As primeiras linhas de “Ressurreição”:
“Não importa o quanto as pessoas, que se reuniram às centenas de
milhares em um espaço limitado, se empenharam em desfigurar aquela terra na
qual se espremiam, não importa o quanto apedrejaram essa terra, cobrindo-a por
completo para que nada crescesse nela, não importa o quanto arrancaram os
filetinhos de grama que tentavam ultrapassar essa barreira, não importa o
quanto espalharam a fumaça de carvão e de petróleo, o quanto podaram as árvores
e expulsaram todos os animais e pássaros, a primavera continuou sendo primavera
até mesmo na cidade”.
Gazeta Russa conversou com
Vladímir Tolstói, trineto de Lev Tolstói, diretor do museu Iásnaia Poliana e
consultor cultural do presidente Vladímir Pútin, e descobriu como o famoso
escritor teria reagido às mudanças na sociedade e no mundo.
Vladímir Tolstói |
"Tolstói se
posicionava negativamente frente à ideia do “progresso pelo progresso”, vendo
que esse é um caminho que leva a lugar nenhum".
Por Aleksandra Gúzeva,
Muitas vezes escrevemos sobre
Tolstói, nossos leitores gostam muito dele e às vezes, até lamentam por ele não
ter escrito em inglês. É fato conhecido que Tolstói falava perfeitamente em
francês, que outras línguas estrangeiras ele dominava além dessa?
Tolstói dominava 13 idiomas em
diferentes graus de fluência. Conhecia muito bem o francês e o alemão e
dominava bastante bem o inglês, bem como uma série de idiomas raros, como o
tártaro, e algumas línguas eslavas. Ele estudou o grego antigo e podia ler nesse
idioma. Tudo isso ele conseguiu estudando de forma autodidata: ele até possuía
o seu próprio método para o estudo de línguas.
Na biblioteca da Iásnaia Poliana
[propriedade rural familiar de Lev Tolstói, na região de Tula] há livros em
pelo menos 37 idiomas, e muitos deles guardam vestígios das leituras feitas por
Tolstói, suas anotações. Portanto, fica evidente que para ele os livros não
serviam somente para fazer volume nas prateleiras. Ele os lia, fazia uso
frequente deles.
Conte um pouco sobre este método
para estudar línguas.
Através das obras literárias, Tolstói ia
acumulando um vasto vocabulário, enriquecido por meio das traduções que fazia.
Realmente era um método individual, por isso reproduzi-lo agora seria bastante
complicado, mas ao segui-lo Tolstói obtinha sucesso na aprendizagem dos
idiomas.
Qual era a relação de Tolstói
com o Ocidente e com os escritores ocidentais? Afinal, ele dizia que "a civilização
europeia é o caminho para o abismo".
A literatura e os escritores eram
bastante respeitados por ele, em sua juventude Tolstói se empolgou muito com as
ideias de Rousseau e conhecia bem Voltaire e Montaigne. No gênero da ficção ele
gostava de Dickens e também de Júlio Verne. Lia as obras de Verne para os
filhos, ansiava por ler a “Ilíada” e a “Odisseia” no idioma original,
experimentando um imenso prazer à medida que se aprofundava em seu texto. Ao
começar a leitura, ficava mais ou menos indiferente, mas ia se empolgando à
medida em que começava a compreender e sentir o idioma e o contexto.
Em sua opinião, o que Tolstói
diria sobre a globalização, a internet e sobre os momentos marcantes da
atualidade, em geral?
É difícil adivinhar, mas basta
ler as proféticas linhas iniciais do romance "Ressurreição" para
compreender que Tolstói se
posicionava negativamente frente à ideia do “progresso pelo progresso”, vendo
que esse é um caminho que leva a lugar nenhum. Por isso, é claro que muito do
que existe hoje, provavelmente, teria entristecido o escritor.
Porém, é preciso dizer que
ele nunca foi um conservador coberto de mofo, ele sempre se interessava pelo novo.
O surgimento do cinema suscitou nele a ideia de que graças a um filme poderia
ter sido registrada a imagem de sua mãe, da qual ele não se recordava, pois ela
havia morrido quando ele tinha apenas um ano e meio.Tolstói entendeu
imediatamente que isso oferecia a possibilidade de manter sobre uma película o
registro de uma pessoa viva, juntamente com a sua fala, e reproduzir a sua
aparência.
Eu acho que ele iria se
interessar muito pela internet. Obviamente alguma coisa nela iria irritá-lo e
poderia deixá-lo enfurecido, mas penso que a possibilidade de ter acesso a uma
enorme concentração de informações e alternativas o deixaria interessado.
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Dados
biográficos
Vladímir Tolstói é jornalista e se
formou na Universidade Estatal de Moscou. Há 20 anos é o diretor do Museu de
Leon Tolstói, Iasnaia Poliana, localizado na região de Tula. É consultor
presidencial para assuntos culturais desde 2012. È especialista em Lev Tolstói
e foi consultor do filme de Michael Hoffman sobre o escritor, "A Última
Estação" (The Last Station, 2009), indicado ao Oscar e ao Globo de Ouro.
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