo Obama uma base
legal proveniente diretamente da fundação da Autorização e daquelas mesmas 60
palavras.
Tudo que o governo Obama fez, ele
assegurou ao auditório de colegas juristas e amigos, “incluindo operações
letais conduzidas com o uso de veículos aéreos não tripulados” era legal e
justo.
Koh não foi o único cuja opinião
parece ter mudado com o novo emprego. Uma década antes, em 13 de setembro de
2001, Denis McDonough era o assessor de política externa de 31 anos de Tom
Daschle, trabalhando para limitar a Autorização, ainda não aprovada então.
Depois, McDonough foi assessor-adjunto em segurança nacional e ajudou a
presidir sobre a expansão daquela mesma matéria de legislação que uma vez ele
tentou restringir.
Enquanto McDonough envelheceu, os
alvos não. Muitos dos homens que os EUA mataram estavam em suas
pós-adolescências e começo dos vinte anos. Eram meras crianças no em 11 de
Setembro de 2001.
PRA QUE MEXER?
Meses após a palestra de Koh, no
começo de 2011, o Congresso agitou-se brevemente, com alguns membros sugerindo
que talvez fosse hora de começar a codificar e desenvolver interpretações da
Autorização.
Isso, eles argumentaram, colocaria
os EUA em solo legal mais sólido. A lei, afinal, imperava tanto sobre
Guantánamo quanto sobre os drones, e mesmo assim não havia menção a nenhum
deles. Certamente, seria melhor tornar essa autoridade mais explícita.
Os maiores assessores de Obama refutaram
imediatamente. Isto não era o que o governo tinha em mente quando eles falaram
em revogar a Autorização e acabar com a guerra. Mais tarde naquele ano,
em um evento na Heritage Foundation, um think tank conservador
em Washington, Jeh Johnson explicou porque o governo opôs-se a qualquer nova
legislação. “Eu acho que a razão para este governo ter preocupações quanto a
esforços para isso é porque no final do processo político, o que eu não quero
ter é algo menor do que o que eu já tenho por meio de instâncias legais, pela
autoridade dos registros e de nossa interpretação de nossas autoridades que
estão nos registros”.
Em outras palavras, qualquer
tentativa de atualizar a Autorização, mudando do que foi escrito horas depois
dos ataque se 11/9 para algo que pareça levar em conta as mudanças de uma
década de guerra, pode limitar as opções do presidente.
O governo Obama esteve satisfeito
em usar aquela frase para lidar com uma ameaça em 2011, porque sua própria
interpretação interna proporcionou tamanha flexibilidade. Se o Congresso
começar a mexer com a base de 60 palavras, todo sustentáculo legal do governo
pode vir abaixo.
O que deveria ser mais uma
rotineira audiência no Senado no começo do segundo mandato de Obama trouxe à
luz a maneira flexível que o governo tem interpretado a frase no cerne da
Autorização.
Em 16 de maio de 2013, o
Departamento de Defesa mandou um quarteto de oficiais ao Capitólio para
responderem perguntas sobre a lei e o estado atual da guerra contra a al-Qaeda.
No decorrer de seus testemunhos, Michael Sheehan e Robert Tayloir, que estavam
falando pelos quatro, alegaram que a lei e duas 60 palavras eram “adequadas” às
necessidades do governo.
Sheehan, um ex-oficial
contra-terrorista careca com aparência de tira mal barbeado, falou primeiro. O
governo, ele disse aos senadores, estava “confortável” com a Autorização como
ela está atualmente estruturada porque ela não “nos inibe de perpetrar a guerra
contra a Al-Qaeda e seus afiliados”.
O senador John McCain estava
incrédulo. Mexendo em alguns papéis, o senhor de 76 anos pegou uma cópia da
Autorização e começou a ler. Vinte e quatro segundos depois de terminar a frase
de 60 palavras, começou seu discurso. “Esta autorização trata sobre aqueles que
planejaram e orquestraram os ataques de setembro de 2001”, disse McCain,
olhando para a mesa de testemunhas. “Aqui estamos, 12 anos depois, e você está
nos dizendo que você não acha que ela deva ser atualizada”, ele prosseguiu. “É
claro que precisa”.
Outros juntaram-se a ele. Angus
King, um senador independente de trejeitos professorais que apresentou um
programa na televisão pública chamado Maine Watch por 17 anos, nos anos 70 e
80, disse aos quatro oficiais que aquela era “a audiência mais
surpreendentemente perturbadora que já vi”.
“A Autorização é muito limitada,
e vocês continuam usando o termo ‘forças associadas’ – vocês o usaram 13 vezes
em seu testemunho – que não está no texto”, disse. “Eu presumo que lei lhes
sirva muito bem porque vocês estão a interpretando para cobrir tudo e qualquer
coisa”.
Seguindo para o fim do debate,
enquanto o presidente se preparava para dispensar os oficiais do Pentágono, o
governista Sheehan levantou a mão. “Apenas um esclarecimento”, ele disse.
“Certamente o presidente tem pessoal militar destacado por todo o mundo hoje,
em provavelmente de 70 a 80 países, e esta autoridade não se dá sempre por meio
da Autorização”.
Sentando atrás das testemunhas,
esperando sua vez de falar, Jack Goldsmith, o ex-advogado do governo Bush,
estava chocado. “Em quantos dos 70 a 80 países exatamente este pessoal militar
está destacado por meio da Autorização?”, perguntaria no seu blog no dia
seguinte. “A expressão ‘nem sempre’ sugere um número alto”.
“A audiência tornou claro que a
longa insistência do governo Obama em ater-se legalmente de maneira profunda à
Autorização é enganosa, e no mínimo requer muito mais controle”, Goldsmith
escreveu.
A postagem de Goldsmith e as
esquivas públicas de Sheehan levantaram uma questão-chave:
DOZE ANOS APÓS 11/9, COM QUEM
OS EUA ESTÃO EM GUERRA EXATAMENTE?
Quando contatei o Pentágono para
ter uma resposta a essa pergunta, um porta-voz respondeu via email: “A lista é
confidencial e não pode ser liberada para publicação”.
Uma semana depois, em 23 de maio
de 2013, o presidente Obama entrou no auditório da National Defence University
no sul de Washington para um longo pronunciamento sobre segurança nacional.
Soando mais como McCain que como Sheehan, seu próprio secretário-assistente,
Obama fez uma série de promessas. “Pretendo articular com o Congresso sobre a
Autorização de Uso de Força Militar para determinar como podemos continuar a
combater o terrorismo sem manter os EUA num plano de guerra perpétuo”, disse.
“A lei agora está com quase 12 anos. A guerra afegã está chegando a um fim. O
núcleo da al-Qaeda é uma apenas casca do que era antes”.
Sobre uma plataforma suspensa em
frente da multidão, ele prometeu: “Eu busco no futuro articular o Congresso e o
povo americano em esforços para refinar e finalmente revogar o vigência da
Autorização. E não assinarei leis projetadas para expandir mais esta vigência.
Nosso esforço sistemático em desmantelar organizações terroristas deve
continuar”, ele disse. “Mas esta guerra, como todas as guerras, tem que
terminar. Isto é o que a história aconselha. Isso é o que nossa democracia
demanda”.
Mas, assim como sua promessa
quanto a Guantánamo cinco anos antes, isso foi mais retórica que realidade. Nos
sete anos desde que Obama fez aquele discurso, a Casa Branca não tomou nenhuma
iniciativa pública para revogar a lei. Do lado de fora, a corrente de promessas
vazias expõe um presidente que quer acabar com a guerra sem abrir mão de seus
poderes de travar a guerra. É fácil ver o porquê.
A frase de 12 anos dá
ao presidente um poder incrível – poder abençoado pelo Congresso e pelas cortes
– bem como máxima flexibilidade. Lida inventivamente, a Autorização permite um
amplo leque de atividades militares, que podem, vir a ser necessárias em algum
momento. Revogar ou refinar aquelas 60 palavras ataria as mãos do presidente e
limitaria suas opções. E também o forçaria a engajar-se com o Congresso, o
mesmo que o impediu de fechar Guantánamo, e a explicar ao povo americano o que
os EUA estão fazendo e contra quem está lutando.
Existe, então, o problema do
Afeganistão, uma guerra que Obama já chamou de “guerra de necessidade”, e
acabou tomando como sua. Se ele satisfizer sua promessa de retirar as tropas do
Afeganistão até o fim deste ano, o presidente irá efetivamente acabar com a
guerra contra o Talibã.>
E isto trará problemas.
Por conta de ter constituído sua
autoridade militar sobre a Autorização, o governo Obama se colocou numa sinuca
de bico. Quando a guerra acabar, o poder de detenção desaparece. O que
significa que, assim que Obama declarar o fim da guerra no Afeganistão, haverá
uma série de desafios legais em relação aos detentos que ainda estão na Baía de
Guantánamo sob acusação de serem afiliados ao Talibã, e que requerem na justiça
a sua liberdade. As velhas autoridades legais não irão detê-los. O governo
Obama terá que ou achar uma nova base para mantê-los em cárcere – 13 anos
depois de terem sido capturados – ou terá que soltar pessoas que considera
perigosas demais.
Porém, talvez a questão mais
interessante sobre a Autorização e suas 60 palavras seja esta: o que a sentença
proíbe? O que – mais de 12 anos depois do Congresso tê-la aprovado – está
claramente fora dos limites?
Muitos dos advogados com quem
falei, membros tanto dos governos de Bush e Obama, falaram eloquentemente e
extensamente sobre os limites da Autorização e sobre ela ser coagida pela lei.
E talvez isso seja verdade.
Mas nenhum deles esteve apto a
apontar um caso no qual os EUA sabiam de um terrorista mas não o puderam
assinalar por falta de autoridade legal. Toda vez que ambos os presidente
quiseram alguém morto, seus advogados encontraram a autoridade em algum lugar
no meio daquelas 60 palavras.
Tradução de Marcus V F
Lacerda.