Leia a íntegra da carta encaminhada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, à revista Época.
Terça-feira, 25 de março de 2014
Carta à revista Época
Sr. Diretor de Redação,
A matéria “Não serei candidato a
presidente” divulgada na edição nº 823 dessa revista traz em si um grave desvio
da ética jornalística. Refiro-me a artifícios e subterfúgios utilizados pelo
repórter, que solicitou à Secretaria de Comunicação Social do Supremo Tribunal
Federal para ser recebido por mim apenas para cumprimentos e apresentação.
Recebi-o por pouco mais de dez minutos e com ele não conversei nada além de
trivialidades, já que o objetivo estabelecido, de comum acordo, não era a
concessão de uma entrevista. Era uma visita de cunho institucional do Diretor
da Sucursal de Brasília da Revista Época. Fora o condenável método de
abordagem, o texto é repleto de erros factuais, construções imaginárias e
preconceituosas, além de sérias acusações contra a minha pessoa.
A matéria é quase toda construída
em torno de um crasso erro factual. O texto afirma que conheci o ministro Celso
de Mello na década de 90, e que este último teria escrito o prefácio do meu
livro "Ação Afirmativa e princípio Constitucional da Igualdade".
Conheci o ministro Celso de Mello em 2003, ano em que ingressei no STF. Não é
dele o prefácio da obra que publiquei em 2001, mas sim do já falecido professor
de direito internacional Celso Duvivier de Albuquerque Melo, que de fato conheci
nos anos 90 e foi meu colega no Departamento de Direito da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro.
Mais grave, porém, é a acusação
de que teria manipulado uma votação, impedindo deliberadamente que um ministro
do STF se manifestasse. O objetivo seria submeter o ministro a pressões da
"mídia" e de "populares". Isso não é verdade. Ofensiva para
qualquer cidadão, a afirmação ganha contornos ainda mais graves quando
associada ao Chefe do Poder Judiciário. Portanto, antes de publicar informação
dessa natureza, o repórter tinha a obrigação de tentar ouvir-me sobre o
assunto, o que pouparia a revista de publicar informação incorreta sobre minha
atuação à frente da Corte.
No campo pessoal, as inverdades
narradas na matéria são ainda mais ofensivas e revelam total desconhecimento
sobre a minha biografia. Minha mãe nunca foi faxineira. Ela sempre trabalhou no
lar, tendo se dedicado especialmente ao cuidado e à educação dos filhos. O
texto, que me classifica como taciturno, áspero, grosseiro, não apresenta
fundamentos para essas afirmações que, além de deselegantes, refletem apenas a
visão distorcida e preconceituosa do repórter. O autor da matéria não apresenta
elementos que sustentem os adjetivos gratuitos que utiliza.
Também desrespeitosa é a menção
aos meus problemas de saúde. Ao afirmar que a dor causou “angústia e raiva”, o
jornalista traçou um perfil psicológico sem apresentar os elementos que lhe
permitiram avaliar o impacto de um problema de saúde em uma pessoa com a qual
ele nunca havia sequer conversado.
Outra falha do texto é a
referência à teoria do "domínio do fato". Em nenhum momento a teoria
foi evocada por mim para justificar a condenação dos réus no julgamento da Ação
Penal 470. Basta uma rápida leitura do meu voto para verificar esse fato.
Finalmente, não tenho definição
com relação ao momento de minha saída do Supremo e de minha aposentadoria.
Muito menos está definido o que farei depois dessa data, embora a matéria tenha
afirmado – sem que o jornalista tenha sequer tentado entrevistar-me sobre o tema
– que irei dedicar-me ao combate ao racismo.
Triste exemplo de jornalismo
especulativo e de má-fé.
Joaquim Barbosa
Presidente do Supremo Tribunal Federal