As matrioskas de
Putin, por Mauro Santayanna
12 de março de 2014 | 19:34
Fernando Brito
Mauros Santayanna, certamente um dos mais aguçados olhares
na imprensa sobre as questões internacionais, escreve hoje sobre as
dificuldades do Ocidente de entender que nem a Rússia, nem seu presidente,
Vladimir Putin, são molambos mafiosos, sem capacidade política e sem
sofisticação em gestos e palavras.
Sem mais a União Soviética às suas costas mas, ao contrário
de líderes fracos como Gorbachev e Yeltsin, Putin move sempre as peças
com uma percepção milimétrica da distância entre a provocação e a
flexibilidade.
Provocação, obvio, à hegemonia americana no mundo, como que
a dizer “é, vocês podem muito, mas não podem tudo”.
Contem um a um os episódios destes últimos meses: Síria,
Edward Snowden, Criméia.
Em todos eles, os russos deram um nó de valsa nos EUA, que
sempre ficaram presos pelas linhas morais que Moscou traçava diante deles e que
não podia ultrapassar.
A quatro dias do referendo para decidir sobre a separação da
Ucrânia e associação à Russia, não parece haver “sanções” que os EUA ou seus
parceiros da Europa possam impor diante de um resultado eleitoral adverso.
A linha moral estará mais uma vez, e desta vez com votos,
traçada diante de qualquer ousadia.
E Putin livre para retaliar com suas diversas matrioskas
ousadias que dificilmente virão.
Mauro Santayanna
Toda nação tem seus símbolos. Um dos mais tradicionais
símbolos russos, à altura de Dostoiévski, e de Pushkin, são as
Matrioskas, as bonecas de madeira, delicadamente pintadas e torneadas,
que, como as camadas de uma cebola, guardam, uma dentro da outra, a lembrança
do infinito, e a certeza de que algo existe, sempre, dentro de todas as
coisas, como em um infinito jogo de espelhos e surpresas.
Ao se meter no complicado xadrez geopolítico da Eurásia,
que já dura mais de 2.000 anos, o “ocidente” esqueceu-se dos russos e de suas
Matrioskas.
Para enfrentar o desafio colocado pela interferência
ocidental na Ucrânia, Putin conta com suas camadas, ou suas Matrioskas.
A primeira camada, a maior e a mais óbvia, é o poder
nuclear.
A Rússia, com todos os seus problemas, é a segunda
potência militar do planeta, e pode destruir, se quiser, as principais capitais
do mundo, em uma questão de minutos.
A segunda é o poder convencional. A Rússia dispõe, hoje,
de um exército quatro vezes maior que o ucraniano, recentemente atualizado,
contra as armas herdadas, pela Ucrânia, da antiga URSS, boa parte delas, devido
à condição econômica do país, sem condições de operação.
A terceira, é o apoio chinês, a China sabe que o que
ocorrer com a Rússia, hoje, poderá ocorrer com a própria China, no futuro,
assim como da importância da Rússia, como última barreira entre o Ocidente e
Pequim.
A quarta Matrioska é o poder energético. Moscou forneceu,
no último ano, 30% das necessidades de energia européias, e pode paralisar, se
quiser, no próximo inverno, não apenas a Ucrânia, como o resto do continente,
se quiser.
A quinta, é a financeira. Com 177 bilhões de superávit na
balança comercial em 2013, os russos são um dos maiores credores, junto com os
BRICS, dos EUA. Em caso extremo, poderiam colocar no mercado, de uma hora para
outra, parte dos bilhões de dólares que detêm em bônus do tesouro
norte-americano, gerando nova crise que tornaria extremamente complicada a
frágil a situação do “ocidente”, que ainda sofre as consequências dos problemas
que começaram – justamente nos EUA – em 2008.
Finalmente, existe a questão étnica e histórica. Para
consolidar sua presença nas antigas repúblicas soviéticas, Moscou criou
enclaves russos nos países que, como a Ucrânia, se juntaram aos nazistas, para
atacar a URSS na Segunda Guerra.
Naquele momento, o nacionalismo ucraniano, fortemente
influenciado pelo fascismo, não só recebeu de braços abertos, as tropas alemãs,
quando da chegada dos nazistas, mas também participou, ao lado deles, de alguns
dos mais terríveis episódios do conflito.
Derrotados pelo Exército Soviético, na derradeira Batalha
de Berlim, em 1945, os alemães sabem, por experiência própria, como pode ser
pesada a pata do urso russo, quando provocado.
E como podem ser implacáveis – e inesperadas – as
surpresas que se ocultam no interior das Matrioskas.