Nocividade de igrejas
no Brasil e a afronta da marcha com Deus
Querido amigo Marcos Velasques
Alegro-me em contá-lo como amigo no Facebook. Conhece-te desde tua tenra
idade quando teus queridos pais eram jovens. Tive a honra de ser aluno de teu
pai, o Dr. e Teólogo Prócoro Velasques Fº. Ele era uma pessoa interessante:
rigoroso como professor e um amigo simples nos contatos pessoais.
Certamente acompanhaste pela mídia online a repercussão de meu artigo “Joaquim Barbosa é uma chaga social violenta e malcheirosa”.
Choquei-me em alguns casos com a violência dos comentários nos sites, no
meu blog e com as ameaças que recebi por telefone. Impressionante, as pessoas
sabem que as ligações são rastreadas mesmo assim não vacilam em ofender e a
ameaçar com bobagens que não significam nada em termos práticos, apenas
representam mesquinharia humana e intelectual para debater os problemas que
preocupam o País.
Porém, um tipo de ameaça e conteúdo comentado me chama a atenção e que
merece análise. Trata-se da postura política de setores católicos romanos,
outros católicos e evangélicos.
Aprendi com meu amigo e meu professor Psicólogo Social, Padre Pedrinho
Guareschi, principalmente no seu livro Sociologia Crítica Alternativas
de Mudanças, que a sociedade, além ser movida pela luta de classes, em
virtude dos aparelhos ideológicos usados pela classe dominante ocupante do
Estado, ou Bloco Histórico no dizer de Antonio Gramsci e de seu estudioso Louis
Althusser, move-se com certos grupos que ganham poderes autônomos dentro da
sociedade civil. Tais “autonomias” se constituem em força com fóruns de
partidos e poderes de barganha ao ponto de ameaçar a paz social, sempre a
serviço disfarçado da classe dominante, de quem recebe abastecimentos
materiais.
A partir de ofensas de que fui alvo a partir de meu artigo, que enfrenta
o que representa Joaquim Barbosa num poder da república, o STF, sensibilizei-me
para pensar e entender a ação de grupos de igrejas fundamentalistas em nossa
sociedade.
Vejo nas redes sociais e em sites religiosos “convocando” a sociedade
para a tal “Marcha da Família com Deus pela liberdade”. Leio sobre
fundamentalismo dogmático virulento pleno de ódio de agentes despertando
racismo, homofobia e mentiras gravemente caluniosas e, por isso, criminosas
contra negros, pobres, homossexuais e a esquerda.
1. Política macabra de direita. Basta um bocadinho de análise para que os
fios que costuram o tecido das posturas de pastores, padres e bispos, com
atitudes fascistas mostrem suas ligações com interesses escusos e golpistas em
nosso País. Em ano eleitoral como o que vivemos as fúrias dos interesseiros se
exalta e se escancara ainda mais.
Nas quadras eleitorais pastores, padres e bispos correm para todos os
lados para fecharem acordos com candidatos abastados financeiramente. A
resistência que setores de direita têm em relação a uma reforma política, que
imponha financiamento público das campanhas e desbarate os currais alimentados
por muita corrupção na compra de votos e de pressões da classe dominante sobre
os de quem bancaram patrocínios eleitorais, possibilita que milhões de reais
jorrem nestas ocasiões. É aí que muitos grupos de igrejas entram para trocar
votos de seus frequentadores por dinheiro de candidatos corruptos, algozes dos
pobres e da justiça social. As práticas, por tanto, nada guardam de santidade e
fé. Aí, pelo contrário, rolam muitas corrupções, manipulações e atentados à
justiça social em nome do “deixa assim que é melhor para nossos
interesses”.
A partir desses interesses mesquinhos, feios e imorais tudo cabe. É
possível caluniar, ajudar a manipular as consciências informes, desde que se
assegurem mais “recursos” para as “obras do Senhor, leia-se mais ladroagem de
dinheiro para sustentar o aparelho ideológico religioso da manutenção do status
quo”. Por isso esse ódio contra a esquerda, que luta para quebrar esse pedestal
sujo que sustenta a ideologia dominante e golpista.
2. Desprezo ao conhecimento. Os tais “líderes” religiosos afirmam que
basta ler a “palavra” e ouvir seus pastores, verdadeiros capitães de grotas,
para ser abençoado e feliz, principalmente para ir para o céu e deixar as
riquezas da terra para os chefes de igreja.
Uma crente resolveu, apesar de toda a sua pobreza econômica como
empregada doméstica, ingressar numa universidade para fazer um curso superior.
Finda a graduação comunicou ao seu pastor que ingressaria no mestrado. Meu
Deus, ele se desesperou e lhe pediu para não fazê-lo. Disse-lhe que os estudos
a tirariam da igreja e que ela viraria ateia. Um aluno meu me contou que
informou à sua comunidade que faria um curso superior e que nele teria filosofia.
Ato contínuo, desde o pastor até o mais humilde irmão, recomendaram que ele não
prestasse atenção nas aulas de filosofia porque essa disciplina afasta de Deus
e leva as pessoas ao ateísmo.
E assim vai. A rasura intelectual, o desprezo à ciência e ao conhecimento
é tamanho que cega as pessoas até mesmo na leitura da Bíblia, que chamam de “a
palavra”, termo já tingido ideologicamente. A interpretação da sagrada
escritura é ideológica a favor da classe dominante. Deus para essa
interpretação é um poderoso rei sentado num trono, distante das desgraças dos
pecadores. Para essa pregação Deus um dia, antes era no ano 2000, não se sabe
quando, enviará de seu trono o seu Filho, que virá em nuvens para arrebatar os
que dão dízimos, os santos e os puros. Noutras palavras, o Deus a quem se
referem não tem nenhuma relação com o Deus pobre, sofrido, cuspido e
crucificado como um sedicioso na Palestina, como Jesus ensinou e viveu. O Jesus
que eles pregam, com o objeito de embotar a consciência dos direitos humanos e
da luta de classes, é o de um fantasma sem história e sem contexto social. É um
vulto ressurreto que mora no céu e nos corações dos dizimistas e puros.
Pregam vida sem pés no chão, sem contexto, sem história e sem compromisso
social. Seus cultos e missas são ruídos sem nexo com a realidade. Sua devoção
não os remete aos injustiçados. Aliás, fora do arraial de cada um desses
grupos, não há salvação. Todos são pecadores e merecem as desgraças que se
empulham sobre seus ombros. Não se importam com nada desde que suas chefias
consigam dinheiros para seus programas de TVs, de rádios e luxúrias. Daí para
aliarem-se com candidatos e eleitos é um passo, se suas vontades são
satisfeitas. Ouvi um deles dizer quando José Serra era candidato a presidente:
“Serra é melhor para nós”. Perguntei porque e a resposta veio rápido: “ah
porque o pastor Silas Malafaia conseguirá um canal de TV prá nós”.
Quer dizer, esses grupos fanáticos, que praticam cizânias e guerras
sociais não se importam com o povo, com a sociedade e com o Brasil. Tudo o que
os move são os interesses igrejeiros. Entendem-se como um estado dentro da
sociedade. São risco à paz social.
O resultado é o luxo, é ânsia burguesa com que templos e líderes
religiosos se organizam e se constroem. Todos os “grandes” líderes não existem
sem um programa de TV. Para mantê-lo é preciso muito dinheiro. Daí a
necessidade de arrancar dinheiro das pessoas e de fazer “parcerias” com
candidatos ricos e de campanhas eleitorais ricas, como os da direita do
espectro social. A direita, historicamente sem votos e sem povo, despeja
dinheiro nas burras dos pastores em troca dos seus cabrestreados membros, que
falaciosamente votam nas pessoas e não em partidos, para não dizer que votam
nas pessoas corruptas que dão dinheiro para suas igrejas e instituições.
Como sempre, onde há dinheiro há poder e corrupção. Isso alimenta
fanatismos e fanáticos desvairados sem argumentos, sem conhecimento e sem
sabedoria.
3. Rasura ética e hipocrisia. Os grupos religiosos que agem a reboque da
classe dominante apregoam que não gostam de política e que não se filiam a
partidos. Mentem quando assim se afirmam. Podem não ser filiados cartorialmente
a partidos, mas filiam-se política e ideologicamente a partidos e a partidários
do sistema dominante e conservador dos privilégios dos 1º dos poderosos,
sustentados pelo trabalho e pelo sacrifício dos 99% da sociedade.
Esses grupos fundamentalistas e fanáticos são os que perseguem
homossexuais, os negros, os pobres e os comunistas. Um site de um desses
fanáticos chega ao ponto de dizer sem rodeios que Lula e Dilma foram eleitos
por gentalhas desclassificadas e ignorantes, ao se referir aos pobres, aos
nordestinos, aos trabalhadores e aos usuários da Bolsa Família.
Um dos argumentos falaciosos que usam para induzir o povo a votar na
direita é que os socialistas e comunistas são ateus. Porém, o conceito de
ateísmo que manejam é senso comum, vulgar e distorcido. Desonesta ou
ignorantemente escamoteiam o ateísmo desumano, opressor e anti ecológico que é
o capitalismo, em cujos pés se ajoelham cínica e mascacaradamente. Não vêm
problemas em fazer alianças com o demônio destruidor, desde que suas baterias
aparelhadas por aquela ideologia cuspam chamas contra a árdua luta pela
construção de sociedade mais justa e humana. Jamais denunciam os sacrifícios de
milhões de pessoas ao culto idolátrico ao deus lucro, alma diabólica do
sistema, que destrói em seu altar valores, multidões, nações, famílias,
sociedade e religiões. Suas pregações são bombardeios de futilidades carregadas
de juízo condenatório contra as vítimas do capitalismo, ao qual cultuam
hipocritamente. O preconceito e as menatiras contra os que lutam pelos direitos
do povo é infundado e ideológico com o claro objetivo de intimidar. Herdam a propaganda
falaciosa imperialista de que os países socialistas perseguem os cristãos. Só
não explicam que os tais “cristãos” são sabotadores de direita,
"anjinhos" que servem aos interesses imperialistas contra a luta
libertadora para redimir a humanidade das garras satânicas da ferocidade
predatória do mercado.
É bom afirmar que nos países socialistas atuais os cristãos engajados na
luta pelo novo ser humano, mais justo, de pensamento coletivo, de compromisso
social com o constante processo educativo de construção de sociedade mais
humana, são profundamente respeitados. É como diz o comandante Fidel Castro a
Frei Betto, na famosa entrevista que se transformou no livro “Fidel Castro e a
Religião”: “cristãos e socialistas têm aliança estratégica”.
É sinceramente lamentável ver pastores, padres e bispos incitando suas
comunidades ao ódio. Sua falta de fundamento derrapa para as mentiras
caluniosas de caráter divisionista e ofensivo, próprias às práticas da direita,
que não dialoga, servindo-se de técnicas maculantes das imagens das pessoas e
dos projetos de caráter popular.
Certamente lembras do “berrão” Silas Malafaia que prometeu, na sua
típica linguagem grosseira, “rebentar com o Haddad” quando o prefeito de
São Paulo disputou as eleições.
Um leigo pentecostal aqui em Goiás, professor de língua portuguesa,
entregou-se a uma cruzada mentirosa e desonesta contra os que ele chamava de
petistas. O mentiroso escreveu um artiguetizinho acusando o MEC de destruir a
família ao solicitar que as escolas ensinassem as crianças a respeitar as
diversidades sexuais e religiosas. Descaradamente se lançou a distribuir seu
artigo indigente de ética pedindo clamorosamente que jornais e sites o
publicassem. Os que assim não o faziam os acusava de se juntar ao petismo na
destruição da família. Uma coisa que ele mostrou, muito própria desses grupos
que integra, é o autoritarismo dogmático. Nunca aceitou dialogar sobre sua
falta de fundamento. O que dizia se revestia de verdade caída do céu. Pedi-lhe
que me desse os textos do MEC que propagavam a alegada destruição da família.
Fazia-se de surdo e nunca me entregou nada, até mesmo porque não existem. Sua
desonestidade nunca lhe permitiu declarar que se juntava a grupos de direita
aqui para sabotar a educação fazendo discurso tipicamente global e
mentiroso.
Atitudes assim levam-nos a compreender que muitos desses grupos que usam
o terror na prática de preconceitos segregacionistas têm ligações escusas com
organizações corrosivas à paz social. Este é o caso do famoso pastor Charles
Fox Parham, célebre fundador do pentecostalismo moderno. Parham foi acusado de
envolvimento em assassinatos de negros, de participar da temida organização
racista Ku Klux Klan e de abusar sexualmente de um guri, a despeito de
seu imenso e hipócrita moralismo. São dignas de vigilância também certas
missões que igrejas do Brasil fazem na África. O que fazem lá?
Destaco, contudo, Marcos, que recebi apoios impressionantes de católicos
romanos e de evangélicos sérios. Padres, religiosos e pastores me escreveram e
pediram minha amizade nas redes sociais. Essas pessoas entendem plenamente que
seguir Jesus é necessariamente aliar-se a projetos de luta pela justiça social
e não se entregar aos berros para que Deus venha fazer o que é de nossa
responsabilidade e engajamento. Viva!
Abraços críticos e fraternos na luta pela justiça e pela paz.
Dom Orvandil: bispo cabano, farrapo e republicano.