por Mauro Santayana
20/03/2014
(JB) - Acionado o botão de
“start” da balcanização e do esfacelamento da Ucrânia - criando um novo
problema para a Rússia em suas fronteiras que Putin está enfrentando
resolutamente – as atenções da direita fundamentalista e do “establishment”
militar e de “inteligência” dos Estados Unidos voltam-se agora para a
Venezuela.
Na semana passada, o general John
Kelly - não confundir com o Secretário de Estado, John Kerry - a maior
autoridade do Comando Suldas Forças Armadas dos Estados Unidos, que
abarca a América do Sul, Central e do Caribe - compareceu ao Comitê de
Assuntos Bélicos do Senado, em Washington, para falar da crise na Venezuela.
Kelly reconheceu que “não tem
contato” com as Forças Armadas venezuelanas, assegurou que “por hora” elas
seguem fiéis ao governo Nicolás Maduro, e sugeriu que, “provavelmente haja
pressões, discussões e divergências dentro das forças armadas da Venezuela
sobre a situação do país”.
Além disso, lembrou que até agora
Maduro usou a polícia e não o exército para controlar as manifestações,
querendo dar a entender que o Presidente da Venezuela não teria confiança em
seus soldados - o que não quer dizer absolutamente nada, já que, na Venezuela,
como no Brasil, a atribuição precípua das Forças Armadas é dedicar-se à
defesa do país contra seus inimigos externos.
O fato de um general, e não um
especialista civil, ou um diplomata, comparecer ao Congresso, para opinar –
como um vice-rei - a propósito da situação na Venezuela, é indicativo de que a
reativação da Quarta Frota norte-americana corresponde, de fato, à retomada do
comportamento neocolonial dos EUA na América Latina.
Até mesmo um site, em espanhol e
em português – instrumento que o Ministério da Defesa brasileiro ou o Conselho
de Defesa da UNASUL já deveriam ter implementado há tempos, voltados para o
público militar - já foi colocado no ar peloComando Sul, veiculando
notícias elogiosas sobre operações de polícias, exércitos e forças de segurança
da América Latina, como tentativa de aproximação e cooptação.
Ao colocar um general para falar
no Congresso, os golpistas da direita norte-americana estão jogando verde para
colher – e derrubar – Maduro, dirigindo-se mais à Venezuela do que ao Legislativo
dos EUA.
Ao colocar em dúvida a confiança
do presidente venezuelano nas suas forças armadas, sua intenção é forçar Maduro
a envolvê-las com o controle das manifestações, para eventualmente provar sua
lealdade – coisa que ele só fará se for néscio ou em caso derradeiro.
Ao informar que “até agora” as
forças armadas venezuelanas são leais ao presidente eleito, ele quer,
telegraficamente, sugerir que, se houver golpistas tentados a sublevar uma
unidade, ou região, eles poderão contar com a simpatia e o apoio dos EUA.
Os Estados Unidos apostam, e
torcem, há semanas - investindo firme em mídia - por rápida “maidanização” de
Caracas, que possa derrubar o governo eleito e promover o caos e fragmentação
do país, exatamente como ocorreu na Ucrânia.
Uma virtual guerra civil na
Venezuela, com a mobilização dos mais pobres na defesa das conquistas sociais
alcançadas por Chavez nos últimos anos, atrairia o envolvimento das vizinhas
FARC, e indiretamente, até mesmo de Cuba, no conflito.
O governo colombiano mobilizaria
suas forças armadas para lutar contra as FARC em território da Venezuela, com o
apoio dos soldados e “instrutores” que se encontram instalados, hoje, nas bases
dos EUA na Colômbia.
Isso abriria caminho para uma
intervenção direta – e eventualmente temporária - dos EUA na região, por
meio da Quarta Frota, recentemente reativada, e do próprio Comando Sul,
comandado pelo próprio John Kelli.
Alguns podem achar que Washington
não estaria preparado política e economicamente para entrar em um novo
conflito. Para a direita fundamentalista dos EUA isso é o que menos importa.
Depois de afastar a ameaça
chavista, destruindo e balcanizando - como fez com o Iraque - a
Venezuela, os EUA poderiam se “retirar” do teatro de operações, tendo atingido
três grandes objetivos geopolíticos:
Enfraquecer ainda mais a economia
de Cuba, que dependeria do apoio russo caso quisesse apoiar Maduro; evitar que
o petróleo venezuelano continue a ser usado, no futuro, no apoio a países que
não rezam pela cartilha dos EUA; e inviabilizar ou atrasar, por décadas, o
processo de união e de integração do continente sul-americano, que tem sido -
como se viu na votação dos países da CELAC na última reunião da OEA - firme e
competentemente conduzido.
Os EUA, no entanto, se enganam.
Os estudantes venezuelanos querem reformas de Maduro, mas não entregar seu país
a uma oposição teleguiada pró-norte-americana.
Não dá para aproveitar as
condições da Venezuela para jogar etnia contra etnia, como está ocorrendo na
Ucrânia, com os tártaros, os russos e ucranianos - ou em outros
países recém “democratizados” pelos EUA, como o Iraque, com sunitas,
xiitas e curdos; ou no Egito, com cristãos, cooptas e muçulmanos,
por exemplo.
No golpe na Ucrânia, existem
indícios de que franco-atiradores armados, contratados pelos próprios
manifestantes de extrema-direita, atiraram contra a multidão, para colocar a
culpa no governo, e levar à derrubada de Yanukovitch.
A mesma tática foi usada no
último golpe na Venezuela, em 2002, quando se tentou derrubar Chavez pela
primeira vez, acusando falsamente chavistas de terem atirado contra opositores.
O povo foi para a rua, Chavez,
que tinha sido preso, foi libertado, e os integrantes do novo governo, em plena
cerimônia de posse, pálidos de medo, tiveram que sair correndo do Palácio
Miraflores.
Sobre isso foi feito, por
jornalistas irlandeses, um magnífico documentário, que pode ser visto no link.
É um trabalho extremamente
didático sobre o que ocorreu com a Venezuela no passado. E sobre o que -
para o bem e para o mal - pode vir a acontecer no futuro.
Postado por Mauro Santayana às 06:58
20/03/2014