INSTITUIÇÃO MAIS PODEROSA
DO PAÍS, A MÍDIA FAZ A MANUTENÇÃO DE UM BRASIL ACORRENTADO AO PASSADO E
APROVEITA-SE DA APATIA POLÍTICA DO BRASILEIRO PARA AUMENTAR SUA INFLUÊNCIA E,
CLARO, LUCRAR.
As cicatrizes provocadas pelas injustiças, covardias e tragédias com as quais se escreveram a história do Brasil permanecem ávidas, eternizando o terror da violência que deformou, e deforma, diariamente, o país.
As feridas provocadas pelo ódio
intolerante e fascista, instaurado por colonos, ditadores e impérios ao longo
do processo de construção do Brasil persistem abertas na medida em que a sociedade
é imersa, a todo o momento, em conceitos ultrapassados que reforçam o teor
discriminatório e preconceituoso implícito na cultura nacional.
Os cidadãos, cobaias dessa
tortura durante mais de 500 anos, aprenderam a reproduzir o horror de períodos
insanos da história do Brasil em comportamentos retrógados e prejudiciais a
qualquer país, comunidade ou grupo que precise desenvolver-se socialmente de
acordo com padrões democráticos, justos e igualitários.
Nascido e educado sob a influência de padrões sociais, políticos e culturais repressivos e arcaicos, o brasileiro edificou parte de suas instituições com as mesmas características retrógradas que se arrastaram do período colonial até o século 21. Isso sem perceber a necessidade de reformas e adaptações para evitar que tais instituições reproduzissem, em abundância, produtos já ultrapassados.
São polícias, escolas, governos e
até entidades organizadas pela sociedade civil recriando e promovendo antigas
posturas adotadas pela estupidez de recentes administrações sedentas por poder,
com explícitas intenções mercadológicas e alfabetizadas pela violência.
Hoje, devido à amplitude e
eficiência da força comunicativa da velha mídia tupiniquim, a televisão, o
rádio, os jornais, as revistas e até mesmo os portais de internet uniram-se e
consolidaram a instituição com a maior capacidade impulsionadora de valores
"comuns" em períodos menos esclarecidos da humanidade: a mídia do
alto da pirâmide, as poucas famílias que detêm o poder de se comunicar unilateralmente
(e exclusivamente) com uma quantidade enorme de pessoas, as donas das empresas
de comunicação, remontam a realidade buscando a manutenção de um Brasil
colônia.
Os meios de comunicação aproveitam-se da apatia política do brasileiro, de sua ignorância quanto à própria história, de seu pouco entusiasmo para refletir sobre questões políticas, sociais e midiáticas e de sua postura conservadora, egoísta e excludente para aumentar sua influência e, claro, lucrar.
A mídia reforça o que foi
doutrinado pela violência dos anos de chumbo ou do período escravagista, por
exemplo, e ainda concebe noções e representações moldadas com as péssimas
experiências desse período. E tudo isso serve para conduzir aumentar uma
audiência composta por pessoas acostumadas e dependentes das truculências
sociais que ampliam a possibilidade de eventos racistas, machistas e
homofóbicos e etc. .
As empresas de comunicação, em
muitos dos casos, ganham dinheiro em cima de conceitos equivocados que a
sociedade incorporou, conservou, aprendeu a gostar e agora reproduz por pensar
ser coerente e correto. Aliás, reproduz por não conseguir, ainda, fazer uma
leitura ou interpretação adequada do que representa 80% da programação a qual é
submetida. Isso não é novidade para um país repleto de "letrados" que
mal conseguem ler um livro.
Com as portas, pernas e mentes abertas, os espectadores, ouvintes e navegantes são invadidos pela influência midiática, que aproveita para plantar opiniões, pontos de vista deturpados e linhas editoriais que dividem a cama com a parte comercial das corporações.
Os receptores reagem, cada um à
sua maneira, mas não conseguem fugir do tsunami provocado pela indústria da
comunicação para, muitas vezes, impedir as mudanças que o país precisa. Não
aparentam capacidade intelectual, não têm unidade (força) e nem representantes
políticos competentes para caminhar de encontro à vontade dos grupos de
comunicação e romper laços com a falta de respeito que é propagada por muitos
deles.
Basta abrir uma revista ou ligar
a televisão para entrar em choque com verdades desenvolvidas para moldar um
país sem espaço para a diversidade/diferença, sem lugar para o pobre e sem
respeito pela mulher. E por mais incrível que isso possa parecer, esses são os
fatos criados para vender, mas que também acabam ensinando.
Um dos motivos que leva jornais, programas de televisão, propagandas e até mesmo portais da internet a promover esse tipo de desagravo são as regras impostas pelo jogo capitalista do mercado, aonde o lucro sobrepõe o respeito, ou a recuperação de um país desigual e injusto. Além desse item há também o conservadorismo preconceituoso e letal do brasileiro aliado uma base educacional ainda deficiente e sem "prestígio" (estudar pra que?).
A televisão roubou o papel da
escola, mas leciona sem ética ou cuidados. Hoje, por exemplo, estupros e outras
violências contra a mulher tornam-se piada em um país com altos índices dessas
barbáries. Enquanto isso, do outro lado, um empresário ri e enche os bolsos de
dinheiro.
As propagandas têm sido cada vez mais propulsoras de perspectivas ultrapassadas, inadequadas e desrespeitosas, principalmente com as mulheres. De acordo com boa parte das campanhas publicitárias que são veiculadas, hoje, as mulheres tornaram-se um produto a ser consumido ou manipulado por bens que não definem personalidade ou caráter, como carros e latas de cerveja. Além disso, as propagandas brincam com realidades historicamente perversas, envolvendo situações que terminam em casos de violência doméstica, na vida real.
Outras campanhas, disputando o
troféu da falta de noção, desenvolvem trabalhos visualmente perfeitos, mas com
valores no mínimo imbecis. Sem avaliação alguma sobre o contexto social e
econômico do país, eu imagino, essas propagandas atribuem novos valores ao humano,
que agora é o carro que tem ou o lugar aonde mora, e lhe ensinam novas
perspectivas: "jogue bola para melhorar a sua vida e confie no nosso
banco".
E não para por aí, há propagandas
que mantém a "ordem" das coisas, mostrando que as "famílias
felizes" e bem sucedidas são sempre compostas por pessoas de pele branca
(e com a mãe cozinhando ou limpando a casa), enquanto os negros são utilizados
exclusivamente para apresentar a "pluralidade racial" mentirosa de
instituições de ensino superior ou para dizer que "os pobres terão acesso
a uma nova política pública" (porque para a mídia "preto e pobre são
palavras iguais").
E por fim (dos meus exemplos) as
propagandas que querem também determinar como devem ser corpos, cabelos e
roupas, pregando uma velha ditadura que nunca deixou de existir.
Essas e muitas outras (propagandas) estão preocupadas apenas em atingir a lucratividade com a venda dos seus produtos e se apoiam não só no afastamento do brasileiro quanto às questões sociais e políticas do país, como também na tendência conservadora e preconceituosa de muitos cidadãos em reproduzir comportamentos tenebrosos, ultrapassados e até criminosos.
É a brutalidade da ignorância em
favor de uma das máquinas mais atuais de sustentação do nosso falido sistema político
e econômico vigente: a mídia.
Não bastassem as ridículas e pobres alusões racistas e discriminatórias nas propagandas, ainda temos os programas de televisão, incluindo novelas e quadros de comédia, que insistem em estar sempre renovando o desrespeito. São as histórias de sempre, que sustentam e mantém negros, mulheres, gays e nordestinos em situações que já não compõem o nosso contexto atual, principalmente por constituírem crimes contra os direitos humanos.
As minorias se tornam caricaturas
para divertir e distrair, promovendo discriminação e exclusão. Estão dentro de
uma programação que não respeita e não está preocupada com os valores seculares
enfrentados por essas pessoas, mas sim em entupir outros cidadãos com uma
"ração audiovisual" de baixa qualidade para a obtenção de poder e
dinheiro.
E a imprensa não fica atrás, principalmente os setores que atuam para ganhar mais espaço no mercado ao invés de suprir a necessidade da sociedade brasileira por uma informação de qualidade, sem entrelinhas.
São os lucros da publicidade
sobre as dificuldades da população. E para alcançar seus objetivos esses
"jornalões" jogam sujo. Escondem informações, invadem as vidas
alheias e deturpam realidades para que elas pareçam menos complexas e mais "rentáveis".
Quantos jornalistas nunca tiveram
que apagar essa ou aquela frase, parágrafo ou palavra em função de acordos e
anúncios publicitários? Quantos jornais não produzem suas manchetes "para
vender jornal" e não para informar o público? Quantos jornais se desvinculam
de políticos para se vincular ao leitor/espectador/ouvinte? Quantos jornais não
pertencem a um político "bem conectado" no Congresso Nacional, no
Palácio do Planalto e no Supremo Tribunal Federal? Aliás, no Brasil, além de
perpetuar moldes oligárquicos, a imprensa também julga pela justiça, legisla
pelos parlamentares e senadores e executa pela presidente da República.
Por aqui, os jornais se tornam
até partidos políticos. Porém, é preciso levar em conta que ninguém sabe ao
certo qual é o papel ou a função da mídia nacional e nativa.
No Brasil, a mídia ajuda a manter um país que não deveria existir para um povo que não o conhece. São poucas famílias formatando o Brasil a bel prazer, para que políticos e empresários se eternizem na direção de uma República que escondeu corpos estigmatizados pelas truculências da história. Tudo para privilegiar os grupos que "presidem" o país desde a época em que uma das principais propulsoras da nossa economia era a chibata.
O impressionante é que apesar dos mais de 500 anos de experiência, a população ainda não despertou por inteiro para fazer sumir alguns dos muros impostos, quando coroas e impérios nos presentearam com mordaças, coleiras e ignorância.
A luta não é fácil,
principalmente para quem nas estatísticas atua pelo time dos excluídos,
marginalizados e "diferentes". Ou melhor, a parte da população
prejudicada diretamente pelos tropeços do país e que não consegue se recuperar
por inteiro.
Também não é fácil para aqueles
que saíram da caverna e encontraram outra luz, além da emitida pela televisão.
É óbvio que apenas uma
regulamentação da mídia não seria o suficiente para mudar o país, até porque os
meios de comunicação são apenas parte de um problema muito maior. Seria
necessária uma verdadeira revolução social, cultural, política e econômica.
Mas vai ficando difícil acreditar
em mudanças dentro de um país com pessoas que não sabem falar a própria língua,
não conhecem a própria história e estão muito distantes da vontade real de
querer um país diferente.
Rafael Querrer é jornalista e repórter de política e economia.
segunda-feira, 6 de
agosto de 2012