Os cabelos na Coreia do Norte e o viral que mereceu Jornal Nacional
E OS IDIOTAS ACREDITARAM!!!
28 de março de 2014
Receita prática e rápida de
jornalismo barato: pegue uma notícia esdrúxula numa agência de notícias
qualquer, adicione uma dose generosa de pimenta sensacionalista, bata tudo no
liquidificador e sirva, sem filtrar, para que os desavisados saiam por aí
papagaiando para ajudar a mídia a vender mais notícia barata. A última foi o
que a mídia nacional noticiou, ou, ecoou: “homens são obrigados a usar o mesmo
corte de cabelo na Coréia do Norte”. Quando vi tal notícia no telejornal mais
visto do Brasil, eu, escaldado pela gloriosa velha mídia, comentei com quem
assistia comigo: quer apostar que essa notícia é falsa? Fui à internet e não
deu outra: não há confirmação alguma sobre a veracidade da notícia, que partiu
da BBC.
O curioso é que a senha para o
desmonte do factoide está na própria notícia disponível no site da BBC, na base
da malandragem da “uma fonte ouvida”; ou: “há relatos conflitantes”. Bom, essa
coisa de “fonte”, a vaca sagrada do jornalismo (para o bem ou para o mal), é
tão confiável como aquela fofoca que você ouviu a respeito do seu chefe a
partir do relato do seu colega, que ouviu do vizinho, que ouviu do amigo de um
primo que é muito amigo do irmão do chefe. Tudo fonte fidedigna, claro, não
importa que você não tenha entendido bulhufas sobre a engenharia da rede de
informação do colega.
Voltemos aos cabelos da Coréia do
Norte. Pesquisando um pouco mais, você descobre que alguns poucos - porém
criteriosos - informativos desconfiam da tal notícia. O jornal israelense
Haaretz, por exemplo, lembra que as extravagâncias do líder norte-coreano Kim
Jong-un e mais as dificuldades de se verificar a veracidade da notícia num
regime fechado como a Coréia do Norte, dá margem a toda sorte de “criatividade
jornalística”. O que existiria de fato – segundo relatos, frise-se – seria uma
campanha na Coréia do Norte para que os homens não usem cabelos compridos. E
só. Tal informação teria surgido em 2008 quando o jornal japonês (epa!) Mainichi Shimbun, sem citar fontes críveis,
teria noticiado que Kim Jong-il (pai de Kim Jong-un), que adorava basquete,
teria torcido o nariz ao ver jogadores de um time norte-coreano de cabelos
compridos. “Isso é time de homens ou de mulheres?” - teria comentado o ex-líder
norte-coreano, falecido em 2011. Logo após aquele jogo de basquete, o governo
teria espalhado avisos (ninguém sabe informar se é proibição ou orientação) em
locais de trabalho para que homens evitassem usar cabelos compridos. Em
seguida, um viral na internet passou a espalhar a “notícia” que a Coréia do
Norte havia liberado apenas 28 tipos de cortes de cabelos – 14 para homens e 14
para mulheres; a “Radio Free Ásia”,
que é bancada pelos EUA (epa! epa!), fala em 10 cortes para homens e 18 para
mulheres. Uma pequena divergência ante um contexto tão idôneo, criterioso e
relevante com que o jornalismo ocidental presenteia a humanidade, não?!
Moral da história: com dez
minutos de pesquisa na internet, foi fácil para um usuário de computador
verificar o contraditório que afronta o factoide. Se a velha mídia – com toda
sua estrutura (financeira, humana, estrutural e técnica) – é incapaz, ou
melhor, não faz questão alguma de verificar isto, é sinal que, para a indústria
da informação, a verdade factual se tornou, há um bom tempo, subproduto
descartável ante a facilidade de se inventar, manipular e vender uma notícia
turbinada para ficar atraente. E se o jornalismo irresponsável tem tal
facilidade é porque sabe que, na outra ponta, a maioria das pessoas acatará
como verdade – esmagando a minoria com senso crítico que ainda teima em prezar
o bom jornalismo e gritar por ele.
Fontes:
Matéria na BBC:
Matéria ecoada pelo Jornal
Nacional, da Globo:
Haaretz questiona a
notícia:
Por Michel Arbache do Portal Luís
Nassif -
Marcadores: Imbecilidade em
massa, Jornalismo amarelo, Jornalismo de esgoto.