Técnicas de Goebbels expostas às claras
Paul Joseph Goebbels
Por Cláudia
Rodrigues
A palavra propaganda apareceu
pela primeira vez em 1622, quando o papa Gregório XV convocou uma comissão de
cardeais – a Congregatio Propaganda Fiade – para difundir a palavra cristã em
missões estrangeiras. Durante 300 anos despertou interesse de muita gente,
inclusive de Ivan Pavlov, mas foi só em 1925, a partir do primeiro encontro
entre Adolf Hitler e Joseph Goebbels, que os estudos sobre a capacidade de
manipular as massas, na teoria e na prática, começaram a se desenvolver
cientificamente. As práticas mais modernas do marketing, baseadas em pesquisas
nas emoções humanas mais do que na razão, têm seu berço no nazismo.
O movimento nazista na Alemanha
dos anos 1920 ainda não era um partido e não chegava a ter 1.000 filiados
quando Goebbels, contratado por Hitler, iniciou-se nas primeiras estratégias do
que hoje chamamos de marketing, para difundir as idéias do nacional-socialismo.
A apropriação da cor vermelha para confeccionar os cartazes publicitários
marcou um primeiro e pequeno golpe para desestabilizar as idéias comunistas.
Domínio das emoções
Goebbels, que já era doutor em
Filosofia, aprofundou-se nas idéias de Marx, Engels e Rathenow, com o único
objetivo de combatê-las, atacando-as com sutileza e ironia nas fraquezas e com
força e dogmatismo em seus pontos fortes. "A propaganda jamais apela à
razão, mas sempre à emoção e ao instinto." A frase, que encerra os
princípios éticos do marketing ultramoderno, foi proferida em 1934 por Goebbels
– o homem que ficou ao lado de Hitler até o fim.
Craque na oratória, Goebbels
costumava dizer que "as grandes revoluções não são feitas por intelectuais
e grandes escritores, mas por grandes oradores". Sabia aproveitar até mesmo
os insultos dirigidos aos nazistas, fazendo tamanha elucubração com as palavras
que o nacional-socialismo só crescia e se fortalecia, enquanto o comunismo
arrefecia. Segundo ele, ministro de Esclarecimento e Propaganda do Terceiro
Reich, "depois que a propaganda conscientizou todo um povo a respeito de
uma idéia, a organização pode obter o máximo de benefícios com a ajuda apenas
de um punhado de pessoas".
Na Alemanha, Goebbels mantinha o
domínio das emoções do povo e o ministério que dirigia contava com vários
departamentos que se ocupavam de cultura e publicidade, rádio, cinema, teatro,
música e arte, política, lei e finanças, cerimonial, juventude, problemas
raciais e viagens, e o mais curioso: o de proteção contra a contrapropaganda no
país e no exterior.
Os herdeiros de Goebbels
Ele dominou a arte do engodo como
ninguém e a Alemanha só não é o império sonhado por Hitler porque a perseguição
e o extermínio de milhões de pessoas, a maioria de origem judaica, mobilizou
forças unânimes no mundo inteiro. O Terceiro Reich conseguiu esconder grande
parte das atrocidades que cometia com histórias mentirosas, meticulosamente
documentadas, durante um tempo surpreendentemente longo, mas a imprensa mundial
furou o bloqueio de informações, ajudando a mudar o curso da guerra.
Goebbels tinha a convicção de que
as piores coisas não podiam vir a público, sabia que todo o poder do Führer
iria por água abaixo caso "certas medidas passíveis de má
interpretação" se tornassem conhecidas, mas obviamente houve um momento em
que não conseguiu mais esconder os métodos de "pesquisas" nos campos
de concentração.
Quando os americanos libertaram
milhões de pessoas na Europa, pontuando o fim da Segunda Guerra, herdaram mais
do que métodos franceses para trabalhar bem as videiras, e se até hoje não
conseguiram fabricar vinhos tão bons como os franceses, é certo que foram os
melhores alunos dos fundamentos propangadísticos de Hitler e Goebbels, levando
adiante o sonho do domínio cultural, ideológico e financeiro do nazismo.
As pesquisas fantásticas de
Goebbels sobre a manipulação de massas não morreram com ele; correram mundo nas
mãos de um Estado amigo de todas as raças e todos os credos dispostos a
multiplicar as inúmeras faces do capitalismo, o que esteve bem fácil até a
última década, quando o capitalismo começou a deixar seus inegáveis rastros de
miséria.
Apesar de ainda muito forte e bem
fundamentada graças ao apoio da comunicação de massas mundial, a propaganda de
um mundo próspero onde todos são livres para vencer, já não está se
sustentando.
Dito pelo não-dito
Segundo Joachim Fest, em A
face do Terceiro Reich, "a propaganda foi o gênio do
nacional-socialismo e não somente um instrumento de poder". O autor
explica que o nacional-socialismo tinha uma filosofia obscura e contraditória,
mas uma índole clara e objetiva quanto à propaganda.
O rádio foi o maior instrumento,
mas nada referente às comunicações foi desprezado; o próprio Goebbels escrevia
artigos, embora tenha se divertido muitíssimo mais com o rádio, que despertou
seu interesse pela facilidade na manipulação de sons e no timbre da voz, que
ele fazia questão de tornar mais ou menos dramático.
A polêmica propaganda subliminar
surgiu no novo cinema alemão idealizado por Goebbels no início dos anos 1930.
Ele contratou seus próprios diretores, roteiristas, fotógrafos e cinegrafistas,
que trabalharam muito durante a ascensão de Hitler. Tudo foi coberto, até mesmo
as terríveis experiências nos campos de concentração, e seus resultados foram
fartamente documentados. A Alemanha do pós-guerra não se orgulhava da lavagem
cerebral que havia sofrido e nem fez questão de herdar as benesses das
comunicações hitleristas. Tudo ficou com o grande vencedor da Segunda Guerra,
que aprofundou, difundiu mundialmente e banalizou as experiências com a
comunicação de massa.
Na década de 1970, depois de
várias denúncias envolvendo grandes nomes da indústria americana, como o da
Coca-Cola, que teria se utilizado de propaganda subliminar, esta forma de
manipulação foi proibida assim que vazou a informação de que fora descoberta e
testada pelo Terceiro Reich. Volta e meia os Estados Unidos são acusados de
utilizá-la secretamente, como nas últimas eleições, mas a contrapropaganda
antiamericana também é muito forte e eficiente, assim que o dito fica pelo
não-dito na mesma velocidade acrítica.
No auge da moda
O que temos de certo e
incontestável é que o cinema (TV, vídeos, games, quadrinhos) norte-americano
investiu sua energia desde a Segunda Guerra em diversão com armas, explosões,
ataques, contra-ataques, acidentes nucleares, muito sangue e dor; tudo
encerrado em finais felizes pelos heróis-vítimas, sempre de nacionalidade
americana. É o que poderia levar o nome de técnica transubliminar.
Ou seja, o que não poderia ser
dito subliminarmente passou a ser alardeado com todas as letras, todas as
imagens, uma pré-preparação para a realidade programada a longo prazo, algo que
deixaria Goebbels em surto psicótico.
O marketing, esse deus que nos
rege, hoje pauta não apenas a propaganda e a publicidade clássicas, mas
interfere profundamente no funcionamento dos meios de comunicação, deturpando
fatos e distorcendo a realidade. O jornalismo, supostamente livre dessa
manipulação, está acabando e não é uma questão de novas mídias, modernidades. A
marquetagem infiltrou-se na política e vai tomando conta de escolas, farmácias,
igrejas e está presente até ali na lojinha da esquina, onde a dona me disse que
a razão da reforma foi "uma questão de marketing". Perguntei a ela o
que era isso, marketing, ao que de pronto respondeu:
"Ah, é um estudo novo que
descobre o que vende mais e convence o cliente pela beleza, pela cor, pela
marca, então não adianta eu colocar na vitrine um produto bom, de qualidade, se
ele não tem a marca certa, a cor certa, o tecido certo, entende?"
Claro, claro que eu entendo, as
idéias de Hitler e Goebbels nunca estiveram tão em moda.
Pessoas dóceis
É maravilhoso viver nessa era,
atender as moças do telemarketing, receber mensagens da escola das crianças
enviadas pelo departamento de marketing, ser atendida em minhas queixas como
consumidora pelo departamento de marketing, comprar livros aprovados pelo
departamento de marketing das editoras, comer comida com conservantes, cuja
embalagem foi minuciosamente estudada pelo departamento de marketing, utilizar
remédios, exames e clínicas altamente especializadas no melhor marketing. Posso
até comprar as roupas certas, nas cores e tecidos escolhidos pelo departamento
de marketing das indústrias têxteis!
E o melhor de tudo é que hoje o
marketing não é mais aquele estudo oculto que o próprio Goebbels reconhecia
como profundamente perverso, que merecia ser escondido a sete chaves, para ele
não ser preso como embusteiro. O marketing de hoje, o aperfeiçoamento das boas
idéias nazistas, é totalmente transparente, baseado em pesquisas de mercado,
entrevistas e estratégias esteticamente éticas.
Além do mais os profissionais não
têm mentes ardilosas como as de Paul Joseph Goebbels e Adolf Hitler; hoje em
dia essa profissão abarca pessoas dóceis, de extremada simpatia, incapazes de
proferir uma palavra grosseira mesmo diante de algum sujeito descontrolado que
luta pela verdade a qualquer preço.
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Por Cláudia Rodrigues em 14/12/2004 na edição 307
Jornalista em Florianópolis