Barroso, o senhor juiz, e sua declaração de amor ao
direito
Luis Nassif
Há dois tempos na vida de um
Ministro do STF (Supremo Tribunal Federal): o momento prévio à indicação e o
momento depois de indicado.
Antes da indicação, ele necessita
da aprovação do presidente da República. Para espíritos menores, é o momento da
lisonja, das articulações políticas, das promessas futuras. Para espíritos
políticos, a afinidade com o padrinho ou com o projeto político.
Depois da indicação, cessa
qualquer subordinação ao Executivo. O Ministro torna-se irremovível e a salvo
de qualquer pressão. O único poder capaz de afetá-lo é a mídia, seja expondo-o
a críticas, ao deboche, a denúncias consistentes ou a escândalos vazios; ou
então o julgamento de seus pares.
Os espíritos maduros mantém a
altivez; os espíritos menores, exorbitam ou vacilam.
Poucos têm a solidez de um
Ricardo Lewandowski para remar contra a maré e não se deslumbrar com as luzes
dos holofotes. E nenhum deles foi fruto tão direto da meritocracia quanto Luís
Roberto Barroso.
Em que pese seu inegável preparo,
Celso de Mello e Sepúlveda Pertence assumiram por favores explícitos prestados
ao governo Sarney e ao polêmico Ministro da Justiça Saulo Ramos. Marco Aurélio
de Mello deve o cargo ao primo Fernando Collor. Gilmar Mendes foi nomeado por
FHC para blindá-lo de qualquer aventura jurídica futura do STF; Lula nomeou
Dias Toffoli com a mesma intenção. Joaquim Barbosa entrou na cota racial; Ayres
Britto fingindo-se petista; e Luiz Fux, à dupla malandragem, de prometer
“quebrar o galho” antes, e de não cumprir com a palavra depois.
***
Há muitos anos Luís Roberto
Barroso já era unanimidade no meio jurídico.
Sua indicação não foi um favor da
Presidente a ele; foi um favor dele às instituições, especialmente a uma
instituição ameaçada, como o STF.
Com vida tranquila, titular de
uma banca de alto nível, com reconhecimento geral, sendo aceito pelo meio
econômico, social e midiático do Rio, um dos preferidos da Globo, o que teria a
ganhar indo para o STF?
Certamente, não o prêmio do
reconhecimento, que já tinha; ou da popularidade, que não o cativa. Parece que
queria algo mais substantivo.
***
Ao se insurgir contra o
julgamento anterior da AP 470, para o crime de formação de quadrilha,
aparece o objetivo: desmanchar uma trama que maculou o Supremo e a justiça.
Não é desafio fácil, é apenas para
os grandes.
Barroso tem muito a perder – a
simpatia da mídia, a tranquilidade da unanimidade, a blindagem contra ataques,
a exposição pública (porque televisionada) às baixarias de valentões de bar,
como Joaquim Barbosa ou Gilmar Mendes, até os ataques presenciais, como os que
sofreu Lewandowski.
E o que teria a ganhar expondo as
mazelas de seus pares, indagariam os cidadãos (e Ministros) que enxergam o
mundo da planície das vaidades pontuais? Não precisa do Executivo, não se
identifica em nada com o PT, não tem as pretensões políticas de Joaquim
Barbosa, nem as comerciais de Gilmar Mendes, nem quer entrar no grito na
história, como Celso de Mello. Não precisa incorrer no ridículo permanente de
um Ayres Britto para ser aceito pelo establishment: já faz parte da elite
social e jurídica do país.
Seu único objetivo foi o da
restauração da imagem do Supremo – e, a partir dela, do direito -, afetada
pelos exageros de um julgamento que tinha de tudo para ser exemplar. Como um
pedagogo, pregar a lição de que não há politização que justifique a
instrumentalização da justiça, como os atos que cometeram em co-autoria Joaquim
Barbosa, Gilmar Mendes, Luiz Fux, Celso de Mello, Marco Aurélio de Mello e
Ayres Britto.
Em toda minha carreira
jornalística, poucas vezes testemunhei ato tão desprendido e apaixonado de amor
à profissão quanto a atitude de Barroso.
Confirma o que ouvi de grandes
juristas, antes da sua posse: Barroso é uma instituição maior que o próprio STF
de hoje. É um iluminista em uma terra em que a selvageria insistentemente se
sobrepõe à civilização.
PS – Na esteira da rebeldia
legitimadora de Barroso, outro brado, agora de mais um jornalista em defesa dos
fatos: o depoimento do setorista do Estadão no STF, repórter Felipe Recondo,
relatando o que viu e ouviu nos bastidores do julgamento da AP 470, e rompendo
a cortina de silêncio que foi auto-imposta pelos setoristas menos jornalistas,
e imposta aos verdadeiramente jornalistas.
O Estadão sonegou a informação de
seus leitores: ela ficou restrita ao blog do repórter.
Em sua matéria, mostra que
Joaquim Barbosa não acreditava na peça acusatória do Procurador Geral da
República, Roberto Gurgel. Considerava-a inconsistente e sem provas contra seu
principal alvo, José Dirceu. E que o aumento da pena, no crime de formação de
quadrilha, era essencial para completar o jogo.
sab, 01/03/2014 - 10:14 –
Atualizado em 01/03/2014 - 18:22