26/03/2014
Em reação às crescentes
manifestações contra a chamada CPI da Petrobras, criada pela oposição ao
governo Lula, o senador Sérgio Guerra (PSDB/PE) disse que as críticas dos
manifestantes vão “bater no vento”. “Não estamos atacando a Petrobras, estamos
defendendo a empresa. Vamos atrás de gente que não merece estar nessa empresa.
É desnecessária a forma como se deu o discurso ofensivo contra o PSDB, isso já
compromete essa manifestação na sua origem”, avaliou Guerra, em matéria
no Jornal do Brasil, dia 22 [de maio de 2009].
Para refrescar a memória do
senador e demais entusiastas da CPI, Fernando Siqueira, presidente da
Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet), selecionou “Dez estragos
produzidos pelo governo FHC no Sistema Petrobras”.
Crimes sem castigo: Aepet
denúncia dez estragos do governo FHC na Petrobras
Estragos produzidos na Petrobras, pelo
governo FHC, visando desnacionalizá-la.
1993– Como
ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso fez um corte de 52% no orçamento
da Petrobras, previsto para o ano de 1994, sem nenhuma fundamentação ou
justificativa técnica.
Ele teria inviabilizado a empresa
se não tivesse estourado o escândalo do Orçamento, fazendo com que se
esquecessem da Petrobras.
Todavia, isso causou um atraso de
cerca de 6 meses na programação da empresa, que teve de mobilizar as suas
melhores equipes para rever e repriorizar os projetos integrantes daquele
orçamento.
1994 – Ainda
como ministro da Fazenda, com a ajuda do diretor do Departamento Nacional dos
Combustíveis, Fernando Henrique manipulou a estrutura de preços dos derivados
do petróleo, de forma que, nos seis últimos meses que antecederam o Plano
Real, a Petrobras teve aumentos mensais, na sua parcela dos combustíveis, em
valores 8% abaixo da inflação. Por outro lado, o cartel internacional das
distribuidoras de derivados teve, nas suas parcelas, aumentos de 32% acima da
inflação.
Isto significou uma transferência
anual, permanente, de cerca de US$3 bilhões do faturamento da Petrobras para o
cartel dessas distribuidoras.
A forma de fazer isso foi por
meio dos dois aumentos mensais, que eram concedidos aos derivados, pelo fato da
Petrobras comprar o petróleo em dólares, no exterior, e vender no mercado, em
moeda nacional. Havia uma inflação alta e uma desvalorização diária da nossa
moeda. Os dois aumentos repunham parte das perdas que a Petrobras sofria devido
a essa desvalorização.
Mais incrível: a Petrobras vendia
os derivados para o cartel e este, além de pagá-la só 30 a 50 dias depois, ainda
aplicava esses valores, e o valor dos tributos retidos para posterior repasse
ao Tesouro, no mercado financeiro, obtendo daí vultosos ganhos financeiros, em
face da inflação galopante então presente. Quando o Plano Real começou a ser
implantado, com o objetivo de acabar com a inflação, o cartel reivindicou uma
parcela maior nos aumentos, porque iria perder aquele duplo e absurdo lucro.
1995 – Em fevereiro, já
como presidente, FHC proibiu a ida de funcionários de estatais ao Congresso
para prestar informações aos parlamentares e ajudá-los a exercer seus mandatos
com respaldo em informações corretas.
Assim, os parlamentares ficaram
reféns das manipulações da imprensa comprometida. As informações dadas aos
parlamentares no governo de Itamar Franco, como dito acima, haviam impedido a
revisão da Constituição Federal com um claro viés neoliberal.
Fernando Henrique emitiu um
decreto, nº 1.403/95, que instituía um órgão de inteligência, o Sial, Serviço
de Informação e Apoio Legislativo, com o objetivo de espionar os funcionários
de estatais que fossem a Brasília falar com parlamentares. Se descobertos,
seriam demitidos.
Assim, tendo tempo de trabalho
para me aposentar, solicitei a aposentadoria e fui para Brasília por conta da
Associação. Tendo recursos bem menores que a Petrobras (que, no governo Itamar
Franco, enviava 15 empregados semanalmente ao Congresso), eu só podia levar
mais um aposentado para ajudar no contato com os parlamentares. Um dos nossos
dirigentes, Argemiro Pertence, mudou-se para Brasília, às suas expensas, para
ajudar nesse trabalho.
Também em 1995, FHC deflagrou o
contrato e a construção do Gasoduto Bolívia-Brasil, que foi o pior contrato que
a Petrobras assinou em sua história. FHC, como ministro da Fazenda do governo
Itamar Franco, funcionou como lobista em favor do gasoduto. Como presidente,
suspendeu 15 projetos de hidrelétricas em diversas fases, para tornar o
gasoduto irreversível. Este fato, mais tarde, acarretaria o “apagão” no setor
elétrico brasileiro.
As empresas estrangeiras, comandadas
pela Enron e Repsol, donas das reservas de gás na Bolívia, só tinham como
mercado o Brasil. Mas a construção do gasoduto era economicamente inviável. A
taxa de retorno era de 10% ao ano, enquanto o custo financeiro era de 12% ao
ano. Por isso, pressionaram o governo a determinar que a Petrobras assumisse a
construção. A empresa foi obrigada a destinar recursos da Bacia de Campos, onde
a taxa de retorno era de 80%, para investir nesse empreendimento.
O contrato foi ruim para o Brasil
pelas seguintes razões: mudança da matriz energética para pior, mais suja;
ficar dependente de insumo externo dominado por corporações internacionais, com
o preço atrelado ao do petróleo e valorada em moeda forte.
Foi ruim para a Bolívia, que só
recebia 18% pela entrega de uma de suas últimas riquezas, a mais significativa.
Evo Morales elevou essa participação para 80% (a média mundial de participação
dos países exportadores é de 84%) e todas as empresas aceitaram de bom grado.
E foi péssimo para a Petrobras
que, além de tudo, foi obrigada a assinar uma cláusula de “Take or Pay”, ou
seja, comprando ou não a quantidade contratada, ela pagaria por ela. Assim, por
mais de dez anos, pagou por cerca de 10 milhões de metros cúbicos, sem
conseguir vender o gás no mercado nacional.
Ainda em 1995, o governo,
faltando com o compromisso assinado com a categoria, levou os petroleiros à
greve, com o firme propósito de fragilizar o sindicalismo brasileiro e a sua
resistência às privatizações que pretendia fazer. Havia sido assinado um acordo
de aumento de salário de 13%, que foi cancelado sob a alegação de que o
presidente da Petrobras não o havia assinado. Mas o acordo foi assinado pelo
então ministro das Minas e Energia, Delcídio Amaral, pelo representante do
presidente da Petrobras e pelo ministro da Fazenda, Ciro Gomes.
Além disso, o acordo foi assinado
a partir de uma proposta apresentada pelo presidente da Petrobras. Enfim, foi
deflagrada a greve, após muita provocação, inclusive do ministro do TST, Almir
Pazzianoto, que disse que os petroleiros estavam sendo feitos de palhaços. FHC
reprimiu a greve fortemente, com tropas do exército nas refinarias, para
acirrar os ânimos. Mas deixou as distribuidoras multinacionais de gás e
combustíveis sonegarem os produtos, pondo a culpa da escassez nos petroleiros.
No fim, elas levaram 28% de aumento, enquanto os petroleiros perderam até o
aumento de 13%, já pactuado e assinado.
Durante a greve, uma viatura da
Rede Globo de Televisão foi apreendida nas proximidades de uma refinaria, com
explosivos, provavelmente pretendendo uma ação de sabotagem que objetivava
incriminar os petroleiros. No balanço final da greve, que durou mais de 30
dias, o TST estabeleceu uma multa pesada que inviabilizou a luta dos
sindicatos. Por ser o segundo maior e mais forte sindicato de trabalhadores
brasileiros, esse desfecho arrasador inibiu todos os demais sindicatos do país
a lutar por seus direitos. E muito menos por qualquer causa em defesa da
Soberania Nacional. Era a estratégia de Fernando Henrique para obter caminho
livre e sangrar gravemente o patrimônio brasileiro.
1995 – O mesmo
Fernando Henrique comandou o processo de mudança constitucional para efetivar
cinco alterações profundas na Constituição Federal de 1988, na sua Ordem
Econômica, incluindo a quebra do monopólio estatal do petróleo, por meio de
pressões, liberação de emendas, barganhas e chantagens com os parlamentares.
Manteve o presidente da
Petrobras, Joel Rennó, que, no governo Itamar Franco, chegou a fazer carta ao
Congresso Nacional defendendo a manutenção do monopólio estatal do petróleo,
mas que, no governo FHC, passou a defensor empedernido da sua quebra.
As cinco mudanças
constitucionais promovidas por FHC
1. Mudou o conceito de empresa
nacional.
A Constituição de 1988 havia estabelecido uma distinção
entre empresa brasileira de capital nacional e empresa brasileira de capital
estrangeiro. As empresas de capital estrangeiro só poderiam explorar o subsolo
brasileiro (minérios) com até 49% das ações das companhias mineradoras. A
mudança enquadrou todas as empresas como brasileiras. A partir dessa mudança,
as estrangeiras passaram a poder possuir 100% das ações. Ou seja, foi
escancarado o subsolo brasileiro para as multinacionais, muito mais poderosas
financeiramente do que as empresas nacionais.
A Companhia Brasileira de
Recursos Minerais havia estimado o patrimônio de minérios estratégicos
brasileiros em US$13 trilhões. Apenas a companhia Vale do Rio Doce detinha
direitos minerários de US$3 trilhões. FHC vendeu essa companhia por um valor
inferior a um milésimo do valor real estimado.
2. Quebrou o monopólio da
navegação de cabotagem,
permitindo que navios estrangeiros navegassem pelos
rios brasileiros, transportando os minérios sem qualquer controle.
3. Quebrou o monopólio das
telecomunicações,
para privatizar a Telebrás por um preço abaixo da metade
do que havia gasto na sua melhoria nos últimos três anos, ao prepará-la para
ser desnacionalizada. Recebeu pagamento em títulos podres e privatizou um
sistema estratégico de transmissão de informações. Desmontou o Centro de
Pesquisas da empresa e abortou vários projetos estratégicos em andamento, como
capacitor ótico, fibra ótica e tevê digital.
4. Quebrou o monopólio do gás
canalizado e entregou a distribuição a empresas estrangeiras.
Um exemplo é
a estratégica Companhia de Gás de São Paulo, a Comgás, que foi vendida a preço
vil para a British Gas e para a Shell. Não deixou a Petrobras participar do
leilão por meio da sua empresa distribuidora. Mais tarde, abriu parte do
gasoduto Bolívia-Brasil para essa empresa e para a Enron, com ambas pagando
menos da metade da tarifa paga pela Petrobras, uma tarifa baseada na construção
do Gasoduto, enquanto que as outras pagam uma tarifa baseada na taxa de
ampliação.
5. Quebrou o monopólio estatal
do petróleo,
por meio de uma emenda à Constituição de 1988, retirando o
parágrafo primeiro, elaborado pelo diretor da Aepet, Guaracy Correa Porto, que
estudava Direito e contou com a ajuda de seus professores na elaboração. O
parágrafo extinto era uma salvaguarda que impedia que o governo cedesse o
petróleo como garantia da dívida externa do Brasil. FHC substituiu esse
parágrafo por outro, permitindo que as atividades de exploração, produção,
transporte, refino e importação fossem feitas por empresas estatais ou
privadas. Ou seja, o monopólio poderia ser executado por várias empresas,
mormente pelo cartel internacional.
1996 – Fernando Henrique
enviou o projeto de lei que, sob as mesmas manobras citadas, se transformou na
Lei 9.478/97.
Esta Lei contém artigos
conflitantes entre si e com a Constituição Brasileira. Os artigos 3º, 4º e 21º,
seguindo a Constituição, estabelecem que as jazidas de petróleo e o produto da
sua lavra, em todo o território nacional (parte terrestre e marítima, incluído
o mar territorial de 200 milhas e a zona economicamente exclusiva) pertencem à
União Federal. Ocorre que, pelo seu artigo 26º – fruto da atuação do lobby,
sobre uma brecha deixada pelo projeto de lei de FHC – efetivou a quebra do
monopólio, ferindo os artigos acima citados, além do artigo 177 da Constituição
Federal que, embora alterada, manteve o monopólio da União sobre o petróleo.
Esse artigo 26º confere a propriedade do petróleo a quem o produzir.
“O petróleo agora é vosso.”
1997 – Fernando Henrique
criou a Agência Nacional do Petróleo e nomeou o genro, David Zylberstajn, que
havia se notabilizado como Secretário de Minas e Energia do Estado de São
Paulo, desnacionalizando várias empresas de energia por preços irrisórios,
inclusive a Eletropaulo, vendida para a empresa americana AES que, para essa
compra, lançou mão de um empréstimo do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES) e não pagou.
Cabe salientar que, dos recursos
do BNDES, 50% são originários do FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador – e foram
emprestados a empresas estrangeiras para comprar empresas nacionais, que
demitiram, em média, 30% dos trabalhadores. Ou seja, o FAT foi usado para
desempregar os trabalhadores.
Zylberstajn, no ato de sua posse,
com o auditório cheio de empresas estrangeiras ou de seus representantes,
bradou:
“O petróleo agora é vosso”.
Empossado, iniciou os leilões de
áreas, já com alguma pesquisa feita pela Petrobras, com tal avidez entreguista
que os blocos licitados tinham áreas 220 vezes maiores do que a dos blocos
licitados no Golfo do México.
Zylberstajn, inicialmente, mandou
que a Petrobras escolhesse 10% das áreas sedimentares, de possível ocorrência
de hidrocarbonetos, nas 29 províncias onde ela já havia pesquisado, para
continuar explorando por mais três anos, quando, se não achasse petróleo, teria
que devolvê-las à ANP. Depois de 6 meses de exaustivos estudos, a Petrobras
escolheu as áreas que queria.
Surpreendentemente, Zylberstajn,
aproveitando que a atenção do país estava voltada para a Copa do Mundo de
futebol, em realização na França, retomou 30% dessas áreas que a Petrobras
havia escolhido, sob rigorosos critérios técnicos, pelos seus especialistas.
Assim, a Petrobras passou a ter direito de explorar apenas 7% do total das
rochas sedimentares brasileiras. Esse prazo de três anos se mostrou inviável e
foi estendido para cinco anos. Nós publicamos informativos mostrando que as
multinacionais tinham oito anos de prazo contra os três da Petrobras.
1998 – A Petrobras é
impedida pelo governo FHC de obter empréstimos no exterior para tocar seus
projetos – a juros de 6% a.a. –, e de emitir debêntures que visavam à obtenção
de recursos para os seus investimentos.
FHC cria o Repetro, por meio do
Decreto 3.161/98, que libera as empresas estrangeiras do pagamento de impostos
pelos seus produtos importados, mas sem, contudo, dar a contrapartida às
empresas nacionais. Isto, somado à abertura do mercado nacional iniciada por
Fernando Collor, liquidou as 5 mil empresas fornecedoras de equipamentos para a
Petrobras, gerando brutais desemprego e perda de tecnologias para o País. Essas
empresas haviam sido criadas por meio do repasse de tecnologia que a Petrobras
gerava ou absorvia. A presença do fornecedor nacional facilitava em muito a
operação da empresa.
Ainda em 1998, seis empresas
multinacionais (duas delas comandaram a privatização da YPF Argentina – Merryl
Linch e Gaffney Cline) passaram a ocupar o 12º andar do prédio da Petrobras
(Edise) para examinar minuciosamente todos os dados da Companhia, sob o
argumento de que se tratava de uma avaliação dos dados técnicos e econômicos
necessários à venda de ações da Empresa, em poder do governo.
Durante dois anos, essas empresas
receberam todas as informações que quiseram dos gerentes da Petrobras,
inclusive as mais confidenciais e estratégicas, de todas as áreas. Reviraram as
entranhas da Companhia, de uma forma jamais realizada em qualquer empresa que
aliene suas ações.
1999 – Muda-se o estatuto
da Petrobras com três finalidades:
- Permitir que estrangeiros possam ser presidentes da
empresa (Philippe Reichstul);
- Permitir a venda de ações para estrangeiros;
- Retirar os diretores da empresa do Conselho de
Administração, colocando em seu lugar representantes do Sistema Financeiro
Internacional, como Jorge Gerdau Johannpeter (comandante do lobby para a
quebra do monopólio), Roberto Heiss, Paulo Haddad e outros;
Reichstul inicia o mandato
cancelando atabalhoadamente (propositalmente?) o contrato da empresa Marítima –
fornecimento de seis plataformas para perfuração exploratória – um mês antes
dela incorrer numa grave inadimplência. O cancelamento salvou a Marítima de
pesadas multas e ainda deu a ela argumentos para processar a Petrobras, pedindo
R$2 bilhões de indenização pelo incrível cancelamento. Ganhou em primeira
instância.
Reichstul viaja aos EUA com o
ex-jogador Pelé e, juntos, fazem propaganda do lançamento e venda de ações da
Petrobras em Wall Street; o governo vende, então, 20% do capital total da
Petrobras, que estavam em seu poder. Posteriormente, mais 16% foram vendidos
pelo irrisório valor total de US$5 bilhões.
Como a “Ação Direta de
Inconstitucionalidade” da Aepet contra o artigo 26, já mencionado, assinada
pelo governador Roberto Requião (Paraná), foi derrubada, e a Petrobras é dona
das reservas, em detrimento da União, esses acionistas incorporaram ao seu
patrimônio um acervo de 10 bilhões de barris – 36% de 30 bilhões de barris nas
mãos da Petrobras (incluindo 16 bilhões do pré-sal, já cubados) – os quais,
pela Constituição pertencem à União.
Como, agora, estamos no limiar do
pico de produção mundial, o barril de petróleo, em queda temporária, vai
ultrapassar os US$100, esse patrimônio transferido, gratuitamente, valerá mais
de US$1 trilhão. Considerando que já existiam no mercado cerca de 20% das ações
em mãos de testas de ferro, o governo, hoje, detém 54% das ações com direito a
voto, mas apenas 40% do capital total da Petrobras (antes das mudanças, o
governo detinha 87% do capital total da Companhia).
O poder dos novos e felizardos
acionistas de Wall Street os levam a exigir da Petrobras a quitação dos débitos
que a Companhia tem com o Fundo de Pensão (Petros), de preferência pelo menor
preço possível. Reichstul usa R$8 bilhões em títulos de longuíssimo prazo do
governo (NTN tipo B, recebidos na privatização das subsidiárias da Companhia –
prazos de 23 e 32 anos) e quita a dívida, financeiramente, mas não
atuarialmente, pelo valor de face dos títulos. A Petrobras contabiliza a saída
dos títulos por R$1,8 bilhão e o Fundo de Pensão os recebe por R$8 bilhões.
Reichstul dobra o salário dos
gerentes da Petrobras, amplia o número deles, e lhes dá poderes ilimitados para
contratar empresas e pessoas. Ganha com isso o apoio para fazer todas as
falcatruas que planejava. Desmonta a competente equipe de planejamento da
Petrobras e contrata, sem concorrência, a Arthur De Little, empresa americana,
presidida pelo seu amigo Paulo Absten, para comandar o planejamento estratégico
da Companhia.
Isto resulta numa série de
desastres consecutivos. Entre eles, a compra de ativos obsoletos na Argentina,
na Bolívia e em outros países. Os gerentes – cooptados – se fartam de contratar
empresas e pessoas, sem controle. A terceirização atinge o estrondoso absurdo
de 120 mil contratados, com nepotismo e corrupção, enquanto os empregados
efetivos caem de 60 mil para cerca de 30 mil, seguindo a estratégia aplicada na
Argentina, de enxugar para desnacionalizar. Abre-se acesso às entranhas da
empresa para pessoas alocadas por empreiteiras e concorrentes estrangeiras.
Reichstul tenta mudar o nome da
empresa para Petrobrax, para facilitar a pronúncia dos futuros compradores
estrangeiros. Causa uma reação de indignação nacional e recua. Mas segue a sua
meta desnacionalizante e divide a empresa em 40 unidades de negócio, seguindo a
proposta do Credit Suisse First Boston, apresentada ao Governo Collor, para a
desnacionalização da Companhia. Pulveriza as equipes técnicas, desmantelando a
tecnologia da empresa e preparando para, por meio do artigo 64 da Lei 9.478/97,
transformar cada unidade de negócio em subsidiária e privatizá-las, como
iniciou fazendo com a Refinaria do Rio Grande do Sul, a Refap.
Essa privatização foi feita pela
troca de ativos com a Repsol Argentina (pertencente ao Banco Santander, braço
do Royal Scotland Bank Co.), onde a Petrobras deu ativos no valor de US$500
milhões – que avaliamos em US$2 bilhões – e recebeu ativos no valor de US$500
milhões, os quais, dois dias depois, com a crise da Argentina, passaram a valer
US$170 milhões.
A avaliação dos ativos foi feita
pelo Banco Morgan Stanley, do qual Francisco Gros era diretor, acumulando,
desde o início da gestão Reichstul, o cargo de membro do Conselho de
Administração da Petrobras. Gros, segundo sua biografia publicada pela Fundação
Getúlio Vargas, veio para o Brasil, como diretor do Morgan Stanley, para
assessorar as multinacionais no processo de privatização. Por meio de
sindicalistas do Rio Grande do Sul, entramos com uma ação judicial na qual
ganhamos a liminar, cassada, mas que interrompeu esse processo de
desnacionalização.
A gestão Reichstul levou a
empresa a um nível de acidentes sem precedentes na sua história: 62 acidentes
graves – em dois anos – contra a série histórica de 17 acidentes em 23 anos
(1975 a 1998), segundo relatório publicado pelo Conselho Regional de Engenharia
do Estado do Paraná.
Nós pedimos investigação de
sabotagem aos vários órgãos de segurança: Polícia Federal, Marinha,
Procuradoria Federal. Não investigaram, mas os acidentes cessaram.
2001 – Reichstul,
desgastado, dá lugar a Francisco Gros, que, ao assumir a presidência da
Petrobras, num discurso em Houston, EUA, declara que, na sua gestão, “a
Petrobras passará de estatal para empresa privada, totalmente desnacionalizada”.
Gros compra 51% da Pecom
Argentina, por US$1,1 bilhão, embora a dita empresa tenha declarado,
publicamente, um déficit de US$1,5 bilhão; cria um sistema para mascarar
acidentes, nos quais os acidentados não os possam reportar; tenta implantar um
plano de Benefício Definido no fundo de pensão – Petros.
Faz, ainda, um contrato de
construção de duas plataformas com a Halliburton, com uma negociação obscura,
sem concorrentes, que resulta, além de um emprego maciço de mão de obra
estrangeira, em dois atrasos superiores a um ano e meio. Esses atrasos fizeram
com que, pela primeira vez na história da empresa, houvesse uma queda de
produção, fato ocorrido em novembro de 2004. Apesar desses atrasos, a
Halliburton não pagou multa e ainda ganhou cerca de US$500 milhões adicionais
da Petrobras, em tribunal americano.
Com a eleição de Lula para a
Presidência da República, antes da sua posse, houve uma renegociação em massa
dos contratos de serviço em andamento, com novos prazos, superiores a quatro
anos, de forma a criar uma blindagem ao novo governo, impedindo as reanálises,
renegociações ou revogações dos contratos feitos sem concorrência, incluindo
empresas ligadas aos amigos de alguns gerentes do governo FHC”.
Fernando Siqueira é
presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras
via Portal
do Mundo do Trabalho em 26/5/2009