Antes da leitura do texto de Alberto Dines, seria bastante conveniente uma leitura do Código de Conduta dos Editores da Inglaterra.
Caso esse código
estivesse implementado no Brasil, certamente essa publicação teria seus responsáveis
(ou irresponsáveis) respondendo à justiça.
A título de exemplo,
apenas três itens, já são suficientes para perceber o quanto estamos longe do
que se pode chamar de decência jornalística.
1 - Precisão
l) A imprensa deve tomar cuidado para não
publicar informações imprecisas, enganosas ou distorcida, incluindo fotos.
ll) A imprecisão significativa, declaração
enganosa ou distorção, uma vez reconhecido devem ser corrigidas, prontamente e
com o devido destaque, e - quando necessário - um pedido de desculpas
publicado. Nos casos que envolvem a Comissão, destaque deve ser acordado com o
PCC com antecedência.
lll) A imprensa, enquanto livre para ser
partidária, deve-se distinguir claramente entre comentário, conjecturas e fato.
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Por Alberto Dines em 18/03/2014 na edição 790
Na tarde de 12 de abril de 2011,
em aula da primeira edição do Curso de Pós-Graduação em Jornalismo, da ESPM-SP,
Eurípedes Alcântara, diretor de Redação da Veja, na condição de
professor-convidado, declarou, para espanto dos 35 alunos presentes: “Tratamos o
governo Lula como um governo de exceção”. Na capa da última edição do semanário
(nº 2365, de 19/3/2014), o jornalista ofereceu trepidante exemplo da sua
doutrina.
Para comprovar a ilegalidade das
regalias que gozaria o ex-ministro José Dirceu no Complexo da Papuda, Veja cometeu
ilegalidade ainda maior. Detentos não podem ser fotografados ou constrangidos,
o ato configura abuso de poder, invasão da privacidade e, principalmente, um
torpe atentado ao pudor e à ética jornalística. Um bom advogado poderia até incriminar
os responsáveis por formação de quadrilha ao confirmar-se que o autor da peça
(o editor Rodrigo Rangel) não entrou na penitenciária e que alguém pagou uma
boa grana aos funcionários pelas fotos e as, digamos, “informações”.
“Exclusivo – José Dirceu, a Vida
na Cadeia” não é reportagem, é pura cascata: altas doses de rancor
combinadas a igual quantidade de velhacaria em oito páginas artificialmente
esticadas e marombadas. As duas únicas fotos de Dirceu (na capa e na abertura),
feitas certamente com microcâmera, não comprovam regalia alguma.
Ao contrário: magro, rosto
vincado, fortes olheiras, cabelo aparado, de branco como exige o regulamento
carcerário, não parece um privilegiado. Se as picanhas, peixadas e hambúrgueres
do McDonald’s supostamente servidos ao detento foram reais, Dirceu estaria
reluzente, redondo, corado. Um preso em regime semiaberto pode frequentar a
biblioteca do presídio, não há crime algum.
Agentes provocadores
A grande imprensa desta vez não
deu cobertura ao semanário como era habitual. Constrangido, o Estado de
S.Paulo foi na direção contrária e já no domingo (16/3) relatava, com
chamada na primeira página, as providências das autoridades brasilienses para
descobrir os cúmplices do vazamento (ver “Dirceu
teria mais regalias na cadeia; DF nega“). Na segunda-feira, na Folha
de S.Paulo, Ricardo Melo lavou a alma dos jornalistas que repudiam este
jornalismo marrom-escuro (ver “O
linchamento de José Dirceu”).
O objetivo da cascata não
era linchar Dirceu, o que se pretendia era acirrar os ânimos, insuflar
indignações contra uma suposta impunidade, alimentar a agenda dos black-blocks
(ou green-blocks?).
Os agitadores e agentes
provocadores estão excitadíssimos às vésperas dos 50 anos do golpe militar. O
violento quebra-quebra na sexta-feira (14/3), na Companhia de Entrepostos e
Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp) – o maior do gênero na América Latina –
não foi provocado pelos caminhoneiros que passariam a pagar pelo
estacionamento. Foi obra de profissionais do ramo da agitação política com a
inestimável ajuda da PM, que demorou três horas para chegar ao campo de
batalha.
As convocações para atos e
passeatas destinadas a homenagear o golpe de 1964 não falam na derrubada de
Jango, falam em derrotar o PT. Convém lembrar que a rede Ceagesp é, desde 1997,
federalizada, ligada ao Ministério da Agricultura.
Num governo de exceção vale tudo.
Também no jornalismo de exceção.
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Depois de três edições e três
turmas de valentes profissionais, o Curso de Pós-Graduação em Jornalismo com
Ênfase em Direção Editorial, parceria da Editora Abril com a ESPM, foi
suspenso. Na véspera do primeiro aniversário da morte de Roberto Civita, está
desativada uma de suas mais lindas(?) façanhas no campo da formação profissional.
Não merecia.