sexta-feira, 14 de março de 2014

A construção do imaginário como instrumento de dominação


Vários pensadores já sugeriram que a realidade não é o que vemos à nossa volta, somos cercados de ilusão. Sócrates e Platão foram os primeiros, há milênios, quando disseram, no mito da caverna, que o que vemos como realidade sólida, não passa de sombras das cópias imperfeitas das verdadeiras coisas.


Jung afirmava que nenhum ser humano percebe a realidade de forma que possa ser julgada idêntica a de qualquer outro ser humano, devido à falibilidade de nossos sentidos e à influência da evolução individual e particular de cada um. Segundo ele, cada ser humano tem um ponto de vista próprio e exclusivo, por mais que cultura e meio ambiente parecidos sejam compartilhados. Outros filósofos, cientistas e escritores elaboraram também suas teses, que recentemente chegaram a mainstream em filmes como Matrix, e o 13° Andar, além de vários outros, que dizem que vivemos numa simulação, muito parecida com as que somos capazes de criar hoje com a realidade virtual. 

Então a realidade, como percebida, não passa de fruto da imaginação, essa que, nesses tempos de cartesianismo fundamentalista, é terreno exclusivo e depreciado de artistas.




Imaginação é exclusividade da raça humana, para o bem e para o mal. É a capacidade de criar imagens, físicas ou mentais. Especula-se que a primeira imagem criada pelo homem tenha sido a impressão da própria mão na areia, ou embebida em sangue de algum animal e impressa na parede das cavernas. A mão se torna então, num instrumento mágico que começa a ser educado para reproduzir imagens outras, de caçadas e animais. Fazia parte do ritual da caça, que começava com o desenho dos animais que se queria capturar futuramente, o retrato que aprisiona o retratado, algo ainda presente em muitas culturas ditas primitivas. Ela evolui para o que podemos chamar de precursora das religiões, quando alguém muito esperto começa a associar fenômenos naturais a divindades, que passam a ganhar representações imaginárias.

Com a evolução humana, e da psiquê, as imagens evoluem também, elas são a linguagem universal e podem ser lidas e compreendidas até por quem não sabe ler. Nos primórdios do que nos habituamos a chamar de civilização, elas eram usadas na criação de mitos que na realidade eram historinhas que explicavam, e perpetuavam conhecimentos básicos. O Mito do Messias Solar, estudado por Jung, que começa com o herói Mitras, continua com Rá, passa por José do Egito e culmina com Cristo. Mas era só um almanaque astronômico que falava dos ciclos da natureza e dava dicas sobre plantio e colheita, isso está explicadinho no filme Zeitgeist, que usa parte da pesquisa de Jung e compara os mitos citados acima e as 'coincidências' através dos milênios que aproximam esses heróis.

Evoluindo um pouco mais, as imagens começam a ganhar significados subjetivos, passam a representar o que na realidade não retratam, e aí surgem os símbolos. Sinais são formas de comunicação que não dependem de interpretação, eles carregam a mensagem em si _ fumaça é sinal de fogo, se um cão rosna para alguém, é sinal de que vai atacar e por aí vai. Símbolo, do grego "sýmbolon", do verbo "symbállein", "lançar com", arremessar ao mesmo tempo, dá a noção de que tem que haver um consenso, um acordo para que o símbolo signifique algo para que as partes que o criaram vejam sempre o mesmo significado, um anel de ouro é símbolo de aliança entre duas pessoas e duas famílias. 

Os antigos alquimistas eram estudiosos dos símbolos criados milênios antes, que supostamente guardavam os segredos da Natureza e da Inteligência Suprema. Os maçons seguiam os mesmos ensinamentos gnósticos e estudavam e compreendiam símbolos como até hoje a mente cartesiana é incapaz de vislumbrar. Não é a toa que, após a independência dos EUA, os pais da nação, todos maçons, se preocuparam em criar todo um sistema simbólico para unir a população mais heterogênea que já colonizou uma porção de terra e chamou de país. O sino da liberdade, que rachou de tanto bimbalhar, a constituição original até hoje preservada, e mesmo o rascunho desta, impresso em papel de cannabis da plantação de George Washington. Todo e qualquer bric a brac inútil, que tivesse relação com o processo de independência, passou a ser venerado como símbolo, uma forma de unir um povo que podia se dividir a qualquer momento, como a guerra da Secessão mostrou pouco tempo depois.

Criara-se uma nação imaginária, viciada em símbolos vazios que serviam como cola social para integrar diferenças culturais, religiosas e históricas aparentemente inconciliáveis. No processo de colonização dos EUA, gente de todo colorido religioso, cultural e social migrou da Inglaterra, e outros países da Europa, para um lugar onde as grandes dimensões geográficas tornavam a convivência forçada quase desnecessária. Mas as diferenças estavam ali, latentes. Puritanos, quackers, Amish, protestantes, católicos e o diabo a 4, se me permitem o chiste. Ainda hoje um dos maiores temores do Estado é o secessionismo, isso chegou a ser aventado após a reeleição de Obama. Essa tradição maçom está estampada no nota do dollar e em todos os símbolos da nação. Todos os brasões e emblemas de todos os órgãos de estado, se estudados, revelam um simbolismo rico em detalhes e significados ocultos.

É nesse ambiente de imaginação fértil, porém pouco produtiva, dadas as diferenças culturais nunca totalmente integradas, que as técnicas de cinema criadas por Geoges Meliés e pirateadas por Edison encontraram o terreno para o florescimento de uma indústria que iria moldar a nação e um novo imaginário. É lá que a imaginação vira indústria, instrumento de dominação e até colonização. Esclareçamos aqui que as técnicas de Meliés tornavam a imaginação individual quase que desnecessária. Seus cenários, efeitos especiais, maquiagem e indumentária eliminavam a necessidade de imaginar a estória da forma que fazemos quando lemos um livro, tudo era de facílima interpretação, se é que mesmo isso fosse necessário. Estava criada a linguagem cinematográfica explorada até hoje na indústria do cinema dos EUA, e que vem migrando até para o Brasil através da GLOBO Filmes. Não é de admirar que estadunidenses tenham tanta dificuldade em assistir filmes europeus, geralmente mais exigentes com a inteligência do espectador, eles nos forçam a pensar, coisa difícil para os nativos da terra de Tio Sam.

Ao longo da história recente o cinema tem sido usado para moldar esse imaginário, e dominar o povo. É através dele que se criam os mitos e heróis que abastecem o sistema simbólico delineado pelos "Pais da Nação". Foi através do cinema que o esperto J.Edgar Hoover catapultou o FBI, de um escritório burocrático e sem poder, no que é hoje, com ajuda de Hollywood. Foi através do cinema que os estadunidenses se esqueceram que os EUA demoraram quase 4 anos para entrar na Segunda Grande Guerra, e depois dela, ignoraram que quem realmente a ganhou foram os russos, eles se acham os grandes heróis e vitoriosos. O Holocausto teve em Hollywood (controlada por judeus) seu maior marqueteiro. Durante a depressão dos anos 30, Hollywood, a fábrica de sonhos, lucrou como nunca. Afinal  qual o melhor lugar para vender sonhos, se não no meio do maior pesadelo da história de um país. Isso é maravilhosamente retratado no filme de Woody Allen, A Rosa Púrpura do Cairo.

A construção desse novo imaginário estadunidense ainda tem em Hollywood, mesmo nos mais independentes diretores e produtores, o maior artífice da dominação. É quando começamos a confundir realidade (mesmo que erroneamente percebida) com imaginação e ficção, que corremos o maior perigo de sermos enganados. Num sistema que tem a comunicação como instrumento maior e mais potente, é fácil convencer um povo aculturado e de baixo nível educacional de qualquer coisa que se queira. 

Mesmo quando o cinema é usado para desnudar e denunciar crimes de Estado, os fatos apresentados como ficção, apesar de reais, entram no imaginário como ficção pura e simples: "Ahh isso é coisa de Hollywood," é frequentemente ouvido quando falamos da canalhice e covardia das guerras do Vietnam, e mais recentemente Iraque. Ou quando falamos do envolvimento direto da CIA na criação da Al Qaeda, ou das provas veementes de que algo de errado, muito errado, está oculto no caso do 11 de setembro. Tudo vira teoria da conspiração, que até rendeu um filme, tudo vira fantasia. Essa banalização é que abre o caminho para que se explore o imaginário, para nele implantar a 'realidade' que se quer impor, sempre com o intuito de dominar.

Assim é o povo do país mais poderoso do mundo, iludido, manipulado e grudado na tela.



René Amaral
Dos blogs do Brasilianas.org
sex, 24/05/2013 - 21:33 –
Atualizado em 02/09/2013 - 06:26